Apoio as mãos no mármore da pia, minhas pernas estão trêmulas, quase sem força o suficiente para me manter em pé. Jogo água em meu rosto e nuca, escovo os dentes e faço um gargarejo para tirar o gosto amargo da boca, é a quinta vez de hoje.
Observo meu reflexo no espelho, a falta de cor em meu rosto que ainda tem água pingando pelo queixo. As bochechas antes preenchidas parecem secas que quase consigo ver meu osso, diferente do meu pescoço para baixo que é só o que consigo ver. A saboneteira na minha clavícula mais marcada do que era antes e meus braços que antes eu reclamava por achar que estava em excesso agora quase posso contornar meus dedos ao redor dele. As falhas presente no topo da minha cabeça, tufos de cabelo nascendo e caindo em seguida, as unhas que antes eu gostava de deixá-las longas e pintadas, agora são curtas por estarem frágeis e moles.
Tento me conformar que estou assim por tudo que vem acontecendo nos últimos meses, mas não posso deixar de sentir falta de como meu corpo era antes. Nunca achei que a imagem da morte seria bonita de qualquer maneira.
- Por que insiste em levantar quando vai vomitar?- Josh pergunta aparecendo no espelho.
- Porque é nojento vomitar no balde e consigo dar alguns passos até o banheiro.
- Quer que eu finja que não estou vendo o esforço para estabelecer as pernas?- Pergunta se aproximando.
- Estou bem.- Murmuro.
- Vou trocar o remédio para enjôo, aparentemente seu organismo se acostumou com o que está tomando agora.- Diz colocando as mãos em meus cotovelos.
- Meu organismo não entende mesmo o que é bom ou ruim para ele.
Josh fica me olhando pelo reflexo do espelho, está me ajudando a ficar em pé com menos força. Começo a sentir vergonha, ele já me viu antes, sabe que eu jamais optaria por ficar desse jeito. Sabe que se eu pudesse estaria com os olhos brilhando como antes.
- Não leve o espelho tão a sério.- Sussurra passando a mão por meu braço.- A doença fica aparente demais, você tem que saber que é mais do que só um rostinho bonito.
- Eu só queria poder olhar pra mim e poder sentir um pouco de paz, mas quando me vejo só sinto angústia.
- Vamos subir.- Diz tirando suas mãos de mim.
- Subir?
-A noite está linda, tenho certeza que vai amar a vista lá de cima.
- Você não pode ficar parando de trabalhar assim Josh.
- Não estou mais trabalhando, já fizemos a troca de turnos.
- Eu preciso avisar a minha mãe, ela vai chegar aqui e não vai encontrar ninguém.
- Sua mãe está resolvendo as coisas para você poder sair da UTI, temos tempo.
- Então acho que podemos ir.- Digo caminhando até a maca.
- Só temos um problema.
- Que seria?
- Não dá para ir o percurso inteiro com a cadeira, você vai ter que dar alguns passos a mais do que só para o banheiro.
- Se você acha que vale o esforço, só vamos doutor.
Parece que seus olhos brilham orgulhosos pela minha decisão. Se ele soubesse o quanto é cansativo querer fazer algo e não poder por estar fraca demais.
★★★
- Aonde vocês dois pensam que estão indo?- Noah pergunta ao entrar no elevador e apertar o botão do segundo andar.
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Cartas ao amanhecer
FanfictionNunca sabemos quando a nossa vida pode mudar. Às vezes acontece do dia para a noite, em um piscar de olhos. A vida nos causa pegadinhas que não podemos contornar. Em um dia um namoro perfeito, a faculdade dos sonhos, a família ideal. Any Gabrielly...