Capítulo nove

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Cassian percebeu o exato momento em que ela entrou na sala. Não pôde canalizar a atenção onde realmente desejava, pois precisava passar algumas informações importantes do projeto para uma das voluntárias. Mas seus pensamentos ousaram se dividir em caminhos opostos.

Naquela noite Nestha dormiu poucos minutos depois da conversa que tiveram. Ele mesmo já sentia suas pálpebras pesadas, mas viu quando ela, envolvida na inconsciência, deslizou no chão e deitou a cabeça na sua perna. Lembrava perfeitamente dos cabelos castanhos-dourados espalhados em suas coxas como uma pintura. Depois disso ele não ousou fazer nenhum movimento brusco, apenas pegou a jaqueta e a cobriu como uma manta, deixando-se levar pelo sono também.

Agora ele ansiava por mais daquilo, mais conversas profundas e despretensiosas, mais contato entre seus corpos que as paredes do armário trancafiaram. Ele quase sentiu a maciez dos lábios carnudos, em um gesto tão natural e tão consciente assim que abriu os olhos pela manhã. Por alguns segundos ele nem mesmo lembrava o lugar onde estava, ficou concentrado somente no rosto de Nestha e no desejo absurdo de beijá-la.

Mas levou a frustração para casa e a carregou como um fardo pesado por todos os lugares no último dia. Ele não esqueceu da distância declarada que Nestha colocou entre eles quando se afastaram do zelador. No entanto, observando-a do outro lado da sala antes da reunião, a vontade de tocá-la surrupiou todas as suas tentativas de esquecer. Precisava disso, tanto que o consumia.

Teria atravessado a sala até ela, mas um idiota apareceu no caminho.

Eris é um chute no meu saco, Cassian praguejou por dentro. Ele queria parecer menos rabugento ao vê-los interagir, mas não conseguia ser indiferente. Nestha estava interessada nele de verdade?

Ficou aliviado quando ela se afastou, mas ele deixou escapar um pequeno vislumbre do desprazer que sentia, antes de tirar a vista. Mesmo assim, ele checou a hora no relógio do pulso e decidiu começar a reunião.

Reunidos nas cadeiras, eles debateram os próximos passos que dariam em relação às atividades no orfanato. Os alimentos, produtos de higiene e brinquedos arrecadados seriam levados na semana seguinte. Nesse dia também começariam parte da reforma.

— Tudo certo com as tintas e todos os materiais que vamos precisar? — Cassian perguntou.

— Sim — a voluntária com a prancheta respondeu. — Compramos tudo. Acho que não temos pincéis suficientes, mas vou providenciar.

— Obrigado, Roslin — ele se voltou para o grupo. — Então é isso! Muito obrigado, pessoal. Nos vemos na próxima.

Todos se levantaram e algumas pessoas continuaram na sala para organizar as cadeiras. No canto dos olhos Cassian viu quando Eris chegou perto de Nestha. Ele ficou em silêncio durante a reunião, sem comentários jocosos e inconvenientes. Teria achado estranho se não tivesse notado o tédio enchendo as linhas do seu rosto. Contanto que ele não atrapalhasse o projeto, Cassian estaria tranquilo.

Mas infelizmente não estava tranquilo quanto a carcaça dele se jogando em cima de Nestha.

— Vou ficar aqui — a ouviu dizer.

— É? Por quê?

— Não te devo explicações, Eris.

Cassian fez o possível para domar a curvatura nos próprios lábios, obviamente sem sucesso. Eris não gostou muito da resposta e franziu o cenho descontente, antes de emitir um até mais azedo e sair. Ao mesmo tempo que a satisfação o preencheu, Cassian também teve um vislumbre de preocupação. Eris não era o tipo de cara que aceitava a indiferença das mulheres, ele se achava a porra de um deus do Olimpo. Seu único conforto era saber que Nestha tinha força o suficiente para enfrentá-lo, mas uma parte dele constatou que continuaria atento.

O laço que nos une | NessianOnde histórias criam vida. Descubra agora