Capítulo 10

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Da janela de seu quarto encarava as flores do jardim que se abriam para o primeiro dia de primavera. Aquelas flores eram tão belas quanto a jovem que encontrara na noite anterior. Olhou para o céu límpido e imaginou o rosto da garota, queria poder estar com ela novamente. Certamente estaria ocupada agora cuidando dos afazeres do palácio. Afinal ela era uma de suas criadas. Yuexiu. Repetiu mentalmente o nome dela.
Seus pensamentos foram interrompidos no instante em que percebeu a presença de Fan Lihua de guarda na porta silenciosamente. Nem notara quando ela havia chegado.
- Está aí há muito tempo?
- Hum. Não muito - disse pensativa. - Eu cheguei quando você estava distraído observando o jardim.
- Basicamente desde o começo então - falou se sentindo um pouco envergonhado.
Lihua sorriu da forma como ficava tímido sempre que deixava passar despercebido a presença dela.
- Não se apegue aos detalhes - zombou em tom de brincadeira. - Você parecia bastante concentrado.
Foi a vez dele de sorrir. Mal conseguia esconder o quanto estava feliz.
- É que...eu conheci uma garota.
Os dois se entreolharam. Lihua não esboçou nenhuma reação ainda incrédula. Os olhos de Shizhen brilhavam como os de uma criança.
- Você o quê!? Como!? - exclamou e sua voz ecoou pelo quarto. Rapidamente ela recompôs sua postura.
- Eu esbarrei com ela aqui no palácio ontem, ou talvez seria melhor dizer que ela esbarrou em mim - sorriu lembrando da cena.
- Ela era alguma convidada do imperador?
- Não - respondeu um pouco hesitante. - Ela... é uma das criadas do palácio.
Seu rosto se tornou mais sério, tinha consciência de que gostar de uma plebeia não era algo aceito pela sociedade em que viviam. Com uma expressão estarrecida, Lihua caminhou até ele.
- Lorde Shizhen, mais isso... - disse apreensiva.
- Eu sei o que está pensando. Tem razão, mas eu não sou o único - entendia agora os sentimentos de Yi por Daji.
- O que quer dizer?
Era um assunto que seu irmão teria que resolver sozinho, Shizhen não contaria a ninguém sobre isso. Ignorando a sua pergunta, prosseguiu com a conversa.
- Irei precisar da sua ajuda.
- Lorde Shizhen, você não está pensando em...
- Por favor. Só dessa vez - pediu com um olhar suplicante que Lihua não resistia dada a história de como se conheceram.
Lihua era a filha do comandante das tropas do palácio com uma guarda imperial, ela tinha o mesmo sonho da mãe. Porém seu pai nunca permitiu que se juntasse à eles pois queria vê-la em segurança. O comandante Fan Rongyuan não conseguia esquecer a triste lembrança de que sua esposa morrera em seus braços após uma invasão ao palácio. Não desejava o mesmo destino para a filha. No entanto, ela herdara o gênio da mãe.
Quando seu caminho cruzou com o de Shizhen durante um treinamento, ele prometeu ajudá-la. Usando de sua influência como lorde, ele confrontou o comandante ordenando que ele fizesse de Lihua sua guarda pessoal. Mais aliviado por estar dentro das mediações do palácio, Rongyuan concordou sabendo que ela não correria tantos riscos.
Convivendo juntos há oito anos, ela nunca foi capaz de negar um pedido seu quando fazia aquela expressão. Suspirando, ela balançou a cabeça transigindo.
- Só dessa vez.

O doce perfume das flores à fazia lembrar do jardim que tinha em sua mansão. Com a rosa em que espetara o dedo nas mãos, Yuexiu deu um longo suspiro tedioso. A ponta de seu dedo ainda latejava, mas nada doía mais naquele momento do que a saudade que sentia da vida que levava em sua província. Pensou em Yingge e em como essa situação era difícil para ele também. Iria precisar de muitas doses de coragem para encontrá-lo novamente. Tão logo estariam se preparando para comparecer ao festival de primavera.
Em que parte do palácio ele estaria? Se ao menos ela conseguisse vê-lo mais uma vez. Talvez fosse a dose certa de coragem que precisasse, ou talvez fosse ousadia demais. Yuexiu tentaria a sorte, o que poderia dar errado afinal?
Daji sentou-se próxima à ela despertando de seus pensamentos. Desde que voltara na noite anterior ainda não haviam conversado sobre o assunto.
- Como está a movimentação lá dentro?
- As criadas que o imperador mandou estão preparando o vestido e os enfeites que a senhorita usará.
- Por que isso tinha que ser tão problemático? Cheio de compromissos e encontros com nobres - reclamou Yuexiu.
Era quase impossível de acreditar que três meses passariam tão rápido e suas vidas mudariam tanto. À essa altura já estavam começando a se acostumar com a calmaria tediosa do palácio.
Yuexiu sabia que com o fim do inverno, ela teria novos desafios pela frente. Seu dedo antes latejante agora se tornava em uma dor suportável, apesar das pequenas gotas de sangue que ainda insistiam em cair.
- O que aconteceu? - perguntou assustada examinando o machucado em seu dedo que só então Daji percebera.
- Não foi nada demais.
- Nada demais? A senhorita nem se preocupou em parar o sangramento!?
- Ah - disse colocando o dedo na boca sugando o sangue.
- Não!! - exclamou, mas era tarde demais. Yuexiu às vezes conseguia ser bem descuidada. Daji cuidaria disso depois para que não infeccionasse. - Deixa pra lá.
Analisando a expressão de Daji, Yuexiu ponderava em como contar à ela dos acontecimentos da noite passada.
- Algum problema?
- Na realidade não acho que seja um problema - disse ajeitando uma madeixa que soltara do seu penteado.
- Zheng Yuexiu, o que você está escondendo de mim? - indagou com os olhos semicerrados.
Ela abriu um sorriso travesso. O único momento em que Daji a chamava pelo nome era quando Yuexiu estava aprontando. Sua dama de companhia sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Seja lá o que estava se passando pela cabeça de sua senhorita, certamente seria algo arriscado.
- Eu acho que estou gostando de alguém.
- Não me diga que é do lorde Yi!? - perguntou assustada com a possibilidade.
- O quê!? Não.
- Ah - falou mais tranquila para segundos depois se dar conta de que isso era ainda pior. - Espera. Se você não está falando do príncipe das trevas, então, de quem a senhorita está gostando? - sua expressão apreensiva voltou.
- De um guarda que conheci aqui no palácio na noite anterior.
- Tem certeza de que não está interessada pelo lorde Yi?
- Tenho. A gente não é compatível em nenhum aspecto.
Por pior que fosse a possibilidade, ela preferia que sua senhorita estivesse apaixonada por alguém que sua classe permitisse se envolver. Mesmo que também amasse esse alguém.
- Yuexiu você não pode deixar isso acontecer - havia perdido totalmente o senso de formalidade na conversa.
- aconteceu. Você deveria estar feliz por mim - sua voz soou um pouco desapontada. - É a primeira vez que me sinto assim.
- Exatamente. Como você pode ter tanta certeza dos seus sentimentos? - Daji temia toda aquela convicção de Yuexiu.
- Por que eu senti aqui - disse com a mão sobre o peito. - Sinto como se um pedaço do meu coração tivesse ficado com ele.
- Yuexiu...
- Sei que sou jovem e inexperiente, e é muito cedo mas... por favor, só me permita sentir um pouco dessa felicidade - pediu com os olhos marejados.
Ela tinha razão. Nunca se permitira nada além de uma aventura fora dos muros. O amor dos seus pais era o único sentimento que conhecia, e agora tinha a chance de viver um. Seria tão mais fácil se ela amasse o lorde Yi. Mas não foi para ele as primeiras batidas rítmicas do coração de Yuexiu. O estrago já havia sido feito, ela não podia julgá-la pois estava na mesma situação. A contragosto Daji faria o que ela pedisse.
- Eu a apoiarei. Mas saiba que se formos descobertas seremos acusadas de traição ao império - e lá se ia a promessa feita à si mesma de que manteria Yuexiu longe de confusão.
- Eu tenho ciência disso, mas estou disposta a correr esse risco - estava mais confiante agora que tinha o apoio de Daji.
- O que a senhorita quer fazer? - com sua calma recém recuperada voltou ao formalismo.
- Desejo poder encontrá-lo.
- Certo. E qual é o nome do tal guarda?
- É Shizhen.
- Shizhen - repetiu tentando memorizar. - Procurarei por entre os guardas.
- Espera. Ele não sabe quem eu sou.
- Ele... não sabe? - o que era ruim ainda podia piorar afinal.
- Não. Não tive coragem de dizer, ele pensa que sou uma das criadas.
- Que bagunça. Tudo bem, eu darei um jeito.
- Obrigada.

