capítulo 37 - O Par do Sapato

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Felizmente eu tinha na mochila uns snacks de algas , uns noodles e duas garrafas de bebidas refrescantes à base de água de coco. Tinha comprado para a viagem de Chiang Rai.
Foi a primeira vez que ambos comemos noodles sem água a ferver.
Comemos e voltamos para o nosso colchão, para o nosso ninho de amor.
Como não tínhamos roupa de cama agasalhámo-nos bem com a roupa que eu trazia na mochila e uma camisola que ele tinha trazido na mala do carro.
Ficava-lhe mesmo bem um estilo casual. Verdade seja dita, Pi fica bem com qualquer estilo.
Estava uma noite um pouco fria.
Para nos aquecermos mais deitámo-nos de conchinha. Pi abraçava-me.
Como é bom o seu instinto protector.
O sono não nos chegava. Talvez pelo o acumular de acontecimentos.
Lembrei-me da minha..isto é, da mãe de Pi. Havia algo que me deixava intrigado.

- Pi , por que é que .. - Não tive coragem de continuar. Tinha medo de ferir os seus sentimentos.

- Nong Kiet, podes perguntar o que quiseres..mesmo que seja sobre a minha mãe. - Incentivou-me. Claramente o nosso nível de telepatia é fora do normal.

- Pi, o meu pai foi amante da tua mãe? - Perguntei a medo.

- Ela fugiu convosco, certo? Respondeu com uma pergunta.

Não satisfeito continuei :

- O teu pai não fez nada para impedir?

- Não. Só chorava. - Disse com pesar.

- Pi, não estou a perceber. Era mulher dele e ele deixou-a ir?

- A minha mãe nunca foi casada com o meu pai era só mia noi ( companheira / amante ). Disse mantendo o seu tom penoso.

- Ela casou-se com o meu pai. Eles se apoiavam um ao outro e entendiam-se muito bem. No entanto,
desde que me lembro nunca vi a terem qualquer tipo de intimidade que um casal tem. - Continuei :

- Houve alturas que até duvidei ser fruto do amor deles. Apesar de ter sido criado com muito amor pelos dois. - Arrependi-me do que disse porque aquele amor materno que recebi durante tantos anos, deveria ter sido de Pi por direito.

Ele como não dizia nada, agarrei-lhe o braço e virei um pouco o rosto. Queria ver alguma reacção de parte dele.

Ele abraçou-me mais forte e disse:

- Nong Kiet, fico feliz de saber que foste amado e muito bem educado. - Reconfortou-me.
Eu é que deveria reconfortá-lo.
Senti também que ao dizer isto era como um pedido para acabar com aquele tema.
Continuei com as dúvidas suscitadas.
Encostei-me mais ao seu peito. O calor e o perfume que exalava do seu corpo era como um poderoso relaxante para mim. Logo adormeci inebriado.
O sol nascera.
Quando acordei, encontrava-me na mesma posição. Pi dormia. Não o queria acordar,por isso fiz o menor ruído possível e saí do quarto.
Levava na mão um pacote de noodles que tinha sobrado. Queria acender o fogão a lenha da cozinha para aquecer a água. Só tinha um pacote mas era todo para o Pi.
Comecei a descer as escadas em direcção à cozinha.
Ao lado tinha dois quartos degradados que eu não tinha entrado no dia anterior.
O primeiro , tinha uma cómoda ainda com pertences, femininos.
O segundo , apesar do pó e teias, pareceu-me intacto, como se tivesse havido guerra e que tiveram de abandonar à pressa com o perigo de cair uma bomba.
Ao investigar, vislumbrei uma foto na mesinha de cabeceira. Era eu, o meu pai e a minha verdadeira mãe? Claro que era ela. Eu via-me nela. Como é que me ocultaram a minha própria mãe?
De repente, como clarões, eu comecei a ver a sua imagem num jardim. Estava numa cadeira com uma manta sobre as pernas.
Abracei a foto a chorar e disse como se me estivesse ouvir:

- Mae, Kiet koh tor. Kiet esqueceu-se de si.
Mae, Kiet koh tor. - Lamentei.

Aquele era decididamente o meu quarto.
Estava lá uma roupa e um sapato.
Soprei o pó do sapato.
Quando vi as suas características lembrei-me de andar a correr pela floresta e perder um sapato..O PAR DESSE SAPATO.


Thirasak & Kiet - O Reverso Do Ódio  Onde histórias criam vida. Descubra agora