18 - Inocente

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Murphy

A água quente caía pelo seu corpo, enquanto ele permanecia ali, com as mãos apoiadas na parede, meio inclinado na frente.

As noites eram a pior parte do seu dia. Todas as emoções, todas as lembranças, todas as dores surgiam á noite, atormentando sua mente. Todos os dias.

Ergueu a cabeça, sentindo fios de água escorrendo pelo seu rosto. Aquilo nunca iria ter fim, era assim desde que vira Mary deitada em uma poça de sangue, desde que o juiz falara a palavra "culpado".

Escutou a porta abrindo e uma voz cantando, enquanto alguém entrava.

- Oh meu Deus, desculpa!

Murphy sorriu e fechou a água, girando e pegando a toalha, que colocou na cintura, vendo Lauren de costas para si, com suas coisas nos braços.

- Sério, Murphy, foi mal. - Disse ela. - Normalmente a essa hora não tem ninguém aqui, estão todos dormindo.

- Tá tudo bem. - Disse ele. - Até parece que era freira.

Quase conseguia ver a cara que ela deve ter feito.

- Não, né? Mas... Quer dizer...

Ele passou a mão pelo cabelo, fazendo gotas de água saltar em todas as direções.

- Tá, pode virar, está tudo bem agora.

Lauren virou e ele viu que ela ficara olhando sua barriga e seu peito. Lauren nunca vira ele sem camisa, até porque Murphy evitava tirar na frente das pessoas. Suas cicatrizes eram medonhas, assustariam qualquer um.

Deu de ombros. - Não são bonitas, eu sei. - Falou, fazendo olhá-lo nos olhos.

Lauren respirou fundo. - Eu... Não...

- Você não sabia. Não se preocupa, estou acostumado a essa reação. As enfermeiras e os enfermeiros da prisão, e até mesmo alguns policiais, costumavam fazer essa cara.

Lauren franziu o cenho. - Foram eles? Quer dizer, foi aqui?

Murphy assentiu e Lauren mordeu o lábio.

- Desculpa, estar aqui de novo deve ser horrível.

Murphy negou. - Sabe que não? Agora é diferente. Tem vocês e, bom, todos eles estão mortos.

Lauren se aproximou. - Tem mais?

Murphy ficou olhando ela. Que raio de pessoa era ela? Aquelas cicatrizes já eram horríveis e ela ainda queria ver as outras?

Devagar, ele girou, ficando de costas para ela e escutou ela prendendo a respiração. Olhou a parede, sabendo que, apesar de menos horríveis, aquelas eram em maior número. Girou de novo e sorriu.

- Não. Sem pena, vai.

Lauren sorriu, um sorriso pequeno.

- Lamento, de verdade.

Ele franziu o cenho. - Pelo quê?

- Pelo que fizeram com você. E imaginar que você era inocente...

Murphy riu. - Você acreditaria na minha inocência?

Lauren passou a língua pelos lábios.

- É... Talvez.

- Quando me viu na tv, me achou inocente?

Ela fechou os olhos. - Assim de cara, não. - Abriu de novo.

Ele assentiu. - Exatamente. Então porque acha, agora?

Ela franziu o cenho. - Você não é?

Murphy sorriu. - Sou, sim. Não matei ninguém, pode dormir tranquila. - Indicou a porta. - Vou indo, fica á vontade.

Se afastou, pegando suas roupas e decidindo se vestir na cela. Mas assim que chegou na porta, a voz de Lauren fez ele parar e olhá-la.

- Murphy.

Ele a olhou, esperando.

- Boa noite.

Ele sorriu. - Boa noite, ruiva.

E saiu, fechando a porta e seguindo na direção da sua cela.

Subiu as escadas e viu que Jared estava no poleiro, olhando o nada, com os braços apoiados na barra de metal.

Indicou ele com a cabeça. - Desfile de modelos?

Murphy sorriu abertamente. - Inveja, é?

- Nem perto.

Murphy sorriu. - Lauren apareceu, não tive tempo de botar a roupa.

Jared franziu o cenho e Murphy riu.

- Boa noite, caçador. Sonha comigo.

- Pfff. - Jared, com uma expressão furiosa, entrou na sua cela.

Murphy riu e entrou na sua, puxando a cortina para baixo. Jared não ia dormir na torre? Enfim.

Colocou suas coisas em cima da cama nova e trocou a toalha por roupa intima e calça. Preferia dormir com menos roupa possível, mas tendo em conta que tinha uma adolescente por ali, Muprhy dormia de forma apresentável, apenas sem camisa.

Deitou na cama e olhou pela janela.

Sentia falta de Mary, todos os dias. Mas tinha uma família, agora e gostava deles. Até mesmo do idiota do Jared, o menino bonito que protegia a Ashley como se fosse do seu sangue.

Respirou fundo e colocou um braço atrás da cabeça.

Ele fazia questão de que ninguém visse suas cicatrizes, e saber que, agora, Lauren sabia... Era estranho. Não que ela fosse surtar, porque ele sabia que a garota era forte o suficiente para aguentar isso e muito mais. Mas não deixava de ser estranho.

Lauren era uma amiga, uma ótima amiga, e era como se as marcas no seu corpo fosse algo intimo, que não se sai por aí, mostrando para ninguém.

Bom, mas Jared também vira e nem comentara. Mas mesmo que comentasse, Murphy estava nem aí. Jared tinha cara de quem já vira coisas piores.

- Murph.

Ele pulou de susto ao ver uma sombra junto da cortina e sentou na cama.

- Credo, Caine, endoidou de vez?

Lauren sorriu e entrou na cela, sorrindo e sentando na beira da cama. Vestia roupa de treino, larga, e seu cabelo molhado, caía pelas suas costas e ombros, parecendo uma cascata de fogo.

- Desculpa, de verdade. - Indicou seu peito. - Eu não vou comentar com ninguém.

Murphy riu. - Jared viu.

- O quê?

- Ele estava no poleiro.

Lauren assentiu e olhou o chão, depois mordeu o lábio e olhou ele.

- Eu sei que você é inocente. - Deu de ombros. - Não sei como, mas apenas sei.

Murphy sorriu. - Valeu. Nesse mundo já não importa, mas obrigada.

Lauren ficou ali um tempo, dois segundos, olhando ele e depois levantou.

- Vou dormir. - Sorriu.

- Vai ficar bem? - Perguntou ele.

Ela assentiu. - Claro. E... Importa sim, sabe? Sempre importa.

Lauren saiu da cela e Murphy respirou fundo, deitando de novo e colocando uma mão sobre a barriga.

Era legal alguém acreditar nele. Era diferente ter alguém que não o olhava com aquele tipo de olhar que as pessoas lançavam a criminosos. Alguém que o tratava de forma igual a qualquer outro.

Isso era bom.

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