Precisaria de um novo plano para continuar próximo de Daji, porém suas ideias eram muito infantis. Sentado em um canto no salão central viu seu irmão todo contente se aproximar.
- Qual o motivo de tanta alegria?
- Eu o invejo - respondeu sentando de frente para ele. - Queria estar casado igual você e a primeira cunhada. Sorte a sua Yi.
- Sorte!? - falou com um tom de voz que indicava que seu irmãozinho só podia estar louco. - Fique com ela para você então.
- Não. Não. Eu já encontrei a garota com quem quero me casar.
- Encontrou? Do que está falando?
- Ela também é uma plebeia. Uma criada do palácio.
- Bom, siga em frente. Nossa família está cheia de ambiciosos por obter aquilo que não nos é permitido a começar por nosso pai. Não seríamos os primeiros - seu leve sorriso de lado era de desprezo à todas as regras que tinham que seguir nome da honra da família imperial.
- A convidarei para um encontro quando a vir novamente.
- Vá com cuidado. Você é um lorde não poderá se expor aqui no palácio.
- Ela não tem conhecimento disso.
- Melhor assim, mantenha isso em segredo.
- Sim eu o farei.
- O festival de primavera está iniciando, terei que encontrar com aquela garota em breve.
- Ela é sua esposa. Você não tem curiosidade em conhecê-la?
- Não. Ela se casou com o império Wu. Não há nada entre a gente além de um contrato de benefícios.
- É por isso que o irmão Yi casou com a herdeira da mansão Zheng?
- O pai me impingiu este casamento, nenhum de nós poderia recusar. Agora parece que tenho uma refém extra nas minhas mãos.
- Entendo.
- Mas não se preocupe comigo. Vá procurar a garota - aconselhou Yi.
- Está bem, eu irei.

Com um olhar distraído na imensidão do céu azul, Lihua tentava acessar em sua memória aquele nome. Com um barulho estridente, ela virou-se para trás um pouco entorpecida.
- Só podia ser você - disse calmamente apesar de seu coração estar acelerado.
- Quem mais ousaria? - sua pergunta não passava de provocação.
- Engraçadinho. Já que apareceu, eu queria mesmo te perguntar algo.
- Se deseja sair comigo, minha resposta é sim.
- Eu nunca sairia com um convencido como você.
- É uma pena - lamentou sarcasticamente. - O que era?
- Você conhece alguma criada nova chamada Yuexiu?
- Yuexiu? - repetiu pensando por um tempo. - Acho que não.
Não queria dar falsas esperanças à Lihua, o nome não lhe era estranho, mas não lembrava onde já havia escutado.
- Você sabe se entraram novas criadas para servir o palácio? - indagou dando continuidade ao interrogatório.
- Não. Pelo menos eu não presenciei nenhuma movimentação do tipo por aqui.
- Foi o que imaginei.
- Mas por que tanto interesse nisso?
- Coisa minha. Obrigada pela ajuda - despediu-se com um breve aceno.
Toda aquela história era bem intrigante e só confirmara o que já desconfiava. Não tinha nenhuma criada chamada Yuexiu. Nos últimos três meses ninguém de fora veio para o palácio. Ninguém exceto duas pessoas. Quando tivesse certeza contaria a Shizhen, por ora continuaria investigando.
Daji e Yuexiu teriam que se preocupar em como lidar com isso assim que a verdade fosse descoberta.

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