Nada às bagunça, mas pela segunda vez no dia as prateleiras estão sendo organizadas. "Uma tarde fria de outono nunca foi tão entediante quanto essa" pensa Julian. Cada minuto parece uma eternidade e olhar para o relógio pendurado do outro lado da sala não faz o ponteiro acelerar.
Bufando quase silenciosamente, o garoto senta na cadeira e assiste, pela vitrine da papelaria, veículos e, de vez em quando, pessoas passando na rua. No rádio toca Valerie, de Amy Winehouse. Assim sendo, Julian fecha os olhos, sede mais seu corpo no assento, sente o cheiro de papel novo que havia chegado e aprecia seu timbre favorito.
Uma notificação chega no celular do garoto e, preguiçosamente, com apenas um olho, ele vê que está quase na hora. Um amigo seu passará para pegá-lo e irem a um parque próximo. Julian não achara uma boa ideia, o clima da suspeita de chuva. "Está tudo pronto? Estou quase chegando" dizia a mensagem. Julian enfim responde: "Só esperando você chegar."
Demoraram sete minutos até que Erick — amigo de Julian — chegasse à papelaria. O moreno de estatura média trazia consigo um outro garoto, cuja identidade é desconhecida para Julian.
— Para quem estava a menos de cem metros daqui, você demorou um pouco — diz Julian, levantando‐se. Seus olhos viajam até o estranho de pele bronzeada, cabelos castanhos escuros e barba por fazer, falhada. Usava um moletom despojado escuro, calças jeans claras e tinha uma mochila folgada nas costas. Diferente de Erick, ele era alto, mas não tanto em comparação à Julian.
— Este aqui é o Yan. — Erick se apressa em apresentá‐los, visto que nota a indagação no rosto do velho amigo. — E esse é Julian, o amigo de quem te falei.
Yan avança. Seu olhar se prende ao de Julian, sua mão estendida, seguida de um sorriso simples de canto cumprimenta o menor de cabelos ondulados castanhos, claros; de um lado caído sobre a testa quase escondendo a sobrancelha.
Normalmente Julian não encara ninguém, porém, dessa vez, ele não se desvencilhou. Aperta a mão de Yan e dá um sorriso amarelo.
— Tudo bem? — diz Yan cordialmente.
— Tudo. — Pigarreia.
O toque de mãos causa desconforto em Julian. Não sabe dizer se é a maciez e delicadeza do Yan, em contraste com a brutalidade que seu tamanho e ombros transmitem, ou o olhar profundo que o maior lhe lançara.
— Estamos indo? — Erick parece ansioso.
Os olhares dos outros dois garotos se desprendem, enfim. Ambos engoliram em seco e sacudiram a cabeça positivamente.
Julian agarra suas coisas e encerra todas as atividades da papelaria. Em seguida, acompanha até a calçada os corpos que vão em direção à saída.
Agora os três andam. Erick fica no meio, Julian a esquerda, longe do perigo de ser molhado pelas poças d'água que, vez ou outra, ameaçam molhar os sapatos sujos de Yan.
— Ele mora quase no fim do mundo. Do outro lado da cidade — Erick tagarela. — Acredita que nunca veio a esse parque?
Eles apenas sorriem.
De soslaio Yan assiste o garoto que lhe chamara atenção vestir o casaco verde musgo, cujo frio forçou‐o usar. "Combina com o olho dele. Olho bonito, aliás" Yan pensa.
Boa parte da caminhada foi Erick falando sobre os amigos. Yan estuda Artes Cênicas, na mesma universidade de ambos: Julian cursa pela noite, por causa do trabalho, Artes; Erick cursa Cinema e Audiovisual. Uma aula de direção de espetáculo veio a calhar uma amizade entre Erick e Yan, cujas personalidades são muito parecidas. Ele, Erick, citara que iria sair para um parque nas proximidades e, curioso como Yan é, auto convidou‐se.
No meio caminho Julian quis parar para tomar um café, já que as bebidas geladas no parque lhe causaram calafrios só por pensar.
Os três jovens entram na cafeteria. Um ambiente mais agradável, mas que não fizera a tensão estranha entre Julian e Yan dissipar.
Com os pedidos de todos na mente, Erick vai ao balcão. Os outros dois ocupam uma mesa com poltronas macias no canto da cafeteria. Ambos estão calados, pois não sabem como inicar uma conversa.
Julian sempre se expressou melhor com suas mãos, seja rabiscando um caderno com desenhos ou poesia. Yan é mais extrovertido, hábil em dialogar, entretanto, dessa vez, Julian causa um certo desconcerto nele. A habilidade natural do Yan de conversação se perde.
Enquanto o garoto de cabelos claros começa a usar o celular, para tentar disfarçar o momento desconfortável, os de fios escuros observa-o. Julian sente, é claro, e uma fagulha de ansiedade o toma. Inesperadamente seus olhos levantam, encontram os olhos do outro garoto fugindo para o lado.
Visto que Erick ainda está fazendo os pedidos, Julian coça a nuca e se força a falar:
— Você é de Eastfield, então?
Olhos arregalados nascem no jovem de moletom largo.
— Sim — responde.
O sorriso sem graça do Julian e outra espiadela em Erick faz com que Yan note que fora vago demais. Desajeitado fala:
— Você é daqui?
— Moro à três quadras do trabalho.
Ambos sorriem. Isto está ficando constante e Yan percebe: "O que está acontecendo com você? Você já foi melhor que isso!" ressoa em sua mente.
Uma inspiração, uma expiração. O bronzeado puxa a manga do moletom e se ajeita no assento.
— E como vocês se conheceram? — O ar muda. — Ele não mencionou.
— Escola. Estudamos juntos um tempo — Julian diz. — Ele costuma dizer que me adotou.
Uma gargalhada baixa, mas sincera, reverbera na mesa do canto.
— Então... você faz artes — Yan fala. — Já sabe em quê vai se especializar?
— Ainda não sei bem — diz simples. — Eu costumo apenas desenhar coisas que considero bonitas.
O garoto de olhos castanhos afunila seu olhar nos verdes esmeralda do outro e lança:
— Então acho que você costuma se desenhar muito.
Julian cora e perde a fala.
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Verde e Castanho
RomansaO céu estava alaranjado, em sua maioria. Havia muitos tons de castanho e amarelo nas árvores, mas também havia verde: ao qual o castanho apreciava; no qual castanho se perdeu. E em uma comum, mas linda, tarde de outono, um desejo foi florescendo enq...