Cap II - Eu tô apaixonada...

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Faltando apenas um mês para acabar o ensino médio, concluí que não podia mais guardar aquilo dentro de mim. Eu poderia viver aquele mês sendo muito feliz ou muito triste, mas eu precisava revelar para Tali os meus reais sentimentos e perguntar se ela queria ir ao baile comigo, que na verdade era uma promessa que tínhamos feito há muito tempo. Foram anos vivendo com aquela quedinha enorme por ela e decidi que precisava me arriscar. Se tudo desse errado, pelo menos eu estava perto de ir para a faculdade e seria uma desculpa para ficar longe dela.

Então, em um dia que tinha tudo para ser comum, mas que mudou os rumos da minha vida, fui para a escola com uma ansiedade fora do normal. Tali já me esperava no meu armário, como todos os dias, e me cumprimentou com o seu sorriso maravilhoso.

— Anna, que bom te ver — ela disse.

— Até parece que não me vê todos os dias.

— Mas é sempre ótimo ter o prazer e o privilégio da sua companhia.

“Isso, Tali. Me ilude mais um pouco”, pensei.

— Acho que você quer alguma coisa de mim — falei e ela arqueou uma sobrancelha.

— Olha as coisas que você pensa de mim. — Ela se fez de ofendida, mas eu sabia que ela estava apenas brincando. — Eu só preciso conversar com você mais tarde.

— Aconteceu alguma coisa? — Fiquei preocupada e fechei o armário.

— Sim, mas não é algo ruim. Relaxa. — O sinal tocou. — Vou ter treino no intervalo, mas podemos nos ver depois da aula?

— Sim.

— Vou te esperar lá fora, ok?

Assenti e Tali foi para a sua sala. Antes de seguir o meu caminho, fiquei observando a minha musa desfilar pelos corredores da escola. Soltei um suspiro apaixonado. Tali era tão maravilhosa e eu precisava dizer como eu me sentia.

As aulas passaram lentamente, o que é uma coisa que acontece quando estamos ansiosos. No intervalo, fiquei com o time de vôlei e foi bem legal. Nós tínhamos acabado de ganhar o título que fechou a nossa última temporada escolar com chave de ouro. Foi ótimo passar aquele tempo com elas, mas o clima de despedida me deixou um pouco triste. Não vou dizer que a escola foi mil maravilhas, mas eu sentiria falta de algumas pessoas e principalmente de ser a líbero daquele time que eu amava tanto.

Quando todas as atividades da escola acabaram, fui encontrar a Tali e sentamos em uma mesa. Ela parecia animada e ansiosa, pois não parava de balançar as pernas.

— Tenho uma coisa pra te contar — ela disse e confesso que o meu coração se encheu de esperança.

— Também tenho. — Respirei fundo, tentando controlar as batidas aceleradas do meu coração.

— Posso contar primeiro? Eu sinto que vou explodir agora se continuar guardando isso dentro de mim.

— Claro, Tali. — Como eu estava super tensa, resolvi deixar.

Minha amiga sorriu e apertou os seus lábios. Fiquei admirando o seu furinho no queixo. Enfim, ela disse:

— Já faz um tempo que eu tô sentindo isso, mas não sabia direito o que era e por isso resolvi esconder de todo mundo, até de você que é a pessoa que eu sempre corro pra contar tudo. — E foi aqui que eu me iludi mais ainda, já que era mais ou menos a mesma coisa que eu passava. — Mas não posso mais negar o que eu sinto, preciso falar. — Ela segurou as minhas mãos e eu quase parei de respirar ali mesmo. — Eu tô apaixonada.

— Por quem? — consegui me forçar a perguntar, mesmo com a minha garganta extremamente seca de nervosismo e ansiedade para saber aquele nome. Eu torcia para que fosse o meu.

Para piorar ainda mais aquela sessão de ilusão e expectativas altamente elevadas da minha parte, Tali fez um leve carinho na minha mão e, para a minha queda, revelou:

— Eu tô apaixonada pela Charlie.

Tive que me esforçar muito para não demonstrar a minha decepção e tristeza. Não era culpa da Tali. Para ela, os meus sentimentos eram apenas de amizade. Eu criei expectativas sozinha e todas foram quebradas com sucesso. Então, forcei um sorriso e apertei as suas mãos para tentar retribuir o carinho.

— Isso é... ótimo — falei com uma falsa empolgação e torcendo para que Tali não notasse.

— Pode ser ótimo, mas não sei como atrair a atenção dela. Tô perdida, sem saber o que fazer. — Ela suspirou. — Mas enfim, o que tem pra me contar?

Engoli em seco. Eu nem tinha forças para contar a verdade. Com certeza eu ia levar um belo fora e aquilo abalaria a nossa amizade. Então, precisei pensar rápido e inventar alguma coisa.

— Eu... passei em matemática — falei e logo depois pensei “é sério isso, Anna? Não tinha uma desculpa menos esfarrapada não?”.

— Que surpreendente, né? — ela ironizou, mas claramente brincando. — Amiga, você é super inteligente. Claro que ia passar.

— Ah, mas não pensei que seria fácil. — Dei de ombros.

— Você precisa acreditar mais em você, meu amor.

Ouvir aquele apelido me deixou totalmente destruída por dentro, pois eu sabia que nunca seria o amor literal dela. O meu peito parecia querer explodir e eu não conseguia decifrar se era por raiva, decepção ou tristeza. Saber que a pessoa que eu gostava era apaixonada por outra acabou comigo. Pior foi ouvir ela falando sobre aquela menina. Charlie era a capitã do time de futebol, super popular, carismática e gente boa. Como eu poderia competir contra ela? Eu tive que fingir que estava bem e feliz com aquilo, mas por dentro eu estava muito triste.

— A Charlie é tão linda — Tali começou. — Ela sempre faz tudo com perfeição. Sabe comandar o time como ninguém, é super atenciosa, tem o sorriso mais lindo do mundo, fica incrível com o uniforme. — Ela suspirou apaixonadamente. — Eu tô completamente perdida de paixão por ela.

— Deve ser uma ótima sensação. — Eu nem conseguia olhar para a minha amiga.

— Mas não sei o que fazer — Tali continuou como se nem tivesse me escutado.

— Você gosta dela. Então, fala pra ela. — O meu conselho hipócrita, não é mesmo?

— Mas como? Nem sei se ela sente o mesmo.

— Você não vai saber se não tentar. É a lógica das coisas. Alguém precisa se arriscar.

Eu deveria ter seguido as minhas próprias falas. Se eu tivesse admitido naquele momento a minha paixão pela Tali, talvez tudo pudesse ter sido diferente. Porém, como eu poderia acabar com toda aquela empolgação dela? Pior, eu ainda corria o risco de acabar com a nossa amizade de anos. Não era o melhor momento.

— Não é tão fácil como parece — ela disse e eu só pensei “é, eu sei”. — Charlie sempre me trata super bem, mas ela pode estar sendo apenas ela, sabe? — Assenti.

— Você... sente que é diferente com você?

Tali assentiu e soltou um sorriso bobo. Era tudo o que eu queria para mim: que ela se sentisse daquele jeito comigo.

— Bom, o meu conselho é que você fale com ela — falei. — Você pode convidar ela pra sair, treinar juntas depois dos treinos oficiais, sei lá. Arrume um contexto pra conversar com ela e deixe fluir naturalmente.

— É uma boa ideia. — Tali sorriu. — Anna, você é a melhor amiga do mundo.

Eu ri fraco, mais da minha própria desgraça do que qualquer outra coisa. É, eu era uma ótima amiga. Pena que era só isso.

Depois, fomos para casa e ela se despediu de mim com um beijinho na bochecha, como sempre. Porém, naquele dia, eu senti que nada mais seria como antes. Quando cheguei no meu quarto, sentei na cama e respirei fundo. Parecia que alguma coisa dentro de mim estava fora do lugar. O pior é que eu não tinha ninguém para conversar sobre aquilo. Eu precisava arrumar um jeito de entender tudo sozinha e me convencer de que Tali e eu nunca seríamos mais que amigas. Eu precisava matar aquele amor dentro de mim.

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