Cap V - Por que o universo me odeia?

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Já naquele fim de semana, Tali e Charlie saíram em um encontro oficial pela primeira vez. Para não ficar pensando no que elas provavelmente estariam fazendo, enchi o meu dia com tarefas. Limpei a minha casa inteira, tentei adiantar os últimos trabalhos da escola, ajudei os meus pais, ouvi muita música, toquei violão e assisti a séries. 

Mesmo tentando me distrair, a minha mente sempre fazia a seguinte pergunta: o que será que elas estão fazendo? Eu queria saber cada detalhe, mas também não queria. Saber que a minha menina estava nos braços de outra já era castigo suficiente. Eu não precisava me machucar ainda mais ouvindo Tali falar sobre Charlie, mesmo sabendo que ela viria correndo contar para mim na primeira oportunidade.

No dia seguinte, dito e feito. A minha melhor amiga foi até a minha casa e o seu sorriso bobo já entregou que o dia anterior tinha sido incrível.

— Deu tudo certo, Anna — ela disse, com aquele brilho nos olhos que eu tanto desejava que fosse para mim. — Ela é incrível.

— Quer me contar como foi o dia?

Ela assentiu e já foi entrando na minha casa. Fomos para o quintal e nos sentamos nas cadeiras que tinham por lá. Tali começou a contar:

— Charlie passou na minha casa e primeiro fomos no parque porque ela queria me mostrar algumas flores de um projeto que ela tá participando. — Mais um ponto para a capitã, menos dez para mim. — Depois, fomos ao cinema e assistimos uma comédia romântica. Ficamos de mãos dadas quase o tempo inteiro. — O sorriso dela não me deixava dúvidas. — Aí comemos e fomos para a minha casa. Ela é super fofa, carinhosa, não parava de me elogiar. — Tali não parava de sorrir. — Quando chegamos em casa, fiz aquela brincadeira com os batons e deu super certo. Nós nos beijamos e foi tão bom. Quero encontrar ela assim mais vezes.

Apesar do meu coração partido, pelo menos a minha amiga estava feliz e eu deveria apoiá-la. Tali não parecia tão radiante há anos, então era injusto que eu demonstrasse que não estava contente. Por isso, respirei fundo, coloquei um sorriso no rosto e tentei me convencer de que estar com a Charlie era o melhor para Tali.

— Vocês combinam — falei e a minha amiga sorriu. — Se o primeiro encontro foi tão bom, já é um grande passo.

— Sim, é nisso que eu tô apostando. — Ela riu fraco. — Mas e você? Não tem nenhuma pessoa que você goste?

— Não — menti e tentei não dar explicações porque não queria continuar mentindo.

— Como você passou imune pelas paixonites da escola? — Tali brincou. — Sério, não tem uma pessoa que você ache mais bonita, atraente?

“Você”, pensei, mas respondi:

— Achar alguém bonito é uma coisa. Sentir atração é outra. Tem várias pessoas que eu acho bonitas, mas isso não quer dizer que eu quero ficar com elas.

— Eu sei, mas duvido que não tenha ninguém. — Ela semicerrou os olhos e eu ri de nervoso. — Sério, Anna. Quero que você sinta a sensação incrível que é gostar de alguém.

Eu ri outra vez. Se ela soubesse...

— Você quer, mas não é assim que funciona — falei e dei de ombros. — E tô bem assim.

— Justo, mas você me contaria se tivesse alguém, né?

Soltei uma risada nasal e comecei a brincar com os meus dedos para não encará-la. Sim, eu queria contar e contaria se pudesse, mas era impossível no momento.

— Sim — menti.

— Ok. Estarei esperando esse momento ansiosamente. — Nós rimos. — E com certeza você vai ter várias pessoas na faculdade, fica vendo. Linda do jeito que é, vai chegar lá arrasando corações.

— Vamos ver. — Não aguentei e ri outra vez.

Depois, Tali continuou falando sobre como o encontro dela foi incrível e que queria sair mais vezes com a Charlie. Teve um momento que eu não suportei mais e precisei ir até o banheiro respirar um pouco. Passei a mão no cabelo e me olhei no espelho.

— Por que o universo me odeia? — eu me perguntei. — Eu só queria que ela gostasse de mim também. — Respirei fundo tentando desfazer o nó na garganta. — Na real, eu não queria gostar dela assim. Agora eu fico nesse dilema porque o meu coração é bobo.

Suspirei e joguei água no rosto. Depois disso, voltei ao encontro da minha amiga e ela me abraçou apertado. Eu esperava que ela não sentisse o meu coração acelerado.

— Obrigada por estar aqui — ela disse. — Você é a melhor amiga do mundo.

— Não acho que eu sou.

— Por quê?

“Porque eu não tô te apoiando com sinceridade”, pensei.

— Porque você é a melhor — respondi e ela sorriu.

— Eu te amo, sabia? — Ela olhou nos meus olhos. Eu queria tanto que aquele amor fosse de outro jeito.

— Sabia sim. — Sorri levemente. — Também te amo, Bellucci.

Tali sorriu mais uma vez e me abraçou de novo, colocando o seu rosto sobre o meu peito. Eu amava o sobrenome dela e a chamava daquele jeito na maioria das vezes. Aquele abraço estava tão gostoso e eu queria tanto que ela se sentisse da mesma forma que eu. Porém, a cada dia que passava, eu via que era melhor guardar tudo aquilo para mim e continuar com aqueles poucos momentos de carinho com a Tali do que arriscar perder tudo. Era melhor viver sofrendo sem tê-la para mim do jeito que eu desejava do que perdê-la para aquela paixão que eu sentia. Ela era a minha melhor amiga e podia estar apenas confundindo as coisas. Eu precisava aceitar que era só amizade.

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