Capitulo 14 - No meio da Noite

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Não compreendia o que se estava a passar. Recusava a ideia de que estavas totalmente consciente quando me empurraste no quarto. Convenci-me de que aquela reação hostil não fora intencionalmente dirigida a mim. Pensei que provavelmente estarias confuso, desorientado. Eu acreditava que era tão importante para ti quanto tu para mim. A possibilidade de tu não me quereres ver era, para mim, um contrassenso. Que sentido teria, tu sacrificares-te por mim, num primeiro momento, para depois rejeitares-me tão friamente? Por outro lado, também não compreendia por que não me deixavam ver-te. Interrogava-me se seria para nos castigarem, se estariam a delinear algum plano para nos separarem ou se, simplesmente, eram indiferentes à angústia que me triturava por dentro. Tantas emoções que não conseguia identificar e vi-me ali sozinho, sem ninguém com quem falar sobre elas. E os adultos que nos cercavam, no lugar de me ajudarem a encontrar respostas para as minhas interrogações e significados para os acontecimentos que recaíam sobre nós, instalavam em mim ainda mais dúvidas e receios. Ai, como eu sentia a tua falta, Nong, Kiet!

Sentei-me no banco de pedra onde te tinha visto pela primeira vez, no dia em que te conheci. Recordei-me de quando ela nos apresentou. Estavas triste. Tinhas acabado de perder a tua mãe. Com o braço à volta dos teus ombros, convidei-te para brincares comigo. Respondeste-me com um sorriso angelical.

A lembrança do nosso primeiro encontro foi interrompida, quando a vi a dirigir-se ao teu quarto. Sem dúvida, que ela se dedicava muito a ti. Já o teu pai continuava sem aparecer.

Nessa mesma noite, esperei sentado atrás da porta do meu quarto que todos fossem dormir. Recordo-me de ter ficado com a orelha a fumegar de tanto a pressionar contra a porta, na tentativa de monitorizar todos os movimentos somente com a audição. Sabia que só poderia agir quando não ouvisse passos. O silêncio nessa noite chegou bem mais tarde do que o habitual, mas isso não me demoveu. Quando senti tudo sereno, abri sorrateiramente a porta, espreitei para os dois lados, saí e voltei a fechá-la do mesmo modo. Desci as escadas em bicos de pés e encostei-me atrás de um móvel preto de madeira para, mais uma vez, confirmar se o caminho estava livre. Quando já caminhava em direção ao teu quarto, vi-vos a sair de lá de dentro: o teu pai, que trazia um curativo no braço, aquela mulher e a tu no colo dela. Levavas na mão o carrinho que eu te deixara. Deslocavam-se no sentido oposto. Mas o teu olhar dirigiu-se para mim. Quando estava prestes a chamar-vos, senti uma mão a tapar-me a boca e outra os olhos. Debati-me, mas alguém conseguiu-me imobilizar entre as suas pernas. O som dos vossos passos foi-se tornando cada vez menos percetível.

Quando me virei, vi que o homem que me agarrava era o meu pai. O homem que eu nunca vira a chorar, estava também ali, com os olhos cheios de lágrimas, a olhar para a porta por onde haviam saído. Nesse momento, compreendi a dimensão da rutura. Aproveitando um inevitável instante de fraqueza do meu pai, libertei-me das suas mãos e corri para a rua. Lá, vi-vos a partir num dos nossos carros. Comecei a correr pela rua fora, suplicando:

- Khun mae, Nong Kiet, voltem! Khun mae! Nong Kiet!

Continuei a correr em direção a um carro que já tinha perdido de vista. Corri até me falharem as forças nas pernas e cair de joelhos, em prantos.

Foi a última vez que vos vi. E foi também a última vez que chorei.

Thirasak & Kiet - O Reverso Do Ódio  Onde histórias criam vida. Descubra agora