Uma melodia familiar soa em minha cabeça todas as noites

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~Três meses antes~

O acaso, propriamente dito, o colocou naquela missão.

Uma adolescente havia sido morta e seu corpo foi descartado em uma caçamba de lixo, um crime que chocou Istambul pela brutalidade e pela absoluta falta de suspeitos. A identidade da garota também era um mistério, suas digitais não sendo reconhecidas por nenhum banco de dados turco, colocando os policiais e a procuradoria em um beco sem saída, até a noite em que ele ficou a par de alguns detalhes, contados em meio a um flerte velado e taças de vinho.

– Ela simplesmente não existe na Turquia. Coletamos digitais, cabelos, unhas, arcada dentária, DNA, enviamos para todos os centros forenses e nenhuma resposta... – Neva gesticulava e falava em um tom pouco menos contido do que era seu costume, atraindo alguns olhares para a mesa deles, obviamente estranhando o teor da conversa. – Ninguém a conhece, ninguém a viu... nenhum reconhecimento da imagem dela nas redes sociais... É como lidar com um fantasma! – ele meio sorriu e ela derreteu, o coração teimoso insistindo em acelerar por aquele homem, tão frio e distante.

– Ou ela não era turca. – ele revirou o pão sírio na mesa, desviando o olhar dela. Não era ignorante sobre o que não era dito em palavras, mas escancarado no olhar. Para Ilgaz, Neva era uma boa amiga e uma excelente profissional, mas nada além disso. E como amigo a ouvia comentar os casos da promotoria, lembrando da época em que foi comissário da polícia de Istambul. Seus instintos ainda estavam todos ali, latentes, ainda que atualmente agisse apenas como um burocrata. E a ausência de registros daquela garota no país inteiro deveria ser a primeira indicação de que a moça morta era estrangeira, mas incomodava Ilgaz que algo tão óbvio para ele fosse um problema para os investigadores do caso.

Fazia com ele questionasse o amadorismo da polícia depois que ele saiu.

– Uma imigrante ilegal? – instantaneamente sóbria, Neva bateu a mão na mesa, mil pensamentos empurrando o vinho para escanteio e focando o caso. – Isso deveria ter sido considerado antes, claro! Mas ainda retornamos ao fato de que ninguém sabe dela nas redondezas de onde foi encontrada, nem foi vista antes em canto algum. Como procurar alguém que ninguém sabe a respeito?

– Está fazendo as perguntas erradas, Neva. A garota provavelmente não foi morta perto de onde foi descartada e ninguém daquela vizinhança respeitável daria informações sobre uma imigrante ilegal, nem se soubessem. A polícia não vai achar nada dela na superfície. – todos estavam ansiosos por fechar aquele tópico e enterrar a garota como indigente, só não o faziam porque Neva insistia em achar alguém que reivindicasse o corpo. Ela era sentimentos dentro de uma corporação que se blindava deles e por isso ele dava a sua opinião, mesmo sabendo que se Neva decidisse conduzir sua investigação por ali, encontraria pouco ou nenhum apoio dentro da polícia.

– E o que sugere, Şeficım? – ela tocou a mão dele por cima da mesa e ele enrijeceu o maxilar, retesando-se todo. Delicadamente, Ilgaz segurou a mão que o tocava entre as suas e apertou de leve, recuando logo em seguida. A nova rejeição sutil tingiu de tristeza os olhos castanhos de Neva e ela deixou os ombros caírem, com um suspiro.

– Procure-a na parte podre da cidade, onde imigrantes ilegais costumam ficar. Prostíbulos disfarçados de boates, casas de jogos ilegais, cortiços nos arredores de Istambul, sites de acompanhantes pagas ou de lives sensuais... – ela assentiu, envergonhada pela súbita coragem e sorriu, mecanicamente.

– Vou... vou dar uma olhada na sua dica. – ela pegou a bolsa, dando a noite por encerrada e Ilgaz estalou a língua, impedindo-a de procurar a carteira para pagar a parte dela.

– Não me constranja, sou um cavalheiro. – a dubiedade daquele aviso fez Neva se levantar e se despedir na velocidade da luz, antes que as lágrimas desabassem na frente dele.

Bir kadın/adam gelir PT BROnde histórias criam vida. Descubra agora