4 - Zeus

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Dia 15 depois do apagão

8:00 da manhã

Lauren

Abri a porta da loja e entrei, coloquei o arco sobre o balcão, e percorri os corredores até achar o que estava procurando. Peguei o chocolate, que ainda não tinha vencido e iria demorar para tal, e saí da loja de novo, levando o arco comigo e prendendo ele no ombro, junto da bolsa de flechas.

Meu pai me ensinara a usar um arco, quando era criança, por ser uma arma silenciosa, perfeita para a caça.

Andei pela rua, descendo ela, abrindo meu chocolate e colocando um pedaço na boca. E foi quando escutei.

Tinha um som ali... Um som metálico. Franzi o cenho e parei, olhando em volta. Como era possível aquele som, se não tinha ninguém no mundo? Discretamente, não fosse alguém ter sobrevivido, meus olhos olharam cada canto, cada esquina, mas sem nada ver. Não tinha nada ali.

Decidi que não seria nada grave, provavelmente algo que estava ficando sobrecarregado de energia, por falta de manutenção e estivesse a pontos de quebrar.

Vi, mais na frente, um carrinho de cachorro quente e me aproximei, sorrindo.

- Seria muita sorte, né? - Falei.

Assim que cheguei junto o suficiente, percebi que minhas esperanças tinham sido em vão. O carrinho estava vazio. Bufei. Girei e olhei em redor, mas depois percebi algo junto do carrinho, no chão.

Era uma pulseira de homem, negra, de couro, com um pedaço metálico por cima, com o desenho de duas armas, cruzadas.

Sorri, era legal. Coloquei ela no pulso e prendi.

Levantei e foi quando vi ele.

De pé, afastado alguns metros, estava um cachorro enorme. Um pastor alemão, macho, adulto, me olhando.

Meio curvada, abri um pouco os braços e olhei ele, me movendo devagar.

- Oi amigão, tudo bem? Calma, sim? Não vou fazer mal para você.

O cachorro continuava me olhando e, quando tentei dar um passo em frente, ele me rosnou, mostrando seus dentes enormes.

- Tá, se fosse eu faria a mesma coisa. - Peguei a faca do cinto, pelo sim, pelo não. - Tem fome? Olha só.

Devagar, tirei a mochila do ombro e abri, tirando um pedaço enorme de presunto e retirando o plástico envolvente. O cachorro se lambeu e eu sorri.

- É, eu sei que tem fome. - Coloquei o pedaço no chão, por cima do plástico e me afastei, sentando no passeio. - Toma, come aí.

O cachorro parecia desconfiado, mas se aproximou, cheirando e lambendo, antes de começar a comer.

Sorri e apoiei os braços nos joelhos. - Viu? Eu sou legal. - Negue com a cabeça. Eu estava falando com um cachorro. - Viu alguém por aí? Temos vizinhos novos? Não? É, já imaginava. Parece que essa cidade não é boa para viver. Se vir alguém, me avisa tá. - Suspirei, olhando em volta.

Ele terminou de comer e ficou me olhando.

- Tem sede? - Tirei uma garrafa de água da mochila, abri e coloquei um pouco na mão. - Vem cá, tem de ser assim, se quiser beber.

Aos poucos, ele se aproximou, cheirando minha mão e bebendo a água. Bebeu toda a garrafa e depois sentou no chão.

Sorri e estiquei a mão, fechada, na sua direção, esperando uma mordida. Ele cheirou minha mão, me olhou, e depois bateu com a cabeça na minha mão, colocando a língua para fora e olhando para o lado.

- Você me deixa tocar em você! - Fiz carinho na cabeça dele e depois procurei alguma identificação, mas ele apenas possuía uma coleira, sem nome. Mordi o lábio olhando ele.

Meu pai iria me matar se eu levasse ele lá para casa, mas quem se importaria? Era um cachorro, uma companhia, além de nós dois. Respirei fundo, acariciando o pêlo do cachorro.

- Qual seu nome, hein? - Perguntei. - Deixa eu ver... Boris? Não, parece nome de vampiro e a gente já vive em um mundo estranho o suficiente. Hum... Joshua! Não, também não. Já sei! - Segurei sua cabeça entre as minhas mãos e sorri. - Zeus!

O cachorro, entendendo ou apenas agradecendo a comida, lambeu meu rosto e eu ri, soltando ele, que se aproximou de mim e começou a querer brincar, pulando e me lambendo o rosto.

- Tá, já entendi que gostou, pára com isso!

Levantei e ele colocou as patas para cima, apoiando na minha barriga. Fiz carinho nele e depois respirei fundo.

- Só temos de convencer o velho Bill. Mas você vai gostar dele. - Coloquei ele para baixo e me afastei. - Vem, vamos para casa.

Enquanto percorria a rua deserta, fiquei pensando em como, de repente, o mundo parecia menos solitário. Já não era apenas eu e meu pai, agora tínhamos o Zeus. Depois lembrei de algo sinistro.

Se nada mudasse no mundo atual, iria chegar o dia em que meu pai morreria e seria apenas eu... Agora eu e Zeus... Olhei o cachorro, farejando algo na minha frente, confortável o suficiente para confiar em mim. O mundo era uma merda, mas agora já era exagero.

- Zeus. - Chamei.

Ele me olhou, mais na frente, e depois correu para mim.

Entrei numa loja de animais e peguei um carrinho, percorrendo os corredores e enchendo o carro com comida de cachorro, brinquedos, champô... Tudo o que pudesse ser útil para Zeus.

Peguei dois bonecos, um deles tão feio que dava até dó, e mostrei para ele.

- Qual prefere?

Zeus farejou os dois e pegou o boneco horrível. Revirei os olhos.

- Claro que seria esse. Vamos.

Saí da loja, empurrando o carrinho e olhei para uma foto de uma mulher, por cima do balcão da loja. Ergui a mão.

- Coloca tudo na conta. - E saí.

Respirei fundo, sentindo o sol queimando minha pele.

Pela primeira vez em 15 dias, me sentia melhor. Toda aquela situação estava me deixando ansiosa e todas as noites eu tinha pesadelos horríveis com aquele dia em que tudo desmoronara na minha frente. Tinha vezes que eu acordava aos gritos, acordando Bill. Além disso, e apesar de eu tentar desvalorizar quando meu pai falava isso mesmo, eu sabia que tinha mudado desde aquele dia. Mas também, quem não mudaria, vendo o mundo acabar na sua frente? Vendo pessoas simplesmente caindo mortas no chão? Aviões caindo dos céus?

Fosse o que fosse que acontecera, iriamos sobreviver. Nós e Zeus.

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