Capítulo 1

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P.O.V Gabriela Muniz

Trago forte o cigarro e solto a fumaça devagar. Não sou de fumar, não gosto. Mas acho necessário quando os problemas me sufocam a ponto de me fazer esquecer como se respira. Essa data sempre me fode, é sempre uma merda. Mas não quero a piedade de ninguém, não preciso disso e o meu próprio consolo me basta. Não quero falsas palavras pra me consolar. Demorei muito pra fazer esses caras entenderem quem eu sou, e não é uma data idiota que vai fazer eles enxergarem meu lado mais frágil.

- Gabriela? - Ouvi meu nome ser chamado e respirei fundo antes de me virar. - Tio 'tá te chamando, disse que é importante. - Caio, um dos que trabalham pro Tio, disse e virou novamente em direção as escadas.

Importante. Foda-se se é importante, eu odeio ser incomodada. Eu quero que todo mundo se foda, mas que me deixem terminar a porra do meu cigarro em paz. Mas, respirei fundo e levantei. Não estou a fim de entrar em estresse nenhum com o Tio, principalmente hoje.

Raspei na parede o cigarro que ainda estava na metade, e joguei a bituca em direção à rua. Limpei as mãos na calça e caminhei sem muita pressa a porta de emergência que leva ao interior do lugar. Ótimo jeito de começar o dia. Adentrei o corredor de madeira e quando cheguei em frente a enorme porta dupla bati duas vezes antes de entrar.

Recebi o peso do olhar do Tio e então, ele fez menção para que eu sentasse na cadeira a sua frente.

- Caio disse que te encontrou fumando lá em cima. - Ele falou no mesmo segundo em que sentei. Apenas concordei com a cabeça. - Você odeia cigarro, Gabriela. Eu te conheço o suficiente pra saber que você não está bem hoje. - Dou um sorriso fraco em resposta.

- Você sabe que dia é hoje? É claro que eu não estou bem! Hoje fazem 10 anos que eu sou a porra de uma orfã, caralho. - Deixo meu estresse falar por mim. O Tio não esboça nenhuma reação, apenas me encara.

- Não é bom que te vejam assim, melhor ficar por aqui hoje. - Tio fala se referindo a negociação que estamos prestes a fazer.

- Não! - Respondo rapidamente. - Não, estou bem o suficiente para saber separar as coisas. - O observo levantar da cadeira e ajeitar o terno.

- Assim espero! - Essa é a última coisa que ele diz antes de me deixar sozinha.

Há 10 anos atrás eu tive a pior notícia da minha vida. Eu estava na escola quando a diretora me chamou até a sala dela, sua expressão estava confusa, com medo. Eu lembro até hoje. Tinham três homens lá, estavam de terno preto e expressão séria, e ao lado deles estava o Tio. Eu conhecia o Tio, tinha memória dele em algumas reuniões de família, ou quando meu pai me lavava ao parque, e ele estava lá nos esperando.

A expressão de todos era indecifrável, eu só tinha 13 anos na época e não entendia nada do que estava acontecendo ao meu redor. Ou melhor, eu não precisava entender, até me darem a notícia de que meus pais haviam sido mortos. Tio teve essa conversa comigo aqui, nessa mesma sala. Ele não poupou as palavras ao dizer que meus pais foram assassinados por uma facção rival, e que tudo isso que eu vivi não passava de um teatro. Que meu pai era um traficante ligeiro e minha mãe era sua cúmplice. E por isso eles foram mortos, eles eram alvo dessa facção há muitos anos, era uma questão de tempo.

Eu demorei para assimilar tudo, demorei anos. Principalmente para entender que o futuro perfeito que eu imaginava, jamais ia existir. Eu estava tão empolgada, naquele dia eu estava contando para as minhas amigas que eu iria ter dois irmãos, gêmeos. Minha mãe havia descoberto que eram um menino e uma menina há algumas semanas atrás. E de repente, eu não tinha mais nada. Tiraram tudo de mim.

Desde então, Tio é a única coisa que posso chamar de figura paterna. Ele me deu casa, comida, carro. Fez questão que eu concluísse meus estudos e então, me apresentou ao mundo em que supostamente meus pais viviam. No início eu era cercada por seguranças, e mesmo na escola, eu sabia que estava sendo vigiada. A amargura fez com que eu me mantesse sozinha, não fiz questão de amizades e namorados igual as outras garotas. Eu só queria que tudo voltasse ao normal.

Mas foi quando eu matei a primeira pessoa que eu me dei conta de que nunca mais poderia voltar atrás. De que nunca mais a minha vida seria a mesma e eu precisava encarar esse fato. Fiquei mal por dias, mas não demonstrei isso a ninguém além do Tio. Ele me convenceu de que o cara era um ninguém, era sujeito ruim e que se eu não o matasse, eu é quem estaria morta agora.

Talvez fosse melhor assim.

Balancei a cabeça espantando os pensamentos e alisei o jeans tentando me recompor. Tio tem razão, não podem me ver assim. Hoje será uma negociação importante. Tio fechou uma parceria com uma facção de outro país, eles tem melhores drogas e nós os melhores armamentos. Ambos saem ganhando, e hoje seria a conversa definitiva para fechar ou não negócio.

Eu preciso estar presente.

La Máfia com Filipe Ret • By ToryOnde histórias criam vida. Descubra agora