A manhã seguinte daquela florida primavera chegava ao fim deixando Yuexiu um pouco inquietante. Sua dama de companhia passou o dia anterior inteiro procurando por todos os lugares e rondas, mas não encontrou o tal guarda que ela descrevera. Fitando o chão à sua frente, uma incógnita pairou sobre sua cabeça. Será que ela havia se enganado? Ele disse que era um guarda, mas não mencionou ser do palácio Wu. Se fosse o caso elas teriam mais dificuldade em encontrá-lo. Yuexiu grunhiu enterrando o rosto no travesseiro.
Subitamente Daji adentrou o quarto exasperada andando de um lado para o outro agitada.
— Aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupada.
Despertando de seu transe momentâneo ela se virou para Yuexiu.
— Só um contratempo que surgiu – respondeu ruborizada. — Nada com que precise se preocupar.
— Está bem. Se você está dizendo.
Daji nem sempre lhe contava tudo o que estava sentindo, mais isso era algo que Yuexiu respeitava. Todos somos lua, e temos um lado negro que nunca mostramos à ninguém. Lembrava a si mesma. À ela apenas lhe cabia esperar até que estivesse pronta para se abrir.
— Aliás, trago uma boa notícia para a senhorita.
Com os olhos cintilantes Yuexiu tomou as mãos de sua dama entre as suas.
— Você o encontrou?
— Sim. Eu sei onde ele está.
Com um gritinhos agudo, ela se atirou nos braços de Daji a fazendo cambalear para trás.
— Obrigada. Sabia que você o acharia. Mas como conseguiu?
— Não foi fácil. Procurei por todo canto do palácio por informações dele, alguns guardas até me evitavam quando falava seu nome.
— Então como você…
— A senhorita se esqueceu de que me tornei amiga de Lihua, a filha do comandante. Ela me falou sobre ele.
— Ah, claro! – disse dando um leve tapinha em sua perna.
— Quando citei o seu nome, ela imediatamente lembrou dele.
— O que foi? – quis saber o motivo de sua distração.
— Nada – disse com o sorriso mais confiante que conseguia para não a preocupar. A reação assombrada de Lihua a deixou um pouco curiosa. — Ele estará a aguardando na ala norte do palácio, é uma área menos vigiada.
— Está bem. E quanto à Lihua? O que disse à ela?
— A verdade. Não tive outra escolha, estava sem desculpas em mente. Mas ela concordou em manter o segredo e nos ajudará a despistar os guardas.
— Ela parece ser bem confiável além de uma boa amiga.
— Si-sim – respondeu um pouco desconfortável com Yuexiu tão próxima a seu rosto.
— Seus lábios estão inchados?
— Hã!? – exclamou com os olhos arregalados levando a mão à boca para conferir. Afastando-se o máximo que podia para manter uma distância segura de Yuexiu.
— Você se machucou?
— Eu acabei batendo o rosto contra a porta do coche quando saí pela manhã – explicou com a voz meio rouca e entrecortada, esperava que ela acreditasse em sua desculpa.
Enquanto Yuexiu tentava controlar sua aflição no pavilhão Xiangyou, Daji havia ido à cidade buscar alguns acessórios para auxiliar na fuga de sua senhorita.
— Entendo. Deve estar doendo muito – lamentou tentando se aproximar e Daji afastou-se novamente.
— A dor física é o de menos – falou com os punhos cerrados.
— O que quer dizer?
— Não se preocupe comigo senhorita – disse gentilmente. — Vá vê-lo agora.
— Tem certeza que ficará bem?
— Claro. Vá.
— Então tá. Estarei de volta mais tarde.
Acenando com a mão Daji se mantinha firme esperando ela sair. Quando a porta se fechou, suas pernas cederam deixando o peso de seu corpo cair sobre as almofadas espalhadas no chão. Com a ponta dos dedos ela acariciava delicadamente o inchaço em sua boca. Ela ainda sentiria o impacto daquela batida por alguns dias.Na noite em que se viram pela primeira vez, a escuridão do quarto não a permitiu vê-lo com muita clareza. Mas agora, sob a luz da tarde podia enfim ver seu rosto nitidamente. Seus olhos encontraram os dele e não pôde controlar as batidas de seu coração.
— Senhorita Yuexiu – disse ao vê-la — Como está desde nosso primeiro encontro?
— Estou bem – sorriu lembrando da forma embaraçosa em que se conheceram. — Pode me chamar apenas de Yuexiu.
— Como preferir – indicou com a mão em direção ao banco para que sentasse.
— Obrigada por ter me ajudado naquele dia – disse enquanto ele se sentava ao seu lado.
— Eu não lhe contei? Eu sou ótimo em salvar damas em apuros – disse presunçoso com um sorriso brincalhão no rosto.
— Não imaginava que pudesse ser tão arrogante – retrucou fingindo decepção.
Os dois de entreolharam e riram mais descontraídos por superar o nervosismo.
— Aliás, por que você estava se escondendo dos guardas?
— Por…por causa do toque de recolher – disse nervosa.
— Pensei que era uma regra só para os anfitriões e os convidados que pernoitavam no palácio.
Desviou o olhar franzindo a testa, escorregara em sua própria mentira. Como podia ter esquecido de algo tão óbvio.
— Eu sou uma serva nova no palácio, temi que não me reconhecessem.
Ela estava aumentando seu histórico de mentiras. Para sua sorte Shizhen era tão inocente quanto ela.
— Compreendo.
— Aquele era seu quarto?
— Sim – "Não!" se corrigiu apenas em pensamento. Precisava pensar em uma justificativa melhor.
— Mas os guardas não ficavam em outro pavilhão?
— Eu sou um guarda pessoal, por isso tenho um quarto no pavilhão principal – apontou para a própria roupa, que Lihua surrupiou de Bai.
— Ah, claro – disse sem prestar muita atenção olhando para baixo. — O que aconteceu com a sua mão? – indagou.
— Eu caí – respondeu levantando a mão enfaixada. Seu sorriso travesso indicava que ela deixara passar algo. Mas não revelaria até que ela se desse conta.
Como se sofresse um apagão em suas lembranças ela o encarou esperando por mais explicações, percebendo o que ela queria começou a falar lentamente.
— Não seria muito cortês de minha parte culpar a bela jovem que me derrubou – confessou virando-se para ela.
— Então naquela hora você…
Ele riu da expressão de culpa que ela estava fazendo e ela corou. O vento da primavera soprou algumas pétalas do jardim em direção a eles. Com os olhos fechados para que não entrasse areia neles, Yuexiu nem percebera quando Shizhen inclinou-se ficando à centímetros ela. Com uma das mãos ele tirava de suas madeixas algumas pétalas que se prenderam no penteado dela.
Estavam próximos o suficiente para Yuexiu ver seu reflexo nos olhos de tom quase rubi de Shizhen. Sentiu seu rosto arder. Sabia que estava ruborizada, o que ficaria ainda mais evidente sob a luz dos raios solares.
— Você está quente. Está se sentindo bem? – disse colocando em sua testa a mão que não estava machucada, para conferir a temperatura.
— Si-sim – sua voz vacilou por um instante.
— Desculpe – falou recuando notando a coloração avermelhada em suas bochechas.
— Tu-tudo bem – disse soltando o ar com a boca. Seu coração batia ridiculamente disparado.
— Acho que ficamos tempo demais sob o sol – falou pondo-se de pé ainda desconcertado — Que tal uma caminhada pelo jardim?
— Seria ótimo.
Os dois andaram lado a lado enquanto conversavam até o entardecer. Yuexiu sentia seu peito palpitar cada vez que seus dedos tocavam os dele.
Com as mãos gélidas Shizhen planejava em sua mente como se declarar para ela sem assustá-la. Não tinha muita ideia do que fazer, iria direto ao ponto. Ser honesto com ela era a melhor alternativa. Mesmo que resultasse em um rejeição.
— Yuexiu. Há algo que gostaria de lhe dizer – proferiu parando repentinamente o fez ela tropeçar.
A beleza de Yuexiu era de deixar qualquer nobre ou plebeu encantados. Sua pele pálida como a neve o fazia lembrar da história de uma princesa, que sua mãe contava para ele antes de dormir. Gostava de escutar como as histórias de romance nasciam. Em meio à sua divagação esqueceu-se da proximidade entre eles. Os lábios dela eram rosados e estavam entreabertos, Shizhen viu o mesmo desejo em seu olhar ele a trouxe para mais perto e fechou os olhos.
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Minha Senhora Predestinada
Ficção HistóricaYuexiu costumava sair escondida para praticar qinna em sua província com a ajuda de Daji. Porém, as suas quase tranquilas vidas mudam completamente quando Yuexiu aceita entrar em um casamento por contrato para quitar as dívidas do pai. A única condi...