Cap IV - Intervalo

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POV: Harper Condor

(...)

Levantei da cama me arrastando. O sono parecia me consumir nas horas mais inapropriadas. Sério, eu demorava uma eternidade para entrar no mundo paralelo dos sonhos, mas quando finalmente conseguia dormir, o meu celular me acordava para me lembrar que era hora de ir para a escola. Ir para a Shell era uma tortura. As pessoas não pareciam se importar comigo, apenas com o meu irmão, o garoto prodígio da cidade.

Explicando rapidamente a minha história: fui adotada pelos Condors porque eles queriam muito ter um filho e não conseguiam engravidar. Porém, alguns anos depois, acabou que o milagre aconteceu e Theo Condor veio ao mundo. Na minha visão, ele recebeu toda a atenção por ser o filho biológico enquanto eu, a adotada, tive que aprender a lidar com a situação. Assim, não que Megan e Derek deixaram faltar alguma coisa para mim, mas eu sentia que eles me amavam de um jeito diferente, não como era com o meu irmão. Pensando nisso, eu tinha todos os motivos para odiar o Theo, mas ele sempre foi um fofo comigo, mesmo quando eu não conseguia retribuir todo o carinho dele por mim. Assim, acabei me rendendo e o meu irmãozinho era a única razão pela qual eu ainda voltava para casa. Não queria deixar aquele garotinho triste.

Enfim, fui até a escola de bicicleta, como ia todas as manhãs. Durante o caminho, cumprimentei o carteiro e alguns vizinhos. Também passei por alguns colegas de escola que iam a pé, de carro ou também de bicicleta. Eu sempre tentei ser o mais sociável possível, principalmente quando eu estava com Elliot, o meu melhor amigo. Porém, eu não queria me envolver emocionalmente com ninguém ao ponto de achar que aquilo pudesse virar uma amizade. Eu já tinha uma lista bem triste de abandonos e já tinha aceitado o meu destino de passar o ensino médio sozinha.

Quando cheguei na Shell, guardei a minha bicicleta e percebi que a nova garota estava olhando para mim. Eu não sabia o que ela queria comigo, mas esperava que ela ficasse longe. Algo dentro de mim ficava totalmente desequilibrado quando olhava para ela e comecei a ter medo daquele sentimento. Eu nunca ficava nervosa para falar com pessoas, mas Mackenzie Dallas conseguiu essa proeza. Tentei ignorar o que estava sentindo e fui para a sala.

Porém, não consegui escapar dela por muito tempo. Na hora do intervalo, que eu sempre passava sozinha por opção, ela veio até mim e se sentou na cadeira à minha frente. Eu apenas arqueei uma sobrancelha e continuei comendo o meu sanduíche.

— Vou tentar fazer isso bem rápido — ela começou. — Você falou aquele negócio sobre montar um time de dança e fiquei pensativa. Ainda não falei com as meninas, mas... queria saber se você pode me ajudar com isso. O grupo de dança, no caso.

Quase engasguei com o lanche, que desceu rasgando a minha garganta. De todas as pessoas daquela escola, por que ela me escolheria?

— Por que eu? — Acabei não resistindo à curiosidade.

— Porque você é popular de um jeito bom. — Mack deu de ombros. — Todos que te conhecem dizem que você é super amigável e tem um carisma natural. É disso que eu preciso.

Dei uma leve risada. “Será que ela sabe que eu sou conhecida como a irmã do Theo?”, pensei.

— Tem certeza que tá falando de mim? — brinquei.

— Bom, foi o que eu ouvi por aí. — Ela sorriu e mostrou as suas covinhas. Eu precisava me afastar daquela menina.

— Então é importante que saiba de uma outra coisa: eu gosto de ficar sozinha no intervalo e não gosto que esse momento seja interrompido.

Mack começou a brincar com os dedos, mas não parecia intimidada ou coisa do tipo.

— Desculpa — ela disse. — Mas posso contar com a sua ajuda?

— O que exatamente você quer que eu faça?

— Eu sou a nova garota. — Ela deu de ombros. — Preciso de alguém que convença as pessoas a participarem. Pode me ajudar com a dança também.

Acabei rindo e falei:

— Eu não levo o menor jeito pra isso. Não tenho essa habilidade.

— Então me fala quais são os seus talentos e veremos no que você pode me ajudar.

— Não tenho talentos.

— Como assim? — Ela pareceu surpresa. — Todo mundo tem algum talento.

— Eu não.

— Não é possível. Tem que ter alguma coisa. — Mack semicerrou os olhos. — Sabe desenhar?

— Não.

— Pintar?

— Também não.

— É boa em esportes?

— Quem me dera. — Eu ri.

— Toca algum instrumento?

— Não.

Ela respirou fundo e eu só ri da situação.

— Cozinha bem? — Mack insistiu.

— Consigo sobreviver, mas nada de surpreendente.

— Escreve?

— Histórias? — Ela assentiu. — Não.

— Meu Deus, tem que ter alguma coisa. — Ela riu, mais de desespero do que qualquer outra coisa. — Você se comunica bem com as pessoas?

— E isso lá é um talento?

— Isso pode te trazer bons contatos. — Ela piscou e demos risada.

— Mas não é algo tão uau quanto os que você citou antes. Não tenho talentos. Aceite.

Ela soltou um suspiro pesado, como se estivesse aceitando a derrota.

— Ok, Harper. Mas não pense que vou desistir de você. Posso te ensinar alguns passos se quiser.

Lembra que eu disse que Mack me deixava nervosa? Então, eu realmente queria fugir de toda aquela boa vontade dela. Vai que eu gostava e quebrava a cara mais uma vez na vida.

— Olha, eu não tô interessada — falei da forma mais fria que consegui. — Chame April e sua turma. Elas com certeza vão te ajudar.

— Mas...

— É sério. Agora saia da minha mesa.

Pensei que ela fosse ficar brava, triste ou coisa do tipo, mas ela só deu risada e levantou como se a nossa conversa tivesse acabado da melhor forma possível. “O que essa garota tem?”, pensei. Na verdade, eu até tinha um talento, mas eu pensava que não era tão legal como os talentos que outras pessoas tinham. Então, eu preferi não revelar.

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