Cap VII - Brotinho

43 0 0
                                    

Fiquei na casa dos meus pais por toda a tarde. Se não fosse por toda a confusão, eles iriam até a minha casa para a ceia, mas eu realmente não sabia se teria clima para isso. Sendo assim, o meu pai resolveu ir ao mercado e comprou o maior frango que conseguiu achar.

— Pelo menos a imitação do peru nós vamos ter — ele disse e demos risada.

— O que importa é estarmos com pessoas que amamos — minha mãe disse e olhou diretamente para mim. — Conversou com a Cecília? — Neguei com a cabeça. — Por quê?

— Não quero correr o risco de brigar com ela de novo.

— E vão ficar sem se falar na véspera de Natal? — Sheila ergueu uma sobrancelha.

— Eu tenho certeza de que ela vai tentar me convencer a voltar pra casa e eu não quero encontrar os Campanas.

— Por que não chama ela pra vir pra cá?

— Cecília não vai deixar os pais dela pra vir passar o Natal aqui comigo.

— Você nem tenta, filha.

— Não vale o esforço. — Dei de ombros.

— Você não tá com raiva dela, né?

— Não. — Balancei a cabeça para os lados. — Tudo o que eu queria era ficar com ela hoje, mas é impossível com a família dela lá.

Minha mãe se aproximou de mim e tocou no meu ombro. Em seguida, ela disse:

— Cecília é a única que presta daquela família. Os pais dela são terríveis. Nem eu quero me misturar com aqueles dois.

— Pois então. Só queria que todo mundo se entendesse.

— Talvez um filho resolva — meu pai disse e eu soltei uma risada nasal.

— Quer resolver igual nos tempos medievais? — brinquei e nós três rimos.

— Bom, eu concordo com a sua mãe. Eu não gosto deles e eles não parecem gostar da gente. Ainda bem que Cecília é diferente.

— É — falei e suspirei.

Nossas famílias tinham um certo desentendimento e eu odiava aquilo. Pensei no meu filho e em como ele ficaria no meio daquilo. Eu esperava que a chegada dele amenizasse a situação entre Campanas e Viteris.

Ajudei os meus pais e preparamos algo para comer na ceia improvisada. Fizemos arroz, salada com várias folhas e tomate, farofa temperada e o frango que representaria a ave de Natal. Ficou tudo bem simples, mas foi feito com todo o amor que reinava naquela casa.

À noite, estávamos sentados no sofá assistindo a filmes de Natal quando ouvimos a campainha tocar.

— Filha, vê quem é — meu pai pediu. — Por favor.

Eu me levantei e fui até a porta. Quando eu abri e vi quem era, logo desviei o olhar para o chão.

— Oi, Mari — Cecília disse. Ela trazia uma mochila consigo.

— Oi. — Abracei o meu próprio corpo. — O que tá fazendo aqui? Não deveria estar lá em casa com a sua família?

— Talvez, mas eu precisava te ver.

— Pra quê? Acho que já escolhemos os nossos lados essa noite.

Ela balançou a cabeça para os lados e encarou o chão.

— Mari, só me escuta — Cecília disse com toda a calma que sempre teve. — Eu fiz a ceia sozinha e pensei que eu não ficaria mal com uma coisa tão boba assim, principalmente considerando que eu adoro cozinhar, mas foi triste fazer tudo sem ajuda. — Ela deu de ombros e vi os seus olhos brilhando. — Pensei que faria com você ao som de uma playlist montada por nós, tendo a sua ajuda e opinião nos temperos, na decoração. Seria como criar uma tradição só nossa. — Minha mulher respirou fundo e colocou as mãos no bolso da calça. — Enfim, eu só queria dizer que você tem razão. Nós duas amamos o Natal e eu sei o quanto você estava animada e esperando essa data pra passar na nossa nova casa. Agora temos mais espaço pra fazer festas, decorar do jeito que quisermos, criar as nossas próprias tradições. — Ela sorriu levemente, mas logo voltou a seriedade do começo. — Mas eu sei que os meus pais fizeram tudo ficar mais complicado e olha como estamos em plena véspera de uma das datas mais legais que existem.

— Não é culpa sua. — Tentei tirar aquele peso dela.

— Eu sei, mas me sinto responsável por toda a situação. — Ela deu de ombros. — Mas eu conversei com eles e dessa vez foi pra valer. Falei coisas que eu nunca pensei que teria coragem, mas foi ótimo dizer como eu realmente me sinto.

— E eles?

— Agiram do jeito mais Campana de ser. Apenas saíram da sala e não disseram muitas coisas. — Ela suspirou. — Mas agora eles sabem o porquê do meu amor por você, se é que pude colocar em palavras. Só fiz questão de contar alguns dos motivos que me fazem ser apaixonada por você, além de explicar o porquê de ter vindo morar nessa cidade.

— E eles acreditaram?

— Não sei e, sinceramente? Não ligo. Cansei de dar satisfações da minha vida pra eles. Não sou mais uma criancinha e não preciso ter a minha vida controlada por opiniões dos dois.

— Cecília Campana finalmente cresceu — brinquei e ela soltou uma risada nasal.

— Enfim, amor. — Ela respirou fundo e voltou ao foco da questão. — Eu tô aqui porque eu quero passar o Natal com você. Não importa se seja só eu e você em cima de um telhado olhando as estrelas, deitadas na nossa cama no nosso abraço gostoso, em uma balada onde com certeza eu vou ter que cuidar de você. — Nós demos uma leve risada e eu troquei o peso de uma perna para a outra. — Também pode ser em um parque admirando as luzes de natal, no meio da minha família difícil de lidar ou da sua que é uma calmaria. Eu só sei que, quando der meia noite, eu quero estar do seu lado porque você é o meu presente de todos os Natais. O que importa é eu, você e o nosso brotinho. — Ela colocou a mão na barriga e eu ri fraco.

— Brotinho? Colocou um apelido no nosso bebê?

— É muito ruim?

— Não, eu adorei.

Ela sorriu e tirou a mochila das costas. Em seguida, Cecília explicou:

— Bom, eu trouxe a roupa que você queria usar na ceia. — Ela me entregou. — E não sei se você me quer por perto hoje, mas, como eu já disse, precisava te ver.

A preocupação dela comigo era uma das coisas que eu mais achava fofa. Sério, acho que nem os meus pais eram tão atenciosos comigo como a minha esposa era.

— Obrigada — falei e estendi a minha mão. — E vem cá.

Ela segurou e eu a puxei para mais perto de mim. Nós nos beijamos rapidamente e nos abraçamos. Era tudo o que eu queria. Ouvir aquelas palavras foi tão reconfortante.

— Eu quero passar o Natal com você — falei. — Vamos pra casa.

— Sério mesmo? — Ela parecia desacreditada.

— Sim. É a nossa casa. Precisamos mostrar que é o nosso território — brinquei e ela riu.

— Então vamos.

Trocamos mais alguns beijinhos e entramos em casa. Meus pais cumprimentaram a Cecília e eu fui trocar de roupa. Depois, ajeitamos as comidas e, em pouco tempo, todos nós estávamos a caminho da minha casa. Confesso que a minha ansiedade estava em um nível bem alto, mas, pela mãe do meu filho, eu faria qualquer coisa. Como ela havia dito, o que importava era nós duas e o nosso brotinho. Sendo assim, eu tentaria dar mais uma chance aos Campanas.

Chegamos em casa e Ceci abriu a porta. Os meus sogros e o meu cunhado estavam no sofá e pareceram surpresos ao me ver entrar.

— Mãe, pai e Benito — Cecília começou. — Espero que tenham entendido o recado e, por favor, sejam uma família civilizada.

— Sempre somos — Madalena disse.

— Enfim. — Minha mulher respirou fundo. — Vou colocar uma música e podemos dar início à nossa festinha.

Enquanto Cecília arrumava tudo, fiquei conversando com os meus pais. Os Campanas ficaram no mundinho deles, mas a minha esposa tentava fazer todo mundo interagir. Eu não estava muito a fim, mas tentei. Não posso dizer que deu certo, mas pelo menos não houve provocações de nenhuma parte.

(...)

— Ufa, pensei que teria outra briga  — Nico disse. Eu e Cecília rimos.

— Bom, ficou um clima estranho — minha esposa respondeu. — Mas pelo menos todo mundo comeu a ceia em paz.

— E a reviravolta veio na manhã de Natal — falei.

Projeto ClichêsOnde histórias criam vida. Descubra agora