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A longa manga da negra camisa não conseguia ocultar a queimadura no polegar esquerdo. Ardia como a lembrança daquela relação. Cruzando as mãos na intenção de ocultá-la, não conseguia esquecê-la.

No entanto, deveria.

A verdadeira responsabilidade estava ali perante a negra mesa daquele cômodo escuro, ou seja, junto aos comensais. O Lorde não perdoaria traição. Como também, não tinha a intenção de abandonar os seus iguais.

Todavia...

O atrito da palma direita sobre o machucado relembrava como ele estava ali. Relembrava as palavras de James e os olhos alegres de Harry contando sobre o dia, embora Severus soubesse tudo por ser seu professor.

"E como estaria sendo o jantar daqueles dois cabeças duras? ". Quase sorrindo em devaneio, a altiva voz do anfitrião da mesa lhe repetia o nome. Engolindo a respiração num discreto susto, vários olhos lhe miravam.

Permanecendo em silêncio, seria ofensa afirmar não ter prestado atenção e pedir para repetir? Franzindo um cenho um tanto perdido, o dono dos compridos cabelos loiros notava o desconcerto. Calmo, ao contrário dos rostos ansiosos por resultados, ponderou:

— Eu entendo que você só gosta de responder com certeza, mas precisamos de uma estimativa sobre quanto tempo pretende demorar, Severus?

— Estou fazendo o possível. – Pressionando mais forte a aberta ferida, necessitava escondê-la.

A pele gélida da Nagini lhe enroscava a perna. Talvez, detectasse o eminente receio. Por isto, necessitava ocultá-los por mais doloroso que... A chance de salvá-los não passava de um tolo delírio.

— O possível não está sendo o bastante! – Dando uma tapa contra a mesa, Bellatrix exasperou. Diante o olhar de repreensão pelo condutor da reunião, advertiu. –Precisamos deste medalhão antes que a Ordem o capture! – Sorrindo lunaticamente para Lucius, pedia submissamente. - Eu posso matar esta criança pelo medalhão, meu senhor.

— Não! – O protesto havia sido um pouco exaltado, precisava manter o sangue frio para não levantar suspeita. Buscando corrigir, prosseguiu seriamente. - Nem temos certeza se o medalhão está com ele. Não podemos, simplesmente... – Somente descrença era creditada a suas palavras. - Precisamos de cautela. E é assim que estou jogando.

— Belas jogadas. – Caçoou Igor, conquistando risadas. - Seis meses e você ainda nem traz a certeza se o medalhão está ou não com ele?

— Claro que está. – Interrompeu o filho do ministro, mostrando a língua, naquele irritante hábito. – O traidor do Regulus foi o último visto com o medalhão. Ele está na mansão Black.

Talvez temos outro traidor nesta mesa... – Alfinetou o Rabicho em imensa cordialidade.

— Gostaria de contar seu testemunho, Peter? – Retrucou Snape cinicamente, erguendo a sobrancelha para lhe retribuir a gentileza. – O lorde sabe da minha devoção e...

— Em vez de ficar conversando, poderíamos simplesmente invadir a casa, matar a todos e verificar se o medalhão está lá dentro. – Grunhiu Greyback já entediado com toda aquela discussão. Aquela reunião todas as terças mais pareciam um encontro de comadres para trocar farpas, em vez de focar no real objetivo. Sem paciência, continuou. – Estou cansado de histórias longas que só enrolam e não chegam a lugar nenhum. É por causa disto que a Ordem já conseguiu duas das nossas peças.

— No meio de tanta destruição, como você adora, - Exemplificou Severus, gesticulando com uma das mãos para enfatizar o dito. - Poderíamos terminar destruindo o próprio medalhão e colocando em risco o retorno do nosso mestre. – A cobra se afastava, subindo a mesa, buscando impetrar a alma de cada um. Parecia aspirar o medo, a ira... Pendendo a cabeça para um lado, o sonserino se refugiava na austeridade para lhe mascarar as emoções. - É claro que o Ministério, a Ordem, e muitos outros já desconfiam. – Fitando a mulher de cabelos assanhados, bronqueou. - Ainda mais depois do ataque da Lestrange a um parque de diversão trouxa no último domingo...

O sorriso estridente cortou a conversa, em comemoração. No entanto, Severo continuou friamente:

— Estou lhe repreendendo. Aquilo foi impensado. Não existe motivos para ficar orgulhosa por tentar nos arruinar. Precisamos de sangue frio e, - batendo a ponta do indicador contra a própria têmpora, prosseguiu. – Precisamos pensar antes de qualquer ato.

— Concordo. É perigoso. – Interpôs a amável mulher de cabelos pálidos, sentada na cadeira ao lado.

— Sim. Por falta de planejamento o nosso mestre teve este fim fatal. – Mantendo a astúcia sobre os demais, arriscava enxergar com os estreitos olhos da Nagini. Pesaroso, prosseguiu. - Nem sempre teremos uma segunda chance. E, aquela chance, poderá custar a nossa vida.

— Sim, Severo. - Educadamente, Lucius degustou um pouco do vinho na taça de metal antes de finalizar. – Acredito que todos estão tendo sigilo em sua atuação. Só... – Lançando um olhar intimidante para a cunhada, retificou calmamente. – Estão ansiosos...

— Todavia, esta ansiedade pode terminar estragando tudo.

— Acredito que todos compreendam.

— Eu irei trazer o medalhão nas próximas semanas, mas preciso averiguar se será seguro este retorno já que esta pode ser a última chance dele e, como também, a nossa.

Sim.

Quando os fragmentos da alma se reunissem, não haveria uma segunda chance. Por isto, naquele momento, já não existia margem para erro.

Ou...

Retirando-se da mesa perante os diversos cochichos, precisava agilizar as coisas. Apesar dos desconfiados, desta vez, havia conseguido convencê-los através do diálogo. Contudo, não podia mensurar se haveria outra chance como aquela.

— Severus! - Narcisa repousou a mão sobre o punho do sonserino, impedindo-o levantar. - Essência de unicórnio é perfeito para curar. - Diante a evidente incompreensão, apontou a ferida com o indicador. - A queimadura. Se não cuidar, a marca ficará pra sempre.

Puxando a mão, Snape fitou o avermelhado.

Para sempre?

Impossível.

Todavia, não podia negar como aquilo o deixava extremamente preocupado. Realmente, ficaria marcado? 

Solitária realeza. Travessuras marotasOnde histórias criam vida. Descubra agora