**Thirasak**
Ouvi a porta abrir, ouvi a porta bater. Afundado em arrependimento, não me pude mover. Aquele mantra que eu te ensinei quando ainda eras apenas um menino indefeso, quinze anos mais tarde foi usado contra mim. Lavei o rosto tantas vezes, à procura de bom senso e compreensão. Mas quando finalmente chegaram, já era tarde demais. Saí à tua procura, desesperado por redenção. Mas os meus esforços foram em vão, não te encontrei em nenhum lugar. A solidão e os remorsos envolviam-me como uma sombra. Fui ao dormitório, o senhor da recepção disse que já há muitos dias que tu não aparecias. "Pois, isso já eu sabia porque ele esteve sempre comigo," pensei eu.
- Maldito Chor Muang! - Maldisse quando cheguei ao carro e dei um valente pontapé numa das portas.
Encostei-me na chapa de aço fria e pus-me a refletir. O Chor Muang que tu me deste tinha exatamente o mesmo sabor do suposto Chor Muang da Pa'Noon. Será que ela me mentiu todos estes anos dizendo que era ela que fazia esta iguaria? Tinha de confirmar, mas desejava veementemente descartar essa possibilidade. Entrei no carro e de imediato segui para a casa da Pa'Noon, localizada numa cidade próxima, Ayutthaya. Ela já não trabalhava connosco há um ano. Tinha-se reformado. Quando cheguei à sua casa modesta, com paredes de madeira envelhecida e uma varanda que convidava a momentos de contemplação, fez-me pensar que não precisava de mais para ser feliz contigo, Nong Kiet. Era de madrugada, mas a ansiedade de obter uma resposta fez-me ignorar uma regra dos bons costumes e, por isso, bati à porta. Logo chegou à minha beira, ainda em trajes noturnos, e incrédula segurou-me o rosto com as duas mãos enrugadas para ter a certeza de que era realmente eu.
- Khun noo? - Perguntou com a voz trémula de emoção.
Eu respeitosamente fiz-lhe um wai, pois sempre a tive como uma mãe, até mais que a minha progenitora.
- Sawatdee Pa'Noon.
- Entre, menino. A casa é sua. - Convidou.
No interior, móveis simples e rústicos criavam uma atmosfera acolhedora.
- Menino, mas o que o traz por cá, a esta humilde casa? - Perguntou curiosa e um tanto aflita. Se fosse uma visita meramente por cortesia, nunca seria àquelas horas.
- Pa'Noon, posso saber quem é que fez os Chor Muang todos estes anos? - Perguntei, tal era a pressa de obter uma resposta.
Olhou-me com um olhar culpado e, por fim, confessou:
- Foi a mãe do menino. Sua mãe pediu a Pa'Noon para dizer que era eu quem fazia.
Ela apercebeu-se que eu já desconfiava e que só queria a confirmação. Continuou:
- Todos os anos, ela entregava-me uma dúzia pelo portão da casa grande, à exceção do último ano da sua vida. Quem fez e levou foi o Nong Kiet. Lembra-se do Nong Kiet? - Perguntou.
Quando a Pa'Noon me fez essa pergunta, despi a minha armadura e desabafei, mesmo sabendo que ela não estava ao corrente da avalanche de sentimentos que nutria por ti:
- Pa'Noon, eu quero perdoar o Nong Kiet por ter-me traído, mas não consigo. Até hoje ele esteve sempre presente em mim, mas eu para ele não fui nada. Na casa de Chiang Mai, partilhamos tantos momentos de cumplicidade inesquecíveis, quando ainda éramos crianças. Como é que nenhum deixou saudades para Nong Kiet? Como?
Agarrei-me a Pa'Noon, igual quando era criança.
Pa'Noon, num tom de admiração, contou-me:
- Khun Niran, Pa'Noon pensou que os vossos caminhos não se iam voltar a cruzar. Look, ouve o que a Pa'Noon tem para te dizer.
Continuou:
- O Nong Kiet não tem qualquer lembrança do que se passou antes de ter caído após o castigo.
Fiquei petrificado à espera de mais.
- Quando o levaram de casa, fizeram-lhe exames à cabeça e descobriram que a queda provocou um traumatismo cranio...cranio... Como era mesmo o nome? - Perguntou para si própria.
- Crânioencefálico? - Tentei adivinhar, ainda abalado.
- Isso, khun noo, crânioencefálico, mais propriamente uma lesão no hipocampo. O que levou à perda de memória.
Caí de joelhos, desesperado, e levei as mãos à cabeça. Um sentimento avassalador de culpa atingiu-me, como se todo o peso do mundo tivesse desabado sobre mim naquele instante.
- O que eu fiz?! O que eu fiz ao meu Nong Kiet?!
Desesperado, comecei a bater no meu próprio rosto como forma de penitência. Pa'Noon ficou assustada com minha atitude, incapaz de compreender a intensidade do meu remorso.
- Pa'Noon, fiz-lhe muito mal. Fiz muito mal ao meu Nong Kiet!
Agarrei-me a ela num choro compulsivo e acrescentei:
- Niran ama Nong Kiet, Pa'Noon! Niran ama verdadeiramente Nong Kiet!
- Look, se Pa'Noon soubesse, tinha-lhe dito antes. Pa'Noon não gosta de vê-lo sofrer assim.
Pa'Noon começou a enxugar as minhas lágrimas e ao mesmo tempo disse:
- Look, procura Nong Kiet e abre o teu coração. Na?!
Olhei para ela com ar desesperançado e disse:
- Não sei onde procurar.
- Pois a Pa'Noon sabe.
Fiquei animado. Quando vieram para Bangkok por causa do tratamento hospitalar para a sua mãe, eles tiveram de vender a casa em Chiang Mai.
- Isso já sei. - Interrompi e voltei a entristecer.
- Tem calma, look. - Continuou:
- Continua lá a morar a vizinha deles. Chama-se Kaew. Era a única pessoa com quem a sua mãe se dava e com quem podia contar.
Agradeci a Pa'Noon com uma vénia até aos seus pés. Ela foi uma verdadeira luz na minha vida. Ao longo de 14 anos, ela dedicou-se incansavelmente e esteve sempre ao meu lado na ausência da minha mãe. A sua presença constante e seu amor incondicional foram um bálsamo para minha alma. Sempre que precisei de apoio, ela estava lá, pronta para ouvir-me, aconselhar-me e confortar-me.
Quando me levantou, muito atrapalhada, impulsionou-me:
- Vá menino. Vá logo buscar o Nong Kiet.
Sorri e despedi-me apressadamente para logo seguir para Chiang Mai.
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Thirasak & Kiet - O Reverso Do Ódio
RomanceQuando Thirasak, um poderoso executivo da indústria automóvel na Tailândia, reencontra Kiet, o jovem que ele amou e odiou desde a infância, antigos sentimentos vêm à superfície. Anos antes, Thirasak, então conhecido como Niran, viu a sua vida desmor...