Capítulo 54 - A Última Página

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Continuei a ler até encontrar algo que me impressionou:

"Look mae, soube que o teu pai morreu. O grande amor da minha vida foi embora sem mim. E tu, como estás sem o apoio dos teus pais? A Pa'Noon disse-me que a Paramita te trata mal. O que leio nas revistas é um amor maternal de fachada? Não foi esse o combinado. Eu saí da tua vida porque pensei que essa mulher realmente te aceitaria como filho. Todos estes anos, não recebeste um bocadinho de amor de mãe? Estou desolada."

Há quatro anos, escreveu:

"Look mae, o nosso amigo e pai do teu nong perdeu a vida num acidente de trabalho. O teu nong está desolado. Como queria que vós vos apoiasseis um ao outro. A mãe queria muito juntar-vos outra vez."

Quando estava a ler, algo realmente me surpreendeu:

"Look mae, realmente vieste a Chiang Mai para ver a tua mãe e o teu nong? Estás um homem. Estás maravilhoso. Eu em nada contribui para que cresceste assim. Depois de me despedir do teu nong, vi-te no carro. Foi uma emoção muito grande ver-te ali; fiquei paralisada. Quando me consegui mover, tu já tinhas ido embora. Atravessei e fui para o lugar onde estavas estacionado. Esperei ali não sei quantas horas, na esperança de que voltasses. Algum dia irás perdoar-me?"

As lágrimas voltaram a encharcar-me os olhos. Tivemos tão perto...

"Look mae, a mãe está doente, mas vou conseguir vencer este mal. Quero muito ver-te. Não quer dizer que eu te conte toda a verdade, mas quero muito estar contigo, nem que seja por breves momentos. Tenho muitas saudades tuas."

Respirei fundo para continuar a ler:

"Look mae, tivemos de vender a casa de Chiang Mai e viemos para Bangkok. Estamos tão perto de ti e, ao mesmo tempo, tão longe. Vou iniciar a quimioterapia."

"Look mae, fui até à tua empresa para te ver, mas não me deixaram passar da recepção. A mãe, com a ajuda do teu nong, está a batalhar para que fique melhor. Quero muito abraçar-te."

"Look mae, a mãe está cansada e mais do que nunca quero ver-te, ainda que um pouco que seja. O teu nong também está cansado. Está a ser muito duro para ele acompanhar a matéria escolar com as idas ao hospital."

Olhei para Kiet e imaginei tudo pelo que ele passou. As minhas mãos começaram a tremer:

"Look mae, como me enganei em relação a aquela mulher. Quando já estava sob efeito de medicação paliativa, queria mesmo despedir-me de ti, ainda que sem intenção de te contar toda a verdade. O facto de te ter trazido ao mundo seria suficiente para prender a tua atenção? Decidi procurar-te na casa grande. Disse ao teu nong que ia fazer uma visita à minha amiga Kaew em Chiang Mai. A Pa'Noon já não trabalha lá em casa. Fui logo cedo para te apanhar à saída do portão. Quando um carro saiu, alguém na frente disse-me que já tinhas saído e que só irias voltar no final do dia. Esperei o dia todo sem me afastar do portão. Já era noite e começavam a cair as primeiras gotas de maio. Chovesse o que chovesse, eu tinha de te ver. Vi umas luzes a aproximarem-se, do mesmo carro que passou pela manhã. Tinha a certeza de que não estavas nesse carro. Já era madrugada e não tinhas regressado. Tudo o que me passou pela cabeça foi que estarias ocupado no escritório. Pensei: Terás comido bem? Acabei por adormecer vencida pelo cansaço, mas sentada à frente do portão. Ali fiquei por horas. Quase não tinha forças para abrir os olhos quando a luz do sol nascente começou a incomodar-me. Pouco depois, surgiu novamente o mesmo carro. Desta vez, baixaram o vidro do carro da parte de trás. Ela disse:

— Ah, esqueci-me de dizer que Niran está em viagem de negócios desde anteontem e só vem daqui a dois dias. — Sorriu hipocritamente.

Ela sabia quem eu era. Se não, nunca te trataria por Niran. O meu coração apertou ainda mais ao saber que aquela mulher estava ao teu lado."

— Paramita, a tua maldade não tem limites! — Praguejei, furioso com tanta insensibilidade.

Prendi a respiração involuntariamente ao tocar na última página escrita:

"Look mae, a mãe ama-te muito e sempre te amou. A mãe pede desculpa por te causar tanto sofrimento. Será que um dia poderás perdoar-me? Espero que um dia voltes a amar o teu nong. Toma conta dele, nâ?"

Folheei na esperança de encontrar uma última mensagem. Não havia mais nada escrito, mas junto à contracapa encontrei vários recortes de revistas com fotografias minhas, incluindo a primeira em que fui apresentado à sociedade.

Estava consternado. Não tive a oportunidade de lhe pedir desculpa, mas tinha a certeza de que, pelo menos, iria realizar o seu maior desejo: tomar conta do meu Nong Kiet por toda a vida e além.

Thirasak & Kiet - O Reverso Do Ódio  Onde histórias criam vida. Descubra agora