Me conte

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Tudo se passou em minutos, mas em câmera lenta na cabeça de Ceylin: o sangue se espalhando, Ilgaz caído ao lado do tio, que tinha um rombo do tiro na barriga, um celular tocando estridente e sirenes mais altas ao fundo. Eren os tinha achado e descia da viatura, nervoso, vendo a moça catatônica segurando a arma ainda e pensou o pior até perceber que era Metin que arfava, cuspindo sangue.

– O que você fez, Ceylin?! – o investigador perguntou, mas Ilgaz se levantava para socorrer o ex-chefe, chamando-o e ao outro policial com um gesto de mão.

– Hadi, gël.... Ela não fez nada, foi um disparo acidental. Entregue a arma para Eren, Ceylin, chame os paramédicos... não sabemos se o tiro atingiu algum órgão... – à voz de Ilgaz ela lentamente começou a agir, tremendo. Uma ambulância chegou, primeiros socorros foram prestados e Ilgaz foi o caminho todo abraçando a oficial, que estava anestesiada demais para notar ou dizer algo contra. Embalada no abraço dele, respondeu com monossílabos as perguntas de Eren, entendendo que seu depoimento estava sendo colhido sem pressão, mas ainda assim, desconfortável até chegar ao hospital.

Mas ela nem sabia que "desconfortável" era o primeiro nível do que viria pela frente em sua vida.

~*~

A gendarmerie colheu seu depoimento, assim como a promotoria turca e o novo chefe de polícia, promovido interinamente. Teve que se explicar a muitas pessoas, que a olhavam com pena, descrença e desconfiança, fazendo-a sentir-se um trapo sujo. Os dias eram um pesadelo de papéis e audiências e sua transferência de volta para a cidade de onde viera estava suspensa até todo o inquérito ser resolvido, o que significava ir trabalhar onde Metin havia arruinado sua reputação e ver Ilgaz todos os dias a fazia querer chorar e sentir o estômago embrulhado. Não era como se o comissário não a tivesse procurado intimamente, ele foi. E foi rechaçado todas as vezes, não havia clima para recomeçar uma relação que se desgastou entre desconfiança, um sequestro e o tio preso.

O caso de Metin havia dado à imprensa um prato cheio de fel e despejado em sua garganta dia após dia. 

Estava exausta.

– O julgamento vai ser rápido, querem encerrar o escândalo logo, você viu? – uma oficial dizia para outra, enquanto imprimiam algo. Nenhuma das duas havia visto Ceylin ali, com um dossiê nas mãos e a cabeça baixa, pura vergonha e raiva. – O comissário não quer que nenhuma informação seja dita à imprensa e Pars Savcı fez todo o possível para vazar as informações...

– Mas esses últimos dias ele tem feito silêncio, não acha? – "sim, porque a gendarmerie havia ameaçado a procuradoria a demiti-lo caso ele não calasse a boca", Ceylin pensou, amarga.

– Você não soube? Ilgaz Komiser pediu às instâncias superiores para abafar o caso porque a oficial Ceylin, sobrinha do chefe, estava mancomunada com ele, e como eles estão tendo um caso, quer que ela escape da prisão.

– Oha! Foi bem suspeito eles viverem brigando e de repente estarem dormindo juntos, como dois pervertidos. Talvez o motivo do chefe ter levado a oficial foi saber que ele pagaria sozinho pelos crimes e ela escaparia por abrir as pernas para o komiser Kaya... – a insinuação revoltou o estômago de Ceylin novamente e as duas fofoqueiras enfim a notaram, arregalando os olhos enquanto ela despejava todo o almoço no corredor.

~*~

– Me disseram que você passou mal hoje, como está agora? – Ilgaz a parou no fim do expediente e impediu que ela o afastasse, fechando a porta atrás de si.

– Não é da sua conta, komiser, por favor, não torne as coisas mais difíceis. – Ilgaz estava irritado. Já não era mais nenhum garoto para esperar passivamente por migalhas e já havia deixado claro o que queria com aquela mulher impossível. Seu orgulho estava aos pedaços por todas as vezes que a procurava e Ceylin fingia que nada havia acontecido entre eles.

– Mais difíceis do que você torna? Não existe tal coisa. Ceylin... por favor, olhe para mim. – ela virou, à contragosto. – Não posso mudar o que houve. Não posso fazer tudo ser mais fácil por enquanto. Só posso desejar que fique no passado e que Allah permita superarmos. Não afaste um coração sincero de você.

– Coração sincero? Ilgaz, olhe em volta, que futuro enxerga para nós depois que tudo aconteceu? Como pede para que eu seja fraca e ouça as línguas maldosas que nos cercam sem reagir? Eu não pertenço a este lugar, estou só e em desgraça, ficar ao seu lado só vai me afundar mais na lama que meu tio deixou!

– Não precisa ser assim... nós podemos enfrentar isso juntos. – ele tentou se aproximar, mas ela bateu a mão no tampo da mesa, as lágrimas por um fio.

– Não vou. Não insista!

– Ceylin... – em desespero, ela temeu que a represa não cessasse, suas emoções desgovernadas nas últimas semanas.

– Não vou! Não quero! Minha transferência foi liberada, Ilgaz. – ele estacou no lugar, congelado enquanto ela fazia suas últimas esperanças virarem pó. – Volto para Mardin na próxima semana. Terei minha vida novamente, ainda que manchada pelos homens que confiei, longe das pessoas que acreditam na minha culpa junto do chefe e em parte por sua causa, porque aparentemente estou sendo encoberta por dormir com você...

– Você não tinha me contado isso. – não podia culpá-la de estar tão arredia.

– Estou dizendo agora. Por favor, Ilgaz, não entre mais aqui enquanto eu estiver. Vamos manter nossos caminhos separados daqui por diante. – arrasado, Ilgaz saiu da sala e não viu mais Ceylin Erguvan.

~*~

~Nove anos depois~

– Achamos o rastro do comboio na fronteira perto de Mardin. Precisaremos de reforços da polícia local, senhor. – Ilgaz assentiu, a palavra Mardin trazendo lembranças de quando era apenas um comissário de polícia apaixonado pela primeira vez. Agora, enquanto chefe da gendarmerie turca, tendo sido promovido por Yekta há três anos, seus pensamentos não podiam vacilar ou se distrair: era o primeiro caso de grande porte que assumia, envolvendo a gendarmerie e a Interpol. A quadrilha de tráfico humano mantinha um grupo de mulheres cativas e a equipe de Ilgaz quase havia interceptado o comboio que as levavam na Capadócia, mas conseguiram fugir.

– Consiga o contato com o chefe de polícia de Mardin, por favor. Ponha urgência no pedido a ele, Eren Komiser.

– Já havia me antecipado a esse pedido, mas... não faremos contato com ele, senhor. O chefe é uma mulher.

– Que seja. só precisamos ser rápidos antes que os traficantes cruzem a fronteira com as mulheres. Espero que ela dê conta da operação. – Eren sorriu estranhamente, como se estivesse fazendo alguma travessura, mas Ilgaz estava distraído demais com alguns documentos para perceber.

– Olur, Sayın şefi. – fazendo uma mesura debochada o destino começou a agir.

Bir kadın/adam gelir PT BROnde histórias criam vida. Descubra agora