Capítulo 6 - Plano de Fuga

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Estávamos a salvo, mas não livres do castigo.

O pai do Pi teve de mobilizar muitos homens para nos encontrarem na floresta.

Nem nos deixaram descansar. Fomos logo chamados ao pátio da família, onde, junto à porta, pendia um pequeno mostruário com uma vara fina. O pai do Pi agarrou a vara. Ao seu lado estava também o meu pai, o seu fiel empregado e confidente.

-Look, tee nee (filho, aqui) - Ordenou o tio.

Imediatamente a seguir, chamou-me o meu pai, também ele com uma vara, improvisada, na mão. Caminhei até ele a mancar. Como já prevíamos o que ia acontecer, ajoelhamo-nos diante dos seus pés com as palmas das mãos a unir os joelhos.

- Eu disse-te para ires brincar com o teu nong nas imediações do terreno. A tua desobediência quase vos colocou a vida em risco. Portanto, para que nada parecido volte a acontecer, vou castigar-te com 10 vergastadas. - Decretou o pai de Pi.

Olhei para o meu amigo. Temi mais por ele do que por mim, pois sabia que o seu pai iria ser mais impiedoso do que o meu na execução da sentença.

Subimos para cima de uma mesa não muito alta, apesar de bastante comprida. Os nossos pais, em simultâneo, começaram a bater-nos na barriga das pernas.

- 1...

Pi olhou para mim e eu para ele.

- 2...

Deu-me a mão.

- 3...

Senti um aperto enorme, voltei a olhar para ele e viu-o de olhos fechados e boca cerrada, para impedir que um som de dor lhe escapasse.

- 4...

Pi começava a contorcer-se de dor.

- 5...

Eu já nem conseguia pensar direito. Apesar de ser mais pequeno, queria protegê-lo.

- 6...

Lancei-me para trás de Pi para receber a sétima vergastada que lhe estava destinada.

Os nossos pais pararam.

Abracei o Pi pelas costas com muita força. Ele olhou para mim com os olhos cheios de lágrimas.

- Nong kiet! - Exclamou Pi.

Sorri-lhe.

Quando soltei o corpo de Pi, coloquei um pé fora da mesa, desequilibrando-me por completo.

- Nooooonnng Kiiiiieet!

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Estremeci.

Estava confuso. Não compreendia por que razão andava a ter aqueles sonhos desde o dia do acidente. Inquietava-me a sensação de ter vivido no passado aquilo que se manifestava agora nos sonhos, a sensação de ter memórias que, como morcegos, se escondiam de dia para voarem livres e destemidos durante a noite. Mas ainda mais perturbador era a possibilidade de o Pi ter desempenhado em algum momento da minha vida passada um papel tão relevante como o representado nos sonhos e eu ter-me esquecido disso.

- Quem é o Pi? - Perguntava repetidamente para mim mesmo.

Quando tomei consciência do lugar onde estava, dos acontecimentos reais e imaginários que vivenciei antes de cair num sono profundo, desesperei.

Decidi que não podia continuar ali de maneira nenhuma. "Perdido por cem, perdido por mil", pensei. Dirigi-me, então, à janela e estudei o mecanismo da fechadura. Acreditei que bastava mobilizar alguns conhecimentos que já tinha adquirido no curso de Engenharia Mecânica para conseguir abri-la. Fiquei com a certeza disso, quando percebi que o engenho não era muito sofisticado.

Peguei na minha carteira que estava pousada em cima da mesa e, de lá, tirei o meu cartão de identificação da faculdade. Aproximei-me da fechadura. As peças serem em PVC facilitou-me imenso o trabalho. Carreguei no botão da maçaneta ao mesmo tempo que a erguia e, com a outra mão, passei o cartão pela ranhura até ouvir o "Click".

Sorri aliviado. Uma etapa já estava.

Depois, comecei a unir os lençóis e as toalhas com nós resistentes. Terminada a tarefa, coloquei tudo debaixo da cama e aguardei.

Algum tempo depois, o "rochedo", alcunha pela qual eu "carinhosamente" o tratava, começou a abrir a porta. Não deixei que a abrisse completamente para não dar por falta da roupa da cama. Olhei para ele e disse:

- Sawatdee khrap (bom dia em tailandês).

Tirei-lhe a bandeja das mãos, agradeci e fechei a porta.

"Tão cedo ele não virá", pensei enquanto me sentava para comer. Nem me passou pela cabeça abdicar da refeição. Ia precisar de energia para colocar o meu plano de fuga em ação.

Thirasak & Kiet - O Reverso Do Ódio  Onde histórias criam vida. Descubra agora