Capítulo 11

633 82 3
                                    

Depois do susto e toda a confusão do alarme, nós passamos uma manhã silenciosa. Maraisa não dá as caras na minha sala, contudo estou bastante atarefada, não tenho tempo nem para ver os e-mails.

Estar com a cabeça cheia nesse momento me ajuda pois em cada espaço vazio meus pensamentos fervilham entre o que é certo e errado.

Não é como eu não saber o que estou fazendo, tenho ciência. Á minha frente está a dimensão dos meus atos, de um lado: Murilo, um casamento firme de anos.

E do outro: Maraisa, o encanto, o surpreendente e lindo.

Seria cinismo dizer que os sentimentos por Murilo simplesmente desapareceram, não é isso. Estão aqui dentro de mim como sempre estiveram, o que aconteceu foi que Maraisa despertou algo maior, algo novo.

As sensações que me embalam ao vê-la ou estar com ela são singelas e imensas, como pode isso? Acho que nunca vou saber.

A questão é que eu estou ciente de tudo e por isso está sendo tão difícil separar as coisas, como sempre fui acostumada a fazer e encontrar uma direção certa e coerente.

Por um tempo sozinha em minha sala, cogito em falar com Murilo, não como mulher, mas como paciente, despejar sobre ele minhas inúmeras aflições e medo do desconhecido...mas não é justo, né?

— Você não vai comer? — A voz quase inaudível corta a sala, me fazendo sorrir.

— Estou sem fome. — Respondo suspirando.

— Eu já comi, queria descer...está calor aqui. — Suas mãos estão juntas, mexendo uma na outra.

—  Quer ir caminhar no calçadão? —  Levanto-me desligando a tela do computador.

—  Seria ótimo! Será que o sorveteiro está lá? Vou pegar umas moedas, me espera! —  Vira-se e sai quase correndo em direção ao almoxarifado, não precisa de moedas mas não quero pará-la.

Nem tento descer pelo elevador, seus olhos cortando em direção a ele diz tudo. Descemos lentamente pelas escadas, as moedas estão em suas mãos, que formam uma espécie de conchinha, onde elas batem fazendo barulho.

Quando meus saltos cortam o térreo todos olham, é sempre dessa forma. As caras assustadas, olhares sobre mim por cinco segundos já calculados e uma eficiência enorme em questão de serviço.

Não sei se meus funcionários são felizes mas são bem remunerados e não costumo lhes faltar com educação, ser rígida é diferente.

—  Eles têm medo de você? —  Maraisa pergunta quando pisamos fora da empresa.

—  Acho que sim. —  Respondo dando de ombros.

—  Mas você é boa, cadê o sorveteiro? —  Pergunta, atropelando a primeira frase.

—  Ele deve estar passando por aí, logo o acharemos. —  Pego em seu braço para atravessarmos e ela ri, ri mesmo.

—  É mais fácil você ser atropelada, sabia? —  Para do outro lado em minha frente, com os dedos enrolados nos fios de cabelo e o olhar correndo por todos os cantos. —  É uma tartaruga? —  Aponta para longe, onde há uma família e uma tartaruga.

—  É, e você enxerga bem. —  Arqueio a sobrancelha dando início à uma caminhada lenta.

—  Eu ia ao psicólogo, sabia? —  Pergunta mexendo os braços para frente e para trás, olhando para cima, as árvores de ambos os lados parecem se juntar a nós.

—  Acho que não sei de muita coisa. —  Ri, hoje a palavra "Sabia" foi usada várias vezes.

— Meu pai quis que eu parasse, ele disse a minha mãe que estava jogando dinheiro fora. Fiquei confusa, ele pegou uma nota de dez reais e jogou fora? Quem em sã consciência faz isso? Não entendo até hoje mas quero falar de uma história, aliás, posso contar uma história? — Para de andar, se virando para mim. Meus pensamentos voam até o dia do observatório e vejo uma galáxia enorme dentro de seus olhos brilhantes.

