Capítulo 23

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Com um braço erguido para proteger os olhos, Bai se concentrava no caminho a sua frente tentando não esbarrar em nada que pudesse chamar a atenção do inimigo. Quanto mais andava, pior o cenário ficava. Ele se ajoelhou próximo ao corpo de um dos invasores e pegou o objeto que carregava em sua cintura com cautela e engatou na bainha de sua espada. Voltando a ficar de pé, iniciou uma caminhada silenciosa.
Os soldados do império Wu finalmente tomavam o controle da situação fazendo os rebeldes recuarem enquanto outros eram capturados. As mortes dos dois lados se tornava inevitável, com isso o salão ficava mais vazio e calado. A respiração de Bai era tomada por erupções de fumaça, e a cada nova inspiração de calor suas preocupações em relação a localização de Yi eram superadas pelo instinto natural que adquiriu de encontrá-lo.
Uma das cumbucas fora arremessada do outro lado do salão parando próximo de onde estava. Ele espreitou os olhos a fim de identificar com alguma nitidez a pessoa que o jogara e abriu um sorriso que despontava certo sarcasmo. Com toda a certeza ela se destacaria em qualquer ambiente usando aquelas roupas, a presença de Yi atrás dela se revelava aos poucos com a fumaça que se dissipava. Bai queria correr até eles, porém a luz que refletiu na lâmina da espada enfiada no peito de Jiahui o deteve ali.
O corpo inerte dela desabou diante de Yi que a segurou evitando a espada. A própria espada, que agora estava banhada do sangue de sua mãe. O guarda pessoal observou o homem se afastar ao perceber o erro que havia cometido, os outros dois também tomaram distância. O lorde ficou vulnerável sentado ao chão com a cabeça de Jiahui apoiada sobre suas pernas. Bai calculou o espaço criado entre eles e não restou dúvidas, puxou o objeto que pegara e lançou para o lado dos invasores e esperou.
Há alguns minutos dali, Daji estava segura cercada pelas paredes do abrigo, mas seu coração continuava a bater acelerado. A sala era ampla e comportava alguns convidados que foram conduzidos até lá. Ela se encolheu quando ouviu o barulho da explosão que fez a sala chacoalhar. Mesmo com a cabeça abaixada próxima ao chão, a luz das explosões ainda podiam ser vistas através das passagens de ar.
Na área externa do palácio, Bai não sabia se realmente aquilo funcionaria mas ficou contente de ter roubado aquelas bomba improvisada - provavelmente artesanal - do inimigo. O seu lorde ainda estava na mesma posição, talvez com alguns cortes dos resquícios da explosão, mas bem ou quase isso. Bai verificou primeiro se os três rebeldes haviam sido derrotados e depois foi para junto de Yi, que encarava a mãe.
O guarda pessoal desamarrou a faixa em sua cintura e apoiou um joelho no chão tirando uma peça de sua farda. Rápido e frio, com toda a sua experiência agarrou a lâmina e a puxou a jogando para longe. Jiahui deu um gemido alto apesar de não conseguir se mexer. Em seguida ele pressionou o tecido contra a ferida aberta.
- Segure. Eu irei buscar ajuda.
Por um momento, ela ficou só calada tentando respirar, deixando os pingos da chuva fraca fora de época lavarem o sangue sobre seu peito e a dor diminuir. Seus olhos azuis safira estavam ficando opacos e sem vida, mesmo a palidez em sua pele não apagavam a beleza dela.
- Você salvou a minha vida - ele disse com a voz rouca.
- Estamos quites então - respondeu fazendo uma longa pausa. - Você me salvou primeiro. Obrigada por me perdoar.
- Você é a minha mãe, eu não preciso perdoá-la mas sempre estarei disposto.
- Acho que essa foi a última vez - seu rosto se contorcia de dor.
- O que é isso? Você nunca fez o tipo dramática - brincou, e ela esboçou um sorriso.
Detestava admitir para si mesmo, mas sabia que não a veria mais sorrir daquele jeito. Seus olhos embaçaram e ele piscou algumas vezes para não deixá-las cair.
- Preciso que diga algo a Daji... - sua voz resfolegava, a última parte saia como um sussurro.
- É claro. Pode falar - Yi aproximou o seu rosto ao dela para que pudesse escutar o que dizia.
Seus dedos acariciavam o rosto gélido de sua mãe. Ela não sentia mais dor, não sentia mais nada. Seu coração petrificado e escabroso tinha parado de bater. Jiahui estava morta.
O seu guarda pessoal retornou acompanhado com uma das médicas do palácio, uma criada e mais dois guardas. O lorde ouviu passos e virou com uma expressão desolada no rosto encarando Bai. As lágrimas desenhando finas linhas pelas bochechas de Yi que se uniam em seu queixo. Ele então fechou os olhos, balançou a cabeça uma vez e se levantou, mas não antes de aconchegar a sua mãe nos braços da criada que em soluços tentava se controlar. Só agora Yi percebia que se tratava de Mei, a dama de companhia de Jiahui. Ele abriu um sorriso fraco e discreto, afinal, mesmo com a personalidade difícil haviam outras pessoas que a amavam também.
- Leve-a para o quarto e cuide do resto. Poderá se despedir melhor dela - disse com a voz oscilando.
A criada concordou. Um dos guardas carregou Jiahui enquanto o outro consolava Mei.
- Sente-se um pouco. Está machucado? - perguntou o olhando da cabeça aos pés. - O seu braço...
- Está quebrado - replicou.
- Você deveria pedir para alguém dar uma olhada.
- Nenhum corte superficial ou membro quebrado dói mais no momento do que morte da minha mãe, depois vejo isso - falou soando indiferença. - Como está Daji?
- Está segura no abrigo - falou em tom tranquilizante.
Yi sabia que algo tinha que mudar ou entraria em estado catatônico, suas mãos não paravam de tremer.
- Traga o imperador, Shizhen e o tio Cheng. Teremos que organizar esse campo de guerra antes que elas saiam.
- Claro. Alguns convidados já começaram a retornar para as suas províncias e vilarejos. A imperatriz Liang e o rei Wang também já foram. Cuidarei para mandar os pais da lady Yuexiu e da senhorita Daji para casa.
- Certo. Irei descobrir quem arquitetou o ataque e o farei se arrepender - disse cerrando os punhos.
Bai correu em direção aos corredores laterais, não sabia exatamente onde estavam mas contaria com sua intuição para encontrá-los. A atitude impensada de sair daquela forma causou uma dor excruciante em seu abdômen, a costela voltara a latejar. Ele cravou a ponta dos dedos na coluna de ônix e com a outra mão tateou o local da pontada, mas não havia mancha de sangue e nem corte. Bai deu uma risada de escárnio, sua fratura era interna. Teria que aguentar mais um pouco as dores lancinantes até que tudo fosse resolvido.
Ele ergueu a cabeça e enxergou no final do corredor o comandante Fan dando ordens para os que conseguissem ficar de pé conduzirem os feridos à ala médica. Bai se aproximou a passos lentos tentando se manter ereto e perguntou sobre o que Yi desejava saber.
Há alguns metros dali, o lorde examinava a sala minuciosamente procurando por um objeto que pudesse arremessar contra a parede. Ele encarou o braço esquerdo quebrado e desistiu da ideia, não queria dar tanta importância para isso agora mas não podia continuar ignorando a dor. E...céus como doía. Fazer qualquer movimento brusco só pioraria sua situação. Pouco tempo depois Bai apareceu acompanhando dos três. Lihua e o comandante foram com eles também. A sala do imperador parecia pequena com todos ali dentro.
- Yi... nós sentimos muito pelo o que aconteceu com sua mãe - disse Shizhen.
- Jiahui fazia o melhor que podia à sua maneira - consolou Fang.
Seu olhar encontrou o do irmão e do pai que estavam repletos de tristeza, mas a pessoa atrás deles roubou a atenção.
- Comandante Fan!? - disse Yi ao vê-lo ali.
- Ele tem algumas informações sobre a identidade de quem está por trás do ataque de hoje - disse Bai.
- O que descobriu? - quis saber Yi.
Eles se acomodaram nos assentos dispersos pela sala. Lihua e Bai permaneceram de pé, em guarda. O comandante se aproximou com um lenço na mão e o colocou sobre a mesa.
- São do norte, da província do império Dong.
Ao desdobrar o tecido, Yi viu o desenho de Ao Shun, o Rei Dragão do Mar Norte.
- Você disse império Dong? - perguntou Fang com uma expressão impossível de se ler.
Talvez estivesse com medo ou assustado ou nervoso. De qualquer forma estava claro que sabia quem era o responsável enquanto uma interrogação se fazia na cabeça de Yi. Havia mais coisa que seu pai não contara.
- Sim. Acredito que o imperador Yuan tenha ordenado o ataque - confirmou o comandante.
- O que o imperador do Norte tem haver com esse atentado? - questionou Shizhen.
- Tem algumas coisas sobre o passado que vocês não sabem - disse o comandante. - Acho que agora eles precisam saber.
Eles balançaram a cabeça concordando e Cheng falou primeiro.
- Há quatro principais reis dragões representando os quatro mares. Os quatro impérios mais poderosos estão localizados neles e dois deles pertencem a nós.
- A família Dong carrega o sobrenome de suas terras, o Oriente. O Rei Dragão do Mar Leste se chama Ao Guang, é onde o império Wen se ergueu depois de enganar Dong Yin, pai de Yuan. O velho Wen era muito ardiloso. Sua lábia fez com que conquistasse as tropas de Yin e usurpasse seu poder durante a guerra. Com os soldados que restaram eles construíram um novo império ao Norte. Ao Qin, o Rei Dragão do Mar Sul é onde estamos, o império Wu. Ao Run é o Rei Dragão do Mar Ocidental, é onde fica as terras da imperatriz Liang - falou o Fang.
Yi o encarava com o olhar cheio de perguntas mas permaneceu calado, esperando. Então Fang prosseguiu.
- Seu avô não era exatamente o homem mais honesto com suas palavras. Antes de eu conhecer a sua mãe, ela já estava prometida para Dong Yuan. O imperador Wen prometeu que devolveria as propriedades selando o casamento entre seus filhos, mas não foi isso que aconteceu. Ele ficou sabendo sobre Cheng e incitou os nobres a convencer nosso pai a o destituir e me nomear como herdeiro do império Wu. Ele planejou a minha união com sua mãe.
- Mas o que ele pretendia com o ataque? Vingança pelo o que aconteceu? Não fomos nós que o enganamos.
- Me desculpe. Vocês não tinham nada haver com isso - a voz de Fang soava instável.
- Não diga isso - confortou Cheng com a mão no ombro do irmão e em seguida olhou para Yi. - Provavelmente os motivos dele foram para atingir Fang.
- Porque? - perguntou de pé.
- Mesmo depois de ter casado com outra mulher, ele nunca esqueceu Jiahui. Yuan passou a odiar o seu pai por tomá-la dele e ainda por se tornar o imperador do palácio Wen - contou Cheng.
- Ele também estava por trás atentado que sofreu quando era criança mas nunca conseguimos provas concretas - disse Fang um pouco frustado. - Ia lhe revelar essas coisas quando se tornasse imperador
Yi ficou estático encarando Bai que salvara a sua vida naquele dia. Cerrando os punhos ele deu um soco na mesa com a mão direita, a única que conseguia mexer.
- Quanto tempo leva para chegar ao império Dong?
- O que está pensando em fazer Yingge? - perguntou Bai receoso.
- Não vá se meter em nenhum problema - pediu o pai.
- Não irei, prometo - respondeu por entre os dentes. - Bai, diga para Huang e SuLong que partiremos amanhã no final da tarde.
- Certo.
Todos já tinham saído e do lado de fora o frescor do início da manhã fazia a respiração pesarosa de Yi se acalmar. Ele caminhou pelos corredores que não foram atingidos, quando chegou ao salão principal viu o vestido rosa esvoaçante e seu coração se aqueceu. Yi correu até ela e contou que não pode ir procurá-la porque estava em reunião com os outros.
Ela olhou a mancha de sangue em sua barriga mas as palavras não saíam.
- Não. Não é meu - tranquilizou ao perceber.
- Que alívio - disse o abraçando e ele gemeu.
Ela o soltou no ato para encará-lo.
- Calma. É só o braço, eu meio que quebrei ele - tentou não preocupá-la.
- Quebrou!? - perguntou sem saber se devia ou não tocar.
- Está tudo bem - disse dando um sorriso fraco.
- Onde está a sua mãe? Eu perguntei aos guardas mas ninguém me respondeu.
Ele sentou e deu batidinhas leves no chão para que sentasse entre as suas pernas.
- Foi um dia difícil hoje - um nó na garganta se formava. - Era para ser o dia mais feliz de nossas vidas mas houve o ataque e as perdas que tivemos, a destruição de parte do palácio e... minha mãe e-ela... morreu.
Seus olhos tão azuis não cintilavam mais como antes, as lágrimas que ameaçavam cair a qualquer instante fazia a tristeza que se abateu em seu rosto partir seu coração. Ela pensava que já tinha presenciado todas as emoções que o orgulhoso Yi podia demonstrar, mas lá estava ele em seu estado mais frágil. Enquanto processava as palavras Daji o puxou para um abraço, Yi se deixou ser envolvido pelos braços e retribuiu apertando forte evitando o braço quebrado.
- Sinto muito - conseguiu falar através das lágrimas. - Eu deveria ter vindo mais cedo.
Apesar de não ter tido uma boa relação com Jiahui, conhecia a dor de perder uma mãe. Yi a afastou um pouco para poder encará-la e dizer as últimas palavras da mãe. Ela disse que a aceitava como esposa de seu filho desde o começo porque diferente de Yuexiu, Jiahui via o quanto Daji o amava de verdade. Mas os nobres nunca permitiriam que essa união acontecesse e para que eles não a maltrassem, ela preferiu os separar antes que eles machucassem Daji. A revelação a fez chorar ainda mais e Yi esperou até os soluços dela pararem, ele precisava se acalmar também.
- Precisamos descansar e vocês precisam comer. Mais tarde terei que sair.
- Aonde vai?
- Não é nada demais, em seis dias estarei de volta. Há algo que preciso resolver.
Ela não sabia o que dizer então balançou a cabeça.

Uma semana se passou desde o ataque ao palácio. A ida ao império Dong não durou mais do que algumas horas. Como novo imperador, Dong Yan-Tao os recebeu e contou que após saber da morte de Jiahui, seu pai entrou em estado de choque, enlouquecendo. Ele sentia muito pela perda de Yi e para se redimir em nome do pai prometeu que seu império serviria aos impérios Wu e Wen como aliado. Yi aceitou a proposta, afinal nenhum dos dois podiam ser responsabilizados pelos erros do passado. Eles retornaram no mesmo dia depois da conversa.
As reformas já estavam completas em quase todo o palácio. Era a noite da véspera do casamento de Yi com Daji, dessa vez tinha que ocorrer tudo bem. Ele agitava-se na cama e o pesadelo o acordou. Ao menos desejava que tivesse sido só um pesadelo, mas já estava sonhando com aquela tarde há dias. Por mais que tentasse não conseguia dormir despreocupado. Prosseguir com a coroação e o seu casamento assim que o palácio fosse restaurado era um dos pedidos de Jiahui. Ele levantou, abriu a janela que tinha vista para o jardim e olhou para o céu, estrelas que cercavam a lua crescente. Seu sobrenome significava coragem e precisava naquele momento.
- Imperador Wu Yingge - disse sério mas depois riu em desdém. - É acho que terei que me acostumar.

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