Os dois olhavam fixamente um para o outro sem dizer uma palavra. O que Shizhen questionava era o que seu irmão estaria aprontando. O motivo de trazer as garotas ao palácio não seria mais para atingir o imperador. Algo no seu comportamento havia mudado ou alguém o fez mudar.
- Andou escutando atrás da porta novamente?
- Foi coincidência. Eu estava indo para o meu quarto com Lihua e acabei escutando a última parte da conversa - explicou.
- Para o seu quarto? Aquele que fica do lado oposto ao meu e que não precisa passar pelo corredor do meu quarto? - perguntou desconfiado.
Shizhen engoliu em seco. Como iria conseguir convencer seu irmão de que realmente se tratava de uma coincidência. Falar a verdade seria sua única saída, mas não lhe agradava a ideia de ter que contar a Yi as maldades de sua mãe.
- Eu... é que... - nunca soube como mentir para ele.
- A verdade Shizhen. O que você estava fazendo? Desse do palácio há apenas o meu quarto e o de... - como se entendesse finalmente o que havia feito o lorde Yi fitou seu irmão. - Era no quarto dela?
- Sim - admitiu um pouco envergonhado.
- O que você ouviu? Diga - pressionou curioso.
- O-ontem no fim da manhã a minha mãe estava passeando pelo jardim e acabou encontrando a lady Wen.
- A minha mãe? O que ela fez com a senhora Xiao dessa vez? - perguntou esperando o pior. Sempre que tinha uma oportunidade a lady Jiahui arrumava formas de prejudicar a favorita do imperador. Todos no palácio já estavam cientes disso, porém somente o imperador e o herdeiro dela podiam repreendê-la. Afinal, ainda se tratava da sucessora do império Wen Fei Tan.
- Não foi exatamente com a minha mãe. Tem haver com a sua esposa na verdade - seu tom de voz saiu mais baixo que o habitual. Sabia que esse assunto o irritaria, por isso estava evitando contar à ele o motivo de estar daquele lado.
- Então não é importante - comentou dando de ombros indo em direção à porta.
- Ela quase bateu na lady Wu! - levantou-se enfadado com a indiferença de seu irmão ao escutar o que havia dito. - Mesmo que não sinta nada por ela, aquela garota ainda é a sua esposa.
- Não fui eu quem a trouxