Capítulo 3

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Baixo os olhos, repetindo mentalmente que certas coisas não valem o meu tempo e nem o meu coração, como Alex disse. Certas coisas não valem se estressar a respeito, mesmo que essas coisas estejam gritando conosco como loucas no nosso local de trabalho, achando que têm razão em destratar outro ser humano. Se eu fizer o que eu quero fazer agora, vou perder o meu emprego.

A cliente insatisfeita continua argumentando aos berros comigo sobre algo que eu nem estou mais prestando atenção porque a sua voz me dá dor de cabeça. Ninguém se aproxima dela e nem do balcão, seja para acalmá-la ou me prover socorro. Ela gesticula, dá socos com a lateral do punho perto do caixa onde estou, e eu me imagino passando uma linha e uma agulha por seus lábios até eles ficarem trancadinhos, pois só assim para que ela nunca mais ouse falar com outro ser humano desse jeito.

Parando para pensar, parece um pouco com o ataque que Masha deu e que nos fez romper.

– Eu quero falar com o seu gerente agora! – ela brada, vermelha de raiva.

– Certo. Um minuto, senhora – digo.

Ao me virar de costas para chamar a gerente, vejo que ela já está caminhando até onde eu estou. Graças a Deus. Agora ela que lute para acalmar essa Karen em um surto psicótico.

– Nos dê licença, Erika – Anelise, minha gerente, diz, e eu contorno o seu corpo, indo para outro lado do balcão, onde não há fila. – Bom dia, senhora, no que posso ajudar?

Ignoro a conversa aos berros da parte da cliente com Anelise e, com o corpo tremendo em autocontrole, eu me inclino sobre o balcão, repetindo novamente a lição de Alex. Eu estava pronta, de verdade, para subir em cima do balcão e acabar com essa discussão no sopapo, mas acabei de chegar no Canadá e não quero ser presa em menos de um ano aqui.

Ergo a cabeça e respiro fundo. Meu coração se acalma e, aos poucos, aparentemente Karen também. Ela não está mais gritando e eu tenho certeza de que é graças ao dom que Anelise tem com pessoas. Essa mágica que ela faz com os clientes insatisfeitos, ela faz com todo mundo aqui dentro. Anelise é um anjo.

Passo os olhos pela fila de clientes que estão acumulando, já que a cliente Karen ainda não quis sair da frente do caixa onde eu estava e um pouco mais adiante avisto um homem de terno, cabelo ondulado curto e um nariz batatudo me olhando. Na hora em que nossos olhares se cruzam, ele desvia a sua atenção de mim de um jeito nada natural. Cara estranho.

Ou doido, até. Esse país é um antro de gente maluca, apesar de ele não ter cara de doido.

Bom, essa cliente Karen, antes de surtar, também não parecia alguém precisando de tratamento psiquiátrico extremo, daquele que inclui uma camisa de força e sedativos, mas cá está ela me provando o contrário.

O rapaz olha para mim de novo quando acha que eu não estou mais olhando e juro que o vejo ruborizando de longe.

Deixo-o com a sua vergonha de lado. Preciso fumar. O meu intervalo é dentro de meia hora e eu daria tudo por um cigarro agora.

– Erika – Anelise me chama com um sorriso que não é possível que seja real. – Já está tudo resolvido aqui com a nossa cliente. Você pode retomar de onde pararam, por favor?

– Claro – respondo. Volto para a frente do caixa com o sorriso mais falso que Deus me deu a habilidade de montar e termino o atendimento dessa escandalosa.

Enquanto o faço, fico pensando se é assim que as pessoas me enxergam quando eu surto. Eu nunca dei um piti desse com pessoas que eu não conheço. Aliás, acho que os meus pitis não se assemelham a esse, não, mas sou capaz de berrar tão alto quanto ela.

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