Capítulo 11

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   A manhã seguinte daquela florida primavera chegava ao fim deixando Yuexiu um pouco inquietante. Sua dama de companhia passou o dia anterior inteiro procurando por todos os lugares e rondas, mas não encontrou o tal guarda que ela descrevera. Fitando o chão à sua frente, uma incógnita pairou sobre sua cabeça. Será que ela havia se enganado? Ele disse que era um guarda, mas não mencionou ser do palácio Wu. Se fosse o caso elas teriam mais dificuldade em encontrá-lo. Yuexiu grunhiu enterrando o rosto no travesseiro.
   Subitamente Daji adentrou o quarto exasperada andando de um lado para o outro agitada.
   — Aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupada.
   Despertando de seu transe momentâneo ela se virou para Yuexiu.
   — Só um contratempo que surgiu – respondeu ruborizada. — Nada com que precise se preocupar.
   — Está bem. Se você está dizendo.
   Daji nem sempre lhe contava tudo o que estava sentindo, mais isso era algo que Yuexiu respeitava. Todos somos lua, e temos um lado negro que nunca mostramos à ninguém. Lembrava a si mesma. À ela apenas lhe cabia esperar até que estivesse pronta para se abrir.
   — Aliás, trago uma boa notícia para a senhorita.
   Com os olhos cintilantes Yuexiu tomou as mãos de sua dama entre as suas.
   — Você o encontrou?
   — Sim. Eu sei onde ele está.
   Com um gritinhos agudo, ela se atirou nos braços de Daji a fazendo cambalear para trás.
   — Obrigada. Sabia que você o acharia. Mas como conseguiu?
   — Não foi fácil. Procurei por todo canto do palácio por informações dele, alguns guardas até me evitavam quando falava seu nome.
   — Então como você…
   — A senhorita se esqueceu de que me tornei amiga de Lihua, a filha do comandante. Ela me falou sobre ele.
   — Ah, claro! – disse dando um leve tapinha em sua perna.
   — Quando citei o seu nome, ela imediatamente lembrou dele.
   — O que foi? – quis saber o motivo de sua distração.
   — Nada – disse com o sorriso mais confiante que conseguia para não a preocupar. A reação assombrada de Lihua a deixou um pouco curiosa. — Ele estará a aguardando na ala norte do palácio, é uma área menos vigiada.
   — Está bem. E quanto à Lihua? O que disse à ela?
   — A verdade. Não tive outra escolha, estava sem desculpas em mente. Mas ela concordou em manter o segredo e nos ajudará a despistar os guardas.
   — Ela parece ser bem confiável além de uma boa amiga.
   — Si-sim – respondeu um pouco desconfortável com Yuexiu tão próxima a seu rosto.
   — Seus lábios estão inchados?
   — Hã!? – exclamou com os olhos arregalados levando a mão à boca para conferir. Afastando-se o máximo que podia para manter uma distância segura de Yuexiu.
   — Você se machucou?
   — Eu acabei batendo o rosto contra a porta do coche quando saí pela manhã – explicou com a voz meio rouca e entrecortada, esperava que ela acreditasse em sua desculpa.
   Enquanto Yuexiu tentava controlar sua aflição no pavilhão Xiangyou, Daji havia ido à cidade buscar alguns acessórios para auxiliar na fuga de sua senhorita.
   — Entendo. Deve estar doendo muito – lamentou tentando se aproximar e Daji afastou-se novamente.
   — A dor física é o de menos – falou com os punhos cerrados.
   — O que quer dizer?
   — Não se preocupe comigo senhorita – disse gentilmente. — Vá vê-lo agora.
   — Tem certeza que ficará bem?
   — Claro. Vá.
   — Então tá. Estarei de volta mais tarde.
   Acenando com a mão Daji se mantinha firme esperando ela sair. Quando a porta se fechou, suas pernas cederam deixando o peso de seu corpo cair sobre as almofadas espalhadas no chão. Com a ponta dos dedos ela acariciava delicadamente o inchaço em sua boca. Ela ainda sentiria o impacto daquela batida por alguns dias.

   Na noite em que se viram pela primeira vez, a escuridão do quarto não a permitiu vê-lo com muita clareza. Mas agora, sob a luz da tarde podia enfim ver seu rosto nitidamente. Seus olhos encontraram os dele e não pôde controlar as batidas de seu coração.
   — Senhorita Yuexiu – disse ao vê-la — Como está desde nosso primeiro encontro?
   — Estou bem – sorriu lembrando da forma embaraçosa em que se conheceram. — Pode me chamar apenas de Yuexiu.
   — Como preferir – indicou com a mão em direção ao banco para que sentasse.
   — Obrigada por ter me ajudado naquele dia – disse enquanto ele se sentava ao seu lado.
   — Eu não lhe contei? Eu sou ótimo em salvar damas em apuros – disse presunçoso com um sorriso brincalhão no rosto.
   — Não imaginava que pudesse ser tão arrogante – retrucou fingindo decepção.
   Os dois de entreolharam e riram mais descontraídos por superar o nervosismo.
   — Aliás, por que você estava se escondendo dos guardas?
   — Por…por causa do toque de recolher – disse nervosa.
   — Pensei que era uma regra só para os anfitriões e os convidados que pernoitavam no palácio.
   Desviou o olhar franzindo a testa, escorregara em sua própria mentira. Como podia ter esquecido de algo tão óbvio.
   — Eu sou uma serva nova no palácio, temi que não me reconhecessem.
   Ela estava aumentando seu histórico de mentiras. Para sua sorte Shizhen era tão inocente quanto ela.
   — Compreendo.
   — Aquele era seu quarto?
   — Sim – "Não!" se corrigiu apenas em pensamento. Precisava pensar em uma justificativa melhor.
   — Mas os guardas não ficavam em outro pavilhão?
   — Eu sou um guarda pessoal, por isso tenho um quarto no pavilhão principal – apontou para a própria roupa, que Lihua surrupiou de Bai.
   — Ah, claro – disse sem prestar muita atenção olhando para baixo. —  O que aconteceu com a sua mão? – indagou.
   — Eu caí – respondeu levantando a mão enfaixada. Seu sorriso travesso indicava que ela deixara passar algo. Mas não revelaria até que ela se desse conta.
   Como se sofresse um apagão em suas lembranças ela o encarou esperando por mais explicações, percebendo o que ela queria começou a falar lentamente.
   — Não seria muito cortês de minha parte culpar a bela jovem que me derrubou – confessou virando-se para ela.
   — Então naquela hora você…
   Ele riu da expressão de culpa que ela estava fazendo e ela corou. O vento da primavera soprou algumas pétalas do jardim em direção a eles. Com os olhos fechados para que não entrasse areia neles, Yuexiu nem percebera quando Shizhen inclinou-se ficando à centímetros ela. Com uma das mãos ele tirava de suas madeixas algumas pétalas que se prenderam no penteado dela.
   Estavam próximos o suficiente para Yuexiu ver seu reflexo nos olhos de tom quase rubi de Shizhen. Sentiu seu rosto arder. Sabia que estava ruborizada, o que ficaria ainda mais evidente sob a luz dos raios solares.
   — Você está quente. Está se sentindo bem? – disse  colocando em sua testa a mão que não estava machucada, para conferir a temperatura.
  — Si-sim – sua voz vacilou por um instante.
  — Desculpe – falou recuando notando a coloração avermelhada em suas bochechas.
  — Tu-tudo bem – disse soltando o ar com a boca. Seu coração batia ridiculamente disparado.
  — Acho que ficamos tempo demais sob o sol – falou pondo-se de pé ainda desconcertado  — Que tal uma caminhada pelo jardim?
  — Seria ótimo.
   Os dois andaram lado a lado enquanto conversavam até o entardecer. Yuexiu sentia seu peito palpitar cada vez que seus dedos tocavam os dele.
   Com as mãos gélidas Shizhen planejava em sua mente como se declarar para ela sem assustá-la. Não tinha muita ideia do que fazer, iria direto ao ponto. Ser honesto com ela era a melhor alternativa. Mesmo que resultasse em um rejeição.
   — Yuexiu. Há algo que gostaria de lhe dizer – proferiu parando repentinamente o fez ela tropeçar.
   A beleza de Yuexiu era de deixar qualquer nobre ou plebeu encantados. Sua pele pálida como a neve o fazia lembrar da história de uma princesa, que sua mãe contava para ele antes de dormir. Gostava de escutar como as histórias de romance nasciam. Em meio à sua divagação esqueceu-se da proximidade entre eles. Os lábios dela eram rosados e estavam entreabertos, Shizhen viu o mesmo desejo em seu olhar ele a trouxe para mais perto e fechou os olhos.

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