Capítulo 16- Any

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- Você quer mesmo fazer isso?- Minha mãe pergunta do meu lado.

- Manda ver.- Digo observando meu reflexo no espelho.

- Não precisamos raspar tudo, podemos deixá-lo curto.

- Mãe, meu cabelo está caindo mais rápido do que a chuva quando o céu escurece. Uma hora não vai ter mais cabelo.

- Você está certa, eu só não acho que deva agir por impulso e tirar tudo, pode não gostar do resultado.- Tento inalar fundo observando meu reflexo uma última vez no espelho.

- Vamos lá pai, daqui a pouco aparece alguém para me levar para a quimio.

Escuto a máquina ser ligada e fecho os olhos, sinto meu pai beijar o topo da minha cabeça antes de passar a lâmina pelos meus fios. Fico nervosa quando ele termina a primeira passada, posso ouvir o zumbido correndo por dentro da minha cabeça.

Meu pai continua, minha mãe segura a minha mão em algum momento. Quando crio coragem para abrir os olhos, é no momento em que não sinto mais a máquina sendo passada em minha cabeça mas ainda a ouço ligada. Meus olhos lotam de lágrimas quando vejo a cena pelo espelho, meu coração acelera e não entro em pânico.

- Papai.- Sussurro.- Você não precisa fazer isso.

Mas ele continua fazendo e limpando seus cabelo conforme passa a máquina por sua cabeça. Minhas mãos tremem junto com um soluço que meu pai solta, eu quase posso ver a dor em seus olhos enquanto termina de deixar os seus fios ralos.

- Isso não é justo.- Murmuro quando ele volta a passar a máquina por meu cabelo, as lágrimas transbordando de meus olhos.- Não é justo que vocês estejam sofrendo comigo. Nada disso é justo.

- Poucas coisas na vida são justas, pequena. Você ter que enfrentar isso não é uma delas, mas olha só, ficamos gatos, eu adquiria o corte.- Meu pai diz abaixando para que seu rosto fique ao lado do meu.

- Não era para você ter feito isso com o seu cabelo.- Sussurro observando nossa imagem no espelho.

- Se eu tivesse que fazer isso para sempre, eu faria para sempre sem reclamar.

★★★

Escuto o som da risada infantil entrando no quarto, mas permaneço com os olhos fechados.

- Shii, Any está dormindo.- Josh sussurra.

- É só acordar ela, papai.- Clara diz no mesmo tom de voz.

- A gente volta mais tarde quando ela estiver acordada, tudo bem? Ela precisa descansar.

- Mas você me prometeu que eu ia poder ver ela hoje.

- Eu sei princesa, tenho certeza que Any não vai demorar para acordar.

- Papai...

- Eu acho que ouvi princesa em algum lugar.- Sussurro virando meu corpo.

- Você acordou!- Clara grita se debatendo para sair do colo do pai.

- Filha, o que eu disse sobre você gritar no hospital?- Josh pergunta se aproximando da maca.

- Que é feio e chateia as pessoas doentes.

- Muito bem, então a partir de agora sem gritos, ok?- Diz sentando ela no colchão.

- Tudo bem, papai. Oi Any!

- Oi princesa. Como você está hoje?

- Muito feliz, teve bolo de chocolate na minha escola e eu comi dois pedaços e brinquei muitão. Aí o papai foi me buscar e disse que você queria me ver e agora eu estou aqui.

Cartas ao amanhecerOnde histórias criam vida. Descubra agora