Five

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EDA
No passado

— Não se trata de nenhuma doença — a médica diz calmamente — Você está grávida, querida. O único problema é que você também está com um nível alto de desnutrição e vai precisar ficar um tempo no hospital.

Minha cabeça dá voltas, nada do que a médica fala parece fazer sentido pra mim.

— Você está passando mal de novo? — ela começa a me examinar.

— Isso não faz sentido — eu finalmente digo — Eu não posso estar grávida.

— Você está — ela afirma mais uma vez — precisamos fazer mais exames, mas eu chutaria que você está entre dois ou três meses de gestação

— Mas minha menstruação veio... — penso sobre isso, mas percebo que foram leves sangramentos. Todo o enjôo que eu estava sentindo e pensei ser pela minha má alimentação por estar muito preocupada com a universidade... era um bebê? — Desculpa, acabo de me dar conta que foram fluxos pequenos, quase inexistentes.

— Você não tem se alimentado bem, é por algo que você gostaria de dividir conosco?

— Não, não... eu só... não sei... estava estudando e trabalhando, não tinha tempo pra comer. Eu... não sei... — tento explicar.

— Você quer que eu ligue para o pai da criança? — a enfermeira pergunta.

Pai da criança?

— Uh... eu... não sei... — estou tão confusa que não sei o que dizer ou pensar.

— Está tudo bem, querida. Apenas descanse agora, depois quando você acordar nós conversamos melhor sobre isso.

~~•~~

No presente

— Kiraz é minha filha? — Serkan nem pisca um único segundo ao fazer essa pergunta.

Mas eu demoro alguns segundos para poder respondê-lo, porque eu gostaria que ela fosse, principalmente depois de ver como ele trata seu filho.

— Ela não é — eu explico e seus ombros caem.

— Como assim não é? Alp disse que ela falou que tem seis anos... e... e...  — ele parece querer encontrar motivos para que ela seja sua filha.

— Ela não é, Serkan — mas eu gostaria que fosse — Kiraz ainda não lida muito bem com números, ela provavelmente se confundiu, ela ainda vai fazer seis anos.

Observo sua reação e percebo que ele parecia já ter aceitado Kiraz como sua, mesmo que sua única fonte seja uma criança que sequer sabe falar sobre si mesma.

— Ah... ok... entendo — ele coloca a mão nos bolsos, gesto que sempre faz quando fica nervoso.

— Era só isso? — tento ser dura, mas estamos tão próximos que eu posso sentir o seu cheiro, o mesmo perfume de sempre, e eu malditamente senti falta dele.

— O pai dela — ele diz simplesmente.

— O que tem o pai dela? — pergunto, quero saber até onde ele vai chegar.

— Ele vai vir ficar aqui com vocês? — Serkan me olha nos olhos e eu sinto minhas pernas falharem.

— Ele não vem — sua expressão cai, mas eu não quero ser cruel de fazê-lo imaginar que o pai dela é alguém presente. Eu não sou como ele. — Kiraz não tem um pai.

— O que aconteceu? — ele não desiste de saber mais

E eu não consigo parar de respondê-lo.

— Eu nunca... soube... quem era — ainda é difícil falar sobre isso e ter os olhos das pessoas me julgando — Quando fui embora, eu... uh... estava com raiva e triste, houve festas por toda a universidade e em uma noite de descuido eu acabei engravidando.

Tento entender a expressão de Serkan, mas não sinto o sentimento de julgamento no seu olhar, apenas tristeza?

— Parece que você finalmente teve a sua fase rebelde — é o seu comentário.

Exatamente o comentário que eu imaginava que o meu Serkan falaria para mim.

— Antes tarde do que nunca — eu sorrio — E então Kiraz veio. Eu até tentei encontrá-lo, mas eu sequer sabia o seu nome, então apenas assumi tudo sozinha.

— Uau, isso é... — ele tenta encontrar as palavras — Estranho... eu acho.

— Eu ser mãe?

— Não — ele nega, me olhando nos olhos — É estranho eu não ter feito parte disso... de não ter estado com você nesse momento... eu...

Então penso sobre como não há um único momento da minha vida que ele não tenha vivido comigo. Estar contando sobre Kiraz só agora, cinco anos depois de seu nascimento, é estranho porque antes eu sempre tive a certeza de que ele estaria comigo. Eu entendo o que ele está querendo dizer, mas se estamos assim não é por culpa minha.

— Acho que é hora de você ir embora — respiro fundo, sentindo a ferida ser exposta de novo — Você já disse o que tinha de dizer.

Ele parece um pouco confuso pela minha mudança brusca na conversa, mas assente e tenta voltar para a janela.

— Pela porta da frente, Serkan — até pronunciar o nome dele dói — Nós não somos mais duas crianças.

— Certo — é a única palavra que ele diz, mas eu o conheço, eu sei que ele quer falar muito mais.

São seis anos longe, afinal, não sabemos nada da vida do outro, é normal querer fazer perguntas, mas eu não quero me abrir pra ele... não de novo.

Serkan faz o caminho até a porta, ele sabe por onde ir tão bem quanto eu. Ele passa por ela e apenas acena com a cabeça, descendo o primeiro degrau da escada, mas quando estou quase fechando a porta ele para e volta a atenção pra mim.

— Eda, se não for pedir muito — ele diz calmamente — Eu gostaria que você permitisse que Alp brincasse com Kiraz. — é o seu pedido — Meu filho não tem culpa dos meus erros... e... e... eu sei que você disse que não pretende ficar muito tempo, mas eu gostaria que meu filho tivesse boas lembranças da pessoa que um dia já foi minha... meu... meu tudo. Você pode me odiar, mas não ele, por favor.

Eu fecho a porta.
Completamente esgotada.
Eu odeio ainda te amar, Serkan Bolat

ALL IN MY HEADOnde histórias criam vida. Descubra agora