— Vamos sentar? E você me conta. — Mostro o banco e sentamos.

— É assim, você deve conhecer mas só escuta. — Senta-se no banco com as pernas cruzadas, virada para mim, dá impressão de que vai cair de lado. — Depois daquela corrida da lebre e da tartaruga, você sabia que teve outra?

— Não...na verdade não me recordo bem nem da primeira. — Sou sincera, com vergonha de mim por não saber dessas coisas.

— Outro dia eu conto! Mas a lebre queria provar a todo mundo que era a mais veloz, porque ela se perdeu por falta de atenção, então desafiou a tartaruga a outra corrida. Você acha que ela vai ganhar? — Ela conta entusiasmada, faz a pergunta e não espera uma resposta. — "Eu corro mais rápido que você e até mais que o leão mais veloz do mundo!" — Maraisa faz a voz grossa, e acho engraçado. — "Então vamos fazer a corrida, ué, já ganhei uma vez a atenção de todos por conta de uma corrida e vou ganhar novamente. — A voz de Maraisa é fina e orgulhosa interpretando a tartaruga.

— A lebre vai ganhar! — Solto sem me conter, não consigo ficar séria diante o sorriso que ela dá ao terminar a fala.

— Ei, espera! — Repreende-me. — Elas foram à linha de saída e todos estavam eufóricos, apostando todas as fichas na lebre. O passarinho anunciou a partida e a lebre bateu os pés, saindo em disparada à chegada. Nesse momento um monte de terra subiu no ar, fazendo a tartaruga se desequilibrar e cair de costas. —  Maraisa suspira, buscando ar depois de falar desenfreadamente. —  Todos olharam ao redor dela preocupados, lhe perguntando se estava bem, a levaram para casa e lhe fizeram companhia. A lebre passou pela chegada, porém, não havia ninguém lá. —  As mãos de Maraisa abrem-se no ar. —  Você entendeu?

—  Eu entendi... a tartaruga foi uma tremenda esperta! —  Exclamo pensando que de fato ela foi muito esperta, queria atenção e a obteve.

—  Sim! A lebre foi desatenta por duas vezes! —  Fala bem alto.  —  Mas não é só isso, minha psicóloga me contou essa história todas as vezes que fui lá, até que eu conseguisse contá-la inteira e sem erros. Ela dizia que sou a tartaruga e as pessoas são lebres que se acham mais espertas e evoluídas que eu. E sou a tartaruga, seu das minhas limitações e devo usar de outros artifícios para conseguir as coisas. Digo, eu sou igual aquela tartaruga! —  Aponta animada para a família. —  Eu gosto dessa história! É uma das poucas que nunca esqueço.

—  Você é uma tartaruga lindinha! —  Prendo seu nariz entre meus dedos, apertando levemente a fazendo rir. —  E sem dúvida, você é muito inteligente.

—  Você é uma lebre! —  Coloca os dedos em meus cabelos, mexendo-os, acredito que fazendo orelhinhas? Olho para cima, não consigo ver nada.

—  Sabe o que essa lebre está vendo?  —  Pergunto vendo o pote de ouro no fim do arco-íris de Maraisa se aproximando de nós.

—  O sorveteiro! —  Mostro-lhe.

Maraisa se vira animada e vai, se fosse só pela beleza seria mais simples lidar com os sentimentos. Mas não é, ela é realmente a tartaruga: inteligente e com toda a atenção precisa.

Não consigo controlar as batidas aceleradas ao ver seu sorriso, não consigo controlar qualquer coisa.

Decido falar com Murilo assim que ele pisar na cidade, se há alguém que pode me ajudar, definitivamente é ele, mesmo sendo injusto. Farei isso por mim, por ela e por ele também.
.
.
.
[ Continua... ]
Até daqui a pouco ❤️

You Captivated Me || MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora