Abandonei as lembranças no momento em que a minha secretária pede autorização para entrar na sala.
- Khun Thirasak, os estagiários foram contactados e já assinaram os contratos, com exceção de um. Por favor, assine a anulação do contrato deste aluno. - Disse-o entregando-me o contrato.
Fiquei abismado quando percebi que era o teu nome que estava naquele contrato, que eras tu o estagiário que ainda não tinha assinado. Recuei com a cadeira e fiquei a olhar no vazio por uns segundos. Como vi que ela estava à espera que lhe devolvesse o documento assinado, disse:
- Deixe estar ... Eu mesmo resolvo. Pode ir.
Com ar de estranheza e voz vacilante, insistiu:
- Eu posso levar para o departamento dos recursos humanos.
Olhei-a nos olhos, sem pronunciar uma única palavra. Ela afastou-se com um sorriso amedrontado.
Depois de analisar uma proposta de uma superpotência japonesa, dei por terminada a jornada. A caminho de casa, parei num restaurante para comprar comida. Desejava ver-te. Por isso, carreguei a fundo no acelerador. Quando cheguei, encontrei-te a dormir no sofá com a televisão ligada. Estavas encolhido, agarrado ao travesseiro, como sempre o fazias quando eras pequeno. Senti uma vontade enorme de suspender aquele momento, de tocar naquela imagem, de te tocar com a ponta dos meus dedos para ter a certeza de que não era uma miragem. Quando estava prestes a passar-te a mão pelos cabelos, fizeste um beicinho e, sem abrires os olhos, falaste:
- Mae khrap...Kiet kiken khun (Mãe, kiet sente a tua falta).
Recuei de imediato. Ergui-me, fazendo barulho propositadamente para te acordar. Eu sabia que estavas a sonhar. Porém, escutar-te a pronunciar aquelas palavras foi como remexer numa fratura exposta. Olhaste-me assustado. E eu num tom ríspido disse-te:
- Trouxe Khao Soi à base de tofu. Vai comer!
- khrap. - Consentiste.
Levantaste-te e dirigiste-te para a kitchenette. Estavas a abrir os sacos, quando olhaste para mim, hesitante. Percebi o que me querias perguntar e antecipei a minha resposta:
- Come tu. Eu não estou com fome. - E dirigi-me para o escritório.
Tinha comprado comida para os dois e, na verdade, era minha intenção jantar contigo. Mas aquelas palavras, não só me roubaram o apetite, como também arruinaram a atmosfera que eu havia projetado no regresso a casa.
Tentei concentrar-me nos papéis que tinha à minha frente, inclusive no teu contrato e registo académico. As informações batiam certo com as que eu tinha obtido informalmente alguns meses antes. Eras um bom aluno. Havias conquistado a bolsa de mérito e, apesar do aumento do número de faltas no penúltimo ano, conseguiste manter uma excelente média. Li algumas cartas de recomendações, nomeadamente duas de professores teus e outra do presidente da associação de estudantes. Todas elas faziam referência às tuas competências interdisciplinares e salientavam a forma hábil como mobilizas os conhecimentos teóricos na prática. Contudo, talvez mais impressionado, e até orgulhoso, tenha ficado com a representação que tanto professores como colegas têm de ti, enquanto pessoa. Todos te veem como um jovem incrivelmente bem estruturado em termos de valores, atitudes e padrões de conduta. Sublinham o modo coerente como pensas, ages e te relacionas com os outros nos mais diversos domínios da vida social. Consideram-te uma pessoa justa e extraordinariamente solidária, que está sempre disponível para ajudar os mais frágeis, sem nunca denunciar a sua superioridade. É.... de facto, a humildade é a qualidade mais mencionada nas descrições que li a teu respeito. Questionei-me se eu me teria tornado numa pessoa melhor, se tivesse tido a tua educação. Mas rapidamente afastei este pensamento, até porque só intervindo no passado poderíamos achar uma resposta.
Arrumei todos os papéis que tinha sobre a secretária, inclinei a cadeira para trás e suspirei. Voltei a sentir uma enorme necessidade de beber. Levantei-me e fui ver que garrafas havia no armário. Tinha vinho do Porto, mas escolhi o whisky. Servi-o simples. Gosto dele com gelo, mas não quis ir buscá-lo ao frigorífico para não ter de me cruzar contigo. Não te queria ver.... pelo menos, enquanto não acalmasse a tempestade dentro de mim.
Enquanto bebia, revisitei mais uma vez o passado.
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Thirasak & Kiet - O Reverso Do Ódio
RomanceQuando Thirasak, um poderoso executivo da indústria automóvel na Tailândia, reencontra Kiet, o jovem que ele amou e odiou desde a infância, antigos sentimentos vêm à superfície. No passado, Thirasak, então conhecido como Niran, viu a sua vida destru...