Capítulo 8

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Almira me liga para levar Maraisa até ela, pois, não havia mais unhas para roer de preocupação. Já passava das onze horas, no carro a pequena me perguntava o que são as coisas na rua, coisas que todo mundo sabe menos ela. Preciso conversar com Almira, eles realmente estão privando a garota de viver. E depois que eles morrerem? Como irá se virar?

—  Às vezes você fica muito séria. —  A voz baixa faz-me desconectar de meus pensamentos

— Eu sou séria, muito mesmo. — Fecho a expressão, segurando para não rir e esquecer a direção.

— Não é! Você sorri comigo e é lindo. — Gostaria de ter visto a expressão que faz, porém, estou estacionando em frente a sua casa.

Marco sai antes de batermos, Maraisa está animada e saltitante.

— Foi divertido? — Pergunta, ele é mil vezes mais tranquilo que Almira.

— Foi incrível, vocês deveriam ter feito isso á tempos! Aliás, ela não conhece nada, qual é a de vocês? Vão viver assim para sempre? — Pergunto vendo Almira encostar-se ao seu lado.

— Temos medo, Marilia...entre. — Ela diz. — Há pessoas ruins no mundo, pessoas que podem magoá-la.

— Certo, mas e se vocês morrem? Não estou desejando o mal, mas é algo que acontece. — Arqueio a sobrancelha a procurando pela sala.

— Ela foi para a sala de pintura. — Marco chama minha atenção tocando em meu braço. — E estamos melhorando, não é? Sobre deixá-la viver um pouco mais.

— Você não vem? — Assusto-me quando olho para o corredor e a cabeça dela aparece na porta.

— É melhor irmos. — Acompanho os três até a sala.

Um cômodo de mais ou menos quatro metros quadrados cheio de telas penduradas nas paredes ou em suportes virados para a janela. As paredes são em cores rosa e azul bebê estranhamente misturadas. Há pinturas de flores, jardins, árvores, casas, animais, um céu cheio de nuvens e o céu tempestuoso. Incríveis pinturas, com traços fortes e perfeitos.

— Uau. — Falo suspirando, passando por todas as pinturas grandes e pequenas.

—  Ela ama pintar, todos os dias vem aqui. —  Almira fica boba, me acompanhando. —  Essas são as últimas. —  Uma é um enorme campo florido com margaridas e rosas vermelhas, o outro um céu com lua cheia e o terceiro...Esse faz meu coração parar, um rosto manchado com tintas coloridas, uma pessoa qualquer não saberia dizer quem é mas quando se tem um espelho em casa, reconhece-se o próprio rosto em qualquer lugar.

—  Esse é o primeiro rosto que ela fez mas não sei dizer quem é, pelas manchas. —  Almira me olha confusa, dou meio sorriso e olho Maraisa do outro lado do cômodo, encolhida junto a porta.

—  É lindo. —  Mantenho o contato enquanto falo, quero abraçá-la e entender o porquê de ter feito. Amei tanto.

—  Vamos? Ela gosta de ficar sozinha para desenhar. —  Almira pede indo em direção à saída.

Maraisa não parece querer ficar só, juro que vejo sua cabeça mexer negativamente. Dou mais uma volta no pequeno cômodo tão cheio, meus dedos passam pelas molduras nas paredes. Será que isso reflete seus sentimentos? Sensações? Ora alegres e coloridos, ora tristes e obscuros.

—  Marilia? —  Almira volta a me chamar.

—  Ela pode ficar? —  Maraisa pergunta, surpreendendo a todos nós.

—  Mas... —  Ela protesta e desiste.

—  Tudo bem, você estava fazendo o almoço né? Logo vou para a empresa.

—  Não deixa ela te atrasar. —  Dá um riso pequeno dando as costas para nós.

Maraisa fica me olhando. Dou lhe um sorriso um pouco mais fascinada, ela senta no banquinho, pega um pincel e começa a pintar. Permaneço em silêncio por um tempo até distinguir uma silhueta: a cabeça, os braços, sem muitos detalhes, só o contorno.

—  É você. —  Diz, sorrindo. —  Porque você é cheia de curvas e o vermelho é porque chama atenção. —  Sussurra, vermelha.

—  Obrigada, posso levar comigo? —  Pergunto, tocando a ponta do papel.

—  Pode. —  Dá de ombros.

—  O que é aquilo? —  Vejo um monte de coisas no canto.

—  São quadros que minha mãe guardou, pois são tristes. —  Sigo até lá tirando o pano, há uns dez quadros. Abaixo-me para ver.

—  Olha esse. —  Tira o terceiro, um macaco sem rosto.

—  Porque fez um macaco sem rosto? —  Pergunto.

—  por que minha mãe não quis me levar para vê-los. —  Faz um bico fofo, se encolhendo.

—  E esse? —  Aponto para um caminho de espinhos.

—  Eu me sentia assim, em um caminho de espinhos, não andava para não me furar neles. Essa é uma das únicas coisas que não são ao pé da letra que eu sei. —  Diz com certa empolgação.

—  E agora? —  Arqueio a sobrancelha, me levantando.

—  Agora é assim. —  Aponta para um quadro ao lado da porta. O mesmo caminho com terra vermelha e flores ao lado, muitas mesmo, coloridas. —  Quanto mais eu saio, mais eu quero sair.

—  Gosto das cores que você usa, cores vivas...quero que faça pinturas para mim, você pode?

—  Posso! Vou amar! Que legal! —  Seus olhos brilham e sua voz está naquele tom alto, o tom que sempre aparece quando estamos sozinhas.

Gostaria de dizer que ela ilumina minha vida, mas iria pensar que era uma lanterna, isso é engraçado mas, É sério. Vendo aquelas telas e desenhos, meu rosto, meu corpo, Maraisa sorrindo e me invadindo com aquele olhar brilhante me sobe uma vontade de dizer-lhe tudo que venho sentindo.

Que amo sua presença, seu jeito organizado com tudo e as oscilações no seu tom de voz, as palavras que não fazem sentido, o rosto corado, o mapa da Maraisa e o mapa da Maraisa e da Marilia, São tantos detalhes nela que me fazem derreter completamente.

—  Maraisa... —  Sussurro me aproximando, não deveria estar dessa forma, não posso. Não tenho esse direito, minhas pernas se movem contra minha mente. Meus dedos percorrem seu rosto, a pele que lembra a de neném, não há recuo, na verdade seus olhos se fecham.

—  Ei! —  A voz de Marco me faz acordar e afastar.

—  Pai! —  Maraisa pigarreia, a olho sem entender o que isso significa, de fato.

—  Marilia pode almoçar com a gente, o que acha? —  Diz a abraçando, porém, seu olhar vem sobre mim, firme e questionador.

—  Posso mesmo. —  Respondo os acompanhando para fora, dobrando cuidadosamente a pintura que Maraisa havia feito.

Sinto que minha pequena parte sã que eu preservava em toda minha vida, se foi com as pinturas.

—  Não sei o que está fazendo, Marilia. Mas cuidado, você é casada. —  Marco me diz quando estou saindo.
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Continua...

You Captivated Me || MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora