Capítulo 7 - Rendido

107 4 0
                                    

Já o sol se punha quando decidi que havia chegado o momento.

Removi o varão da cortina e nele amarrei, mesmo no centro, a corda improvisada com os lençóis e toalhas. Em seguida, coloquei-o no parapeito interior da janela. Encostei o ouvido à porta, para me certificar de que ninguém se aproximava. Estava tudo em silêncio. Olhei com atenção para o jardim. Não vi ninguém. Olhei para baixo e vi que, apesar da altura não ser superior a 6 metros, eu só poderia descer com os pés apoiados na parede até meio, já que a casa, que combinava uma arquitetura moderna com o estilo tradicional da cultura Lanna, assentava em robustos pilares, todos eles fora do meu alcance. "Tem de ser agora", pensei. Atirei a amarra pela janela, avancei para o lado de fora, dei três fortes esticões para verificar se o varão estava estável e, por fim, comecei a descer. Assim que pude apoiar os pés no friso, respirei fundo uns segundos, para em seguida os desamparar e largar a corda. Alcancei o chão sem me magoar e quase sem fazer barulho nenhum.

Olhei para ambos os lados e não vi ninguém.

A área circundante parecia que não era cuidada há anos. Fiquei surpreendido com o contraste entre o requinte do quarto e o estado do jardim. As plantas haviam crescido tão desenfreada e descontroladamente, que este mais parecia uma floresta, lar das mais diversas espécies de aranhas e serpentes. Apesar destes pensamentos, achei que atravessar a densa vegetação seria a melhor opção. Embrenhei-me, então, por entre as plantas. Abria caminho apenas com o auxílio dos braços. Subitamente, fui invadido por um sentimento estranho. Tive a sensação de já ter vivido aquela experiência, de já ter sentido o cheiro que aquelas folhas libertavam à medida que as movia, de já ter sentido o toque daqueles ramos, caules e raízes debaixo dos meus pés, de já ter receado um encontro inusitado com algum rastejante. Entretanto, gotas grossas e dispersas de chuva começaram a cair. Procurei despachar-me, com medo de que a qualquer momento dessem pela minha ausência. Mas parecia uma tarefa impossível. Em poucos minutos passei três vezes no mesmo lugar, sem saber como. Quando a chuva começou a cair com maior intensidade, acelerei ainda mais o passo. Parei no mesmo instante em que ouvi vozes a aproximarem-se.

- Pob, tu vais por ali e eu vou por aqui! - Ordena um homem em plena corrida.

Nisto, alguém aponta a luz da lanterna na minha direção e grita:

- Está ali!

Comecei, então, a correr com o coração a acompanhar o ritmo das pernas. Caí, arranhei-me e cortei-me, mas não sentia dor. Não podia deixar-me apanhar. Já confundia a agitação das folhas que ia deixando para trás com os passos e sombras dos perseguidores. Corri sem parar até chegar àquele homem.

-Parece que eu te subestimei, dek noi! - Disse Thirasak, assim que choquei contra ele.

Eu estava cansado. E, sem margem para dúvidas, eu era menos forte do que ele. Todavia, talvez pelo efeito da adrenalina, puxei o braço atrás e apliquei-lhe um soco na cara. Ele não caiu, mas ficou atordoado e sem reação. Aproveitei para correr para longe daquela criatura. Corri alguns metros, até me esbarrar com dois seguranças que logo me apontaram as armas. Consciente de que havia perdido a batalha, coloquei as mãos ao alto em sinal de rendição.

O Thirasak retirou umas algemas do bolso do "Rochedo" e dirigiu-se até mim. Aproximou a sua boca do meu ouvido, mordeu-me subtilmente o lóbulo da orelha e, antes de me lançar aquele seu sorriso maquiavélico, sussurrou-me:

- Dek noi, portaste-te mal! Qual vai ser o teu castigo?

Algemou-me com as mãos atrás das costas e fez sinal aos seguranças para que guardassem as armas.

Fiquei aturdido com todo aquele cenário. Até àquele momento eu via o Thirasak como um psicopata, um tarado, como alguém que não olhava a meios para possuir o que desejava. Mas ali, naquele jardim, vendo-o rodeado de seguranças armados, comecei a pensar se eu não estaria nas mãos da máfia. Não é segredo nenhum que no país há vários grupos de crime organizado, com diferentes propósitos, que operam em várias províncias. Este poderia ser um desses grupos, talvez um ligado ao tráfico humano. "O Thirasak parece ter perfil para comandar uma quadrilha dessa natureza", cogitei.

Entretanto, o "Rochedo" aproximou-se e perguntou:

- Khun Thirasak, levámo-lo outra vez para o quarto?

- Não. - E, lançando-me um olhar que expressava tanto desejo como desprezo, acrescentou - Preparem o carro! Vamos para Krung Thep (forma abreviada do nome oficial por que é conhecida a capital da Tailândia entre os tailandeses e que significa: Cidade dos Anjos).

Thirasak & Kiet - O Reverso Do Ódio  Onde histórias criam vida. Descubra agora