Lauren
- Um prisioneiro? Um prisioneiro, Lauren?!
Revirei os olhos.
Estávamos sentados na frente da mesa, na nossa cozinha, e eu tinha um pé em cima da cadeira, com o joelho tocando no meu peito. Murphy estava sentado, de pernas afastadas, braços cruzados sobre o peito e olhando meu pai.
Bill andava de um lado para o outro, esbravejando por eu ter trazido um desconhecido para casa, ainda por cima um prisioneiro.
- Nem sabemos o que ele pode fazer!
Murphy franziu o cenho e fez uma cara de quem não entende nada. - Não vou fazer nada. - Disse, como se fosse demasiado óbvio.
Eu ri e Bill me olhou. - E você ainda ri!
- Pai, olha á sua volta. - Abri os braços. - Ele vai fazer o quê? Nos roubar? Tem bancos cheio de dinheiro, lá fora, lojas cheias de jóias, casas de gente rica, vazias!
Bill cruzou os braços. - E se ele for algo pior que um ladrão?
Olhei Murphy, que me olhava, e depois de novo para o meu pai.
- Sério que você não lembra dele?
- O quê?
Suspirei. - Eu não entendi, lá fora, quando achei ele, mas depois, aqui, percebi de onde achava ele familiar. A gente viu ele na televisão, foi o rapaz que condenaram pela morte da namorada, que chamou a policia e que estava coberto de sangue, segurando um corpo sem vida, na frente da casa.
Murphy olhou o chão, cerrando o maxilar, e eu soube que estava certa. Eu fixara aquele cara pelo ar de desespero que ele tinha na tv, pelo choro dele, em pânico, segurando a namorada contra o peito. O olhar dele, azul igual o céu das Maldivas que todo mundo via nas fotos de viagens, havia chamado minha atenção pela dor que apresentavam.
- Como pode ter tanta certeza? - Perguntou meu pai.
Olhei Murphy, levantei e peguei no braço dele, que me olhou, pego de surpresa.
- Hey! - Disse.
Olhei nos seus olhos. - Cala a boca. - E puxei a manga da jaqueta para cima, olhando meu pai. - Lembra? Uma Winchester no braço esquerdo. A gente comentou isso naquele dia.
Bill olhou o braço dele e respirou fundo.
Coloquei a manga para baixo e soltei o braço dele, regressando para a minha cadeira e encarando meu pai.
- Ele não tem motivos para fazer o que quer que seja. - Insisti. - Ele pode ter, literalmente, tudo, agora. Não tem policia, não tem lei, nada!
Meu pai me olhou. - Ele matou uma mulher, Lauren. Havia provas.
Murphy riu sem vontade. - Só minhas impressões digitais na arma, porque eu fui burro o suficiente para pegar nela, mas quando fizeram os testes para resíduos de pólvora nas minhas mãos, eu estava limpo.
Bill riu. - E foi acusado mesmo assim.
Murphy suspirou. - Alegaram um monte de merda e o juiz mandou me prender.
- Pai. - Chamei a atenção dele. - Eu não trouxe ele por lembrar quem ele era. Olha para ele! É um humano! Vivo! A gente viveu 20 dias, 20 dias achando que não existia mais ninguém nesse mundo. Ele está aqui.
Bill assentiu. - E como isso é possivel, já pensou?
Revirei os olhos. - Não sei! Seja razoável.
- Seja você. - Bill indicou o homem sentado na nossa cozinha. - Nem sabemos o que aconteceu.
Cruzei os braços. - É, e ele é um alien.
Murphy riu discretamente, de cabeça baixa, olhando o chão, e eu temi que meu pai percebesse, pois isso não iria ajudar as chances do prisioneiro. Mas depois lembrei de uma coisa que talvez ajudasse.
- Além disso, ele pode ajudar.
Os dois me olharam, sem entender nada.
- Ajudar? - Perguntou o meu pai.
Sorri. - Ele estava na prisão, certo? De Segurança Máxima, ora, eles têm geradores, bastantes. E espaço para mais geradores de substituição que a gente poderia pegar por aí.
Bill lançou as mãos para o alto e girou, andando até á janela e regressando.
- Aí já é demais! - Colocou as mãos abertas sobre a mesa, se inclinando na minha direção. - Quer viver em uma prisão?!
Ergui a mão, contando pelos dedos. - Comida armazenada e espaço para armazenar mais. Geradores e espaço para colocar mais quando aqueles morrerem... Tem tudo lá. Armas, a proteção dos muros...
- Não tem ninguém no mundo. - Disse Murphy.
- Cala a boca. - Falei.
- Ora, só estou comentando que a segurança não importa. Além disso, eu passei 10 anos da minha vida naquele lugar.
Olhei ele e sorri, o rosto da inocência. - Ótimo, assim já conhece os cantos da casa. - Olhei meu pai. - Não tem que ser para já, mas pode, ao menos, pensar no assunto?
Bill olhou para mim e depois para o Murphy, que olhava ele e deu de ombros. Então, respirou fundo e estreitou os olhos, encarando o prisioneiro.
- Se você tentar alguma coisa, uma coisinha que seja, contra mim, a minha filha ou até o Zeus, garanto que vai passar a ser como as pessoas que estão lá fora!
- Mas, elas estão mortas. - Disse Murphy.
- Exato. - Disse Bill, e saiu da cozinha.
Respirei fundo e olhei para baixo.
- Ele é foda.
Olhei Murphy. - Cala a boca. Credo, não sabe ficar calado? - Passei a mão pelo cabelo.
Ele indicou a porta com a mão. - Porque parece que é você quem decide tudo?
Olhei ele, estreitei os olhos e levantei. - Porque sim.
Saí na rua, com Zeus me seguindo como uma sombra.
Respirei fundo e olhei o céu, depois sentei na grama e Zeus sentou do meu lado. Coloquei o braço sobre ele e ele lambeu meu rosto.
- Sabe? Não entendo mais nada. Não sei mais o que pensar.
Zeus colocou a língua para fora.
Sorri. - Murphy é um idiota, né? - Olhei o cachorro. - E se existirem mais por aí? E se alguém tiver sobrevivido?
Fiquei ali com o cachorro durante mais algum tempo e depois levantei, fazendo ele levantar também, pulando e girando, latindo. Sorri e fiz carinho nele e depois bati com a mão nas pernas, chamando ele para dentro de casa.
Murphy estava agora sentado no sofá e me olhou.
- Cadê meu pai? - Perguntei.
Ele indicou o andar de cima. - Subiu. Escuta, você lembrava mesmo?
Entendi o que ele estava perguntando e assenti. - Juntei as peças pelo caminho, não apenas aqui. - Dei de ombros. - E sim, seu caso chamou minha atenção.
Ele assentiu, parecendo pensar.
- Vamos fingir que eu acredito na sua inocência. - Falei e estiquei a mão para ele apertar.
Murphy olhou minha mão e depois para mim. Depois de alguns minutos, ele esticou a mão e apertou a minha.
- Sou a Lauren Caine.
Murphy me deu um sorriso pequeno.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Legado
Ciencia FicciónO mundo parou. Todos morreram. Do nada, as pessoas deixaram de respirar, caíndo como se estivessem adormecidas... Todos menos Lauren e o seu pai. Sozinhos em uma cidade fantasma, Lauren e Bill têm de sobreviver ao que parece ser o fim dos tempos, em...