Como água atingindo a costa

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Era um galpão no meio do nada, nos arredores de Istambul. Contrariando o que a equipe da polícia pensava, Metin havia voltado com Ceylin, em outro veículo, roubado de algum infeliz que não teve tempo de implorar pela vida. E o plano era terrivelmente simples: entregar a sobrinha em troca da fuga. Com o dinheiro que havia recebido e os contatos que mantinha na fronteira, Metin só não queria ser preso. Que seu passado corrupto viesse à tona e manchasse a reputação como chefe de polícia, ele não dava a mínima. A anos não se importava. Ilgaz sabia onde era o galpão, já havia o desativado como ponto de venda de drogas uma vez a mando dele, mas chegar até lá sem Eren parecia uma missão mais difícil.

– Desça. – Ilgaz disse, em certo ponto, avistando uma viatura de apoio na divisa entre Bursa e Istambul. Eren fez uma cara feia, negando com a cabeça. – Desça! Hemen! – abrindo a porta para o investigador, Ilgaz estava decidido.

– Não posso deixar você fazer isso sozinho, abi, lütfen... não faça isso comigo... – sendo empurrado para fora da viatura, Eren suplicava. – Yapma yaa...

– Não interfira, Eren! É uma ordem! – cantando os pneus, Ilgaz deu a ré, voltando. Não ouviu o amigo dizer: "Olur, Sayın Komiser" com o coração na mão.

Ele demorou mais despistando os policiais em seu encalço, certo de que Eren daria o aviso. Sabia que o amigo tinha a melhor das intenções, mas não dispunha de tempo nem paciência para esperar reforços e montar uma campana do jeito certo: Ceylin estava machucada, sozinha com um louco e ele estava sofrendo com a preocupação e a incerteza. Metin faria algo contra ela?

"Asla. Asla!"

~*~

Quando enfim chegou ao galpão, anoitecia e a polícia corria como baratas tontas atrás deles, mas Metin parecia calmo perto de um fogareiro: aquecia as mãos e vigiava Ceylin, presa amordaçada aos seus pés. A imagem encheu Ilgaz de revolta. Como homem, como podia um tio e padrinho fazer aquilo com seu sangue? Como comissário de polícia, como o chefe podia ter decaído tanto?

– Não me olhe assim, como se fosse um santo e mártir da justiça. – o ex-chefe cuspiu no chão, com desprezo.

– Como devo olhar para o que você se tornou? Com a admiração e o respeito que lhe cabiam? Não existe mais tal coisa. Você é a escória do que devia combater. – Metin deu de ombros, como se não importasse, mas as palavras de Ilgaz doeram onde deviam.

– A vida nos dá escolhas que achamos que nunca vamos aceitar, até a necessidade nos obrigar, Ilgaz. Uma hora será a sua vez. – o comissário balançou a cabeça, negando.

Asla! Entre as escolhas da vida e o erro, há o caráter, a honra. Você se perdeu. O que queria comigo aqui? Por que está fazendo isso com a sua sobrinha? – Ceylin se debatia, furiosa de que não pudesse gritar com seu tio e com o comissário. Ainda havia mágoa nela pela confusão com Ilgaz, mas a revolta com o padrinho era maior. E, estranhamente, saber que o comissário estava ali levou embora seu medo e deixou apenas a luta no interior dela.

– O dinheiro e o carro. Essa imbecil foi só pra te fazer chegar até aqui. – Metin estendeu a mão, como se Ilgaz fosse entregar as chaves da viatura docilmente. O riso cínico do chefe foi o estopim da guerra.

– Só por cima do meu cadáver! – puxando as armas um para o outro, eles se mediram. Metin sem nada mais a perder, Ilgaz ainda com medo por Ceylin. – Não há saída para você, abaixe essa arma e se entregue...

– Garoto, não teste minha paciência... – dando um tiro descuidado aos pés de Ceylin, Metin mostrou que estava falando sério e Ilgaz perdeu o resto da paciência, atirando num ponto próximo dele também. Depois de muito se contorcer, Ceylin conseguiu se desfazer da mordaça e tentava soltar as mãos, com algum sucesso.

– Bırak! Yeterli! YETERLI! – a distração que seus gritos provocaram fez Ilgaz se atirar em cima de Metin e o embate acabou por lançar a arma do comissário longe. Na luta pela arma remanescente, Ceylin colocou o pé entre eles, que caíram rolando um por cima do outro, trocando insultos e grunhindo. Em desespero, ela engatinhou até a arma caída de Ilgaz, levantando-se com dificuldade, e encostou o cano na nuca do tio. – Acabou, amca.

– Você não tem essa coragem... – ela riu, quase histérica. Ele a havia sequestrado, amarrado, amordaçado e aterrorizado o dia inteiro, e ela não teria a coragem?

– Por que não? Deixei de ser seu sangue e ser útil aos seus olhos... – mas antes que o tio respondesse, a arma entre ele e Ilgaz disparou e ela gritou. Os olhos do comissário se arregalaram e ambos se deixaram cair, inertes, e sangue escorreu entre eles, como braços de rio encharcando o chão. 

Bir kadın/adam gelir PT BROnde histórias criam vida. Descubra agora