Murphy
A água quente caía pelo seu corpo, enquanto ele permanecia ali, com as mãos apoiadas na parede, meio inclinado na frente.
As noites eram a pior parte do seu dia. Todas as emoções, todas as lembranças, todas as dores surgiam á noite, atormentando sua mente. Todos os dias.
Ergueu a cabeça, sentindo fios de água escorrendo pelo seu rosto. Aquilo nunca iria ter fim, era assim desde que vira Mary deitada em uma poça de sangue, desde que o juiz falara a palavra "culpado".
Escutou a porta abrindo e uma voz cantando, enquanto alguém entrava.
- Oh meu Deus, desculpa!
Murphy sorriu e fechou a água, girando e pegando a toalha, que colocou na cintura, vendo Lauren de costas para si, com suas coisas nos braços.
- Sério, Murphy, foi mal. - Disse ela. - Normalmente a essa hora não tem ninguém aqui, estão todos dormindo.
- Tá tudo bem. - Disse ele. - Até parece que era freira.
Quase conseguia ver a cara que ela deve ter feito.
- Não, né? Mas... Quer dizer...
Ele passou a mão pelo cabelo, fazendo gotas de água saltar em todas as direções.
- Tá, pode virar, está tudo bem agora.
Lauren virou e ele viu que ela ficara olhando sua barriga e seu peito. Lauren nunca vira ele sem camisa, até porque Murphy evitava tirar na frente das pessoas. Suas cicatrizes eram medonhas, assustariam qualquer um.
Deu de ombros. - Não são bonitas, eu sei. - Falou, fazendo olhá-lo nos olhos.
Lauren respirou fundo. - Eu... Não...
- Você não sabia. Não se preocupa, estou acostumado a essa reação. As enfermeiras e os enfermeiros da prisão, e até mesmo alguns policiais, costumavam fazer essa cara.
Lauren franziu o cenho. - Foram eles? Quer dizer, foi aqui?
Murphy assentiu e Lauren mordeu o lábio.
- Desculpa, estar aqui de novo deve ser horrível.
Murphy negou. - Sabe que não? Agora é diferente. Tem vocês e, bom, todos eles estão mortos.
Lauren se aproximou. - Tem mais?
Murphy ficou olhando ela. Que raio de pessoa era ela? Aquelas cicatrizes já eram horríveis e ela ainda queria ver as outras?
Devagar, ele girou, ficando de costas para ela e escutou ela prendendo a respiração. Olhou a parede, sabendo que, apesar de menos horríveis, aquelas eram em maior número. Girou de novo e sorriu.
- Não. Sem pena, vai.
Lauren sorriu, um sorriso pequeno.
- Lamento, de verdade.
Ele franziu o cenho. - Pelo quê?
- Pelo que fizeram com você. E imaginar que você era inocente...
Murphy riu. - Você acreditaria na minha inocência?
Lauren passou a língua pelos lábios.
- É... Talvez.
- Quando me viu na tv, me achou inocente?
Ela fechou os olhos. - Assim de cara, não. - Abriu de novo.
Ele assentiu. - Exatamente. Então porque acha, agora?
Ela franziu o cenho. - Você não é?
Murphy sorriu. - Sou, sim. Não matei ninguém, pode dormir tranquila. - Indicou a porta. - Vou indo, fica á vontade.
Se afastou, pegando suas roupas e decidindo se vestir na cela. Mas assim que chegou na porta, a voz de Lauren fez ele parar e olhá-la.
- Murphy.
Ele a olhou, esperando.
- Boa noite.
Ele sorriu. - Boa noite, ruiva.
E saiu, fechando a porta e seguindo na direção da sua cela.
Subiu as escadas e viu que Jared estava no poleiro, olhando o nada, com os braços apoiados na barra de metal.
Indicou ele com a cabeça. - Desfile de modelos?
Murphy sorriu abertamente. - Inveja, é?
- Nem perto.
Murphy sorriu. - Lauren apareceu, não tive tempo de botar a roupa.
Jared franziu o cenho e Murphy riu.
- Boa noite, caçador. Sonha comigo.
- Pfff. - Jared, com uma expressão furiosa, entrou na sua cela.
Murphy riu e entrou na sua, puxando a cortina para baixo. Jared não ia dormir na torre? Enfim.
Colocou suas coisas em cima da cama nova e trocou a toalha por roupa intima e calça. Preferia dormir com menos roupa possível, mas tendo em conta que tinha uma adolescente por ali, Muprhy dormia de forma apresentável, apenas sem camisa.
Deitou na cama e olhou pela janela.
Sentia falta de Mary, todos os dias. Mas tinha uma família, agora e gostava deles. Até mesmo do idiota do Jared, o menino bonito que protegia a Ashley como se fosse do seu sangue.
Respirou fundo e colocou um braço atrás da cabeça.
Ele fazia questão de que ninguém visse suas cicatrizes, e saber que, agora, Lauren sabia... Era estranho. Não que ela fosse surtar, porque ele sabia que a garota era forte o suficiente para aguentar isso e muito mais. Mas não deixava de ser estranho.
Lauren era uma amiga, uma ótima amiga, e era como se as marcas no seu corpo fosse algo intimo, que não se sai por aí, mostrando para ninguém.
Bom, mas Jared também vira e nem comentara. Mas mesmo que comentasse, Murphy estava nem aí. Jared tinha cara de quem já vira coisas piores.
- Murph.
Ele pulou de susto ao ver uma sombra junto da cortina e sentou na cama.
- Credo, Caine, endoidou de vez?
Lauren sorriu e entrou na cela, sorrindo e sentando na beira da cama. Vestia roupa de treino, larga, e seu cabelo molhado, caía pelas suas costas e ombros, parecendo uma cascata de fogo.
- Desculpa, de verdade. - Indicou seu peito. - Eu não vou comentar com ninguém.
Murphy riu. - Jared viu.
- O quê?
- Ele estava no poleiro.
Lauren assentiu e olhou o chão, depois mordeu o lábio e olhou ele.
- Eu sei que você é inocente. - Deu de ombros. - Não sei como, mas apenas sei.
Murphy sorriu. - Valeu. Nesse mundo já não importa, mas obrigada.
Lauren ficou ali um tempo, dois segundos, olhando ele e depois levantou.
- Vou dormir. - Sorriu.
- Vai ficar bem? - Perguntou ele.
Ela assentiu. - Claro. E... Importa sim, sabe? Sempre importa.
Lauren saiu da cela e Murphy respirou fundo, deitando de novo e colocando uma mão sobre a barriga.
Era legal alguém acreditar nele. Era diferente ter alguém que não o olhava com aquele tipo de olhar que as pessoas lançavam a criminosos. Alguém que o tratava de forma igual a qualquer outro.
Isso era bom.
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Legado
Science FictionO mundo parou. Todos morreram. Do nada, as pessoas deixaram de respirar, caíndo como se estivessem adormecidas... Todos menos Lauren e o seu pai. Sozinhos em uma cidade fantasma, Lauren e Bill têm de sobreviver ao que parece ser o fim dos tempos, em...