Capítulo 22

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A radiosa lua acariciava o rosto adormecido contra o descansar das pesadas cortinas. Ocultado nos escombros da biblioteca subsolo, esquecido junto aos pesadelos das guerras passadas, o cenho franzido indicava que não descansava apesar de imerso numa profunda letargia.

Havia livros, cilindros, pequenos copos de vidro com mistura fervendo. Um círculo semelhante ao de oferendas a alguma divindade. E pela poeira esverdeada lhe sujando o rosto, as mãos manchadas de roxo, aquele sono não aparentava ser convencional, ainda assim, Potter sorriu por encontrá-lo.

Após guardar o mapa do maroto no bolso traseiro da calça, avançava em passos soturnos quando a barra da negra capa enrascou num solto pedaço de madeira, arrastando. As costas da cadeira caíram ao chão, atiçando a poeira ao extinguir o silêncio.

Snape despertou amedrontado. Aquele local. Aquele segredo. O vulto dentre a escuridão possuía uma conhecida forma. Passando o dorso da mão contra os olhos sonolentos, terminando por sujá-los daquele reluzente roxo, começava outra atividade para disfarçar a evidente tristeza pelo reencontro.

- Eu... – Avançando, derrubou uma estatueta antiga, não importando em apanhá-la. Sentando um pouco afrente, a cabeça recostada contra a madeira contemplava o rosto mal-humorado. – Troquei de lugar com Remus para vigiar os corredores e devo punir os infratores que não estão nos dormitórios.

Severus nada disse.

Capturando a varinha, murmurava em direção ao copo. Nada acontecia. Os olhos sonolentos cochilando sobre as letras encurvadas do velho livro, não compreendia onde errava.

- Sev... – Ignorado, observava o local esquecido por séculos. Teias de aranhas, os quilos de poeiras até trocavam a cor dos móveis de madeiras perfeitamente arrumados, aguardando o novo dia. Intrigante, talvez ali estivesse trancado para ser esquecido. – Outra aluna desapareceu. Alguns até temem dizer o suposto nome.

- Como sabia que eu estava aqui, Potter? – Interrompeu preocupado. Largando a varinha ao lado, coçava a parte interna do antebraço direito por cima do tecido.

Um suspiro profundo. A voz entristecida não combinava ao energético grifinório sempre aprontando para desestabilizar a paz. Agora, ali... Snape maleou a cabeça para dissipar os pensamentos inoportunos. Precisava aprender o encantamento. Precisava...

- O que está acontecendo, Severus? – Engolindo em seco, o jovem temia ouvir uma resposta. Nos últimos dias, Snape mudava a cada desaparecimento, tornando-se mais deprimido, fechado e sem expressão. Havia boatos sobre seguidores, mas...

Os olhos fatigados banhados pela luz lunar piscavam na habitual batalha para não adormecer. Fitando a indesejada presença por um segundo, não escondia o riso de canto saturado pela habitual ironia:

- Seu pequeno cérebro não consegue compreender, Potter?

- Todo mundo está com tanto medo. Dizem que as consequências estão atingindo o mundo trouxa. – Observando a contraparte separando pequenas essências e lançando dentro do copo, brincou. – Até alguns alunos da grifinória estão com medo.

- Oh! Vocês sentem alguma coisa?

- Espero mesmo que isto tenha sido uma brincadeira.

Deferindo um tapa contra a própria testa, marcando-a numa mistura de lilás com marrom, repreendia-se por esquecer. Abaixando o livro, levantou-se até a estante no fim do cômodo, logo seguido pelo incômodo indivíduo.

Escolhendo um livro qualquer, James passou a mão sobre a acumulada terra, sentindo imensa amargura ao ler o carimbo demarcando o canto da capa. Preferindo não continuar, recolocou-o no lugar. Escorando-se contra o móvel antigo, limitava-se a observar a abatida figura tão concentrada dentre a escassa luz. "Magia das trevas, hum...".

- Ouvi dizer que melhor do que atacar o inimigo é conhecê-lo. Então, você está estudando sobre magia das trevas para nos defender?

- Você pretende ficar aí?

- Sim. Algum problema?

- Se não tem nada melhor para fazer, é melhor que volte para o dormitório. – Recolocando o livro no local, puxava o inimigo pelo braço, forçando-o a sair dali. Os passos cambaleavam, o rosto pendia para a frente quase entorpecido, mas...

- Não precisa de ajuda? – Questionou manhoso, abraçando-o pelas costas de repente como se tentasse segurá-lo. Compreendendo o próprio egoísmo, não negava como carecia prendê-lo.

- Certamente, eu preciso. Mas nunca a sua, Potter.

- Eu sinto saudades. – Apertando-o mais próximo de si, impossibilitava o carrancudo rapaz de continuar. Deferindo um beijo no espaço entre o ombro e o pescoço, segredava baixinho. – Você não vem ao meu quarto e não posso ir ao seu. Você sempre está ocupado. O que eu devo fazer para passar um tempo com meu namorado?

- Namorada, não? Lily me contou. – Desvencilhando-se do abraço, aquela cara de pau lhe causava asco. Ainda assim, fitando as douradas armações naquele ambiente, até parecia que...

- Você é a pessoa que eu amo. Infelizmente, um bastardo da sonserina, ainda assim, a pessoa que eu amo.

O sonserino abaixou o rosto balbuciando alguns encantamentos. As coisas aparentavam começar a fazer algum sentido. Os olhos desatentos estavam encantados por peculiar curiosidade.

Talvez, pudesse funcionar.

Um intenso grito desesperado ecoou por todo local. Snape abaixou o rosto, protegendo a audição como podia. Fortes braços lhe acolhiam, agachando-se junto a si, enquanto os diversos exemplares decaíam ao solo numa raivosa velocidade.

Ajeitando-o ao colo, o corpo quase desfalecido aparentava sem forças. Numa quieta aflição, deferia pequenos tapas contra a suja bochecha, motivando-o a acordar.

Nada acontecia.

Nada.

Os negros olhos piscavam pesados. "Por que James Potter insistia naquilo? Agora mesmo, ele havia o protegido? Ele realmente tinha lhe protegido? ". Irritado, os lábios ferozes bronqueavam numa indescritível raiva apesar de acolhê-lo num estranho carinho:

- Você vai se destruir, Severus. Não pode continuar com isto.

- Você já me destruiu, Potter. – Tentou ri. Voltando a fechar os olhos, entregava-se ao crescente cansaço. Forçava uma explicação, quase sucumbindo. - Não vamos fingir que nada aconteceu. Nós sabemos... Agora... Agora, eu preciso provar minha lealda...

- Sev... – Não insistiu, abraçando-o mais forte contra o peito, precisava tirá-lo dali. Levantando-o em seus braços, realmente, não queria saber o que acontecia. Só... 

Solitária realeza. Travessuras marotasOnde histórias criam vida. Descubra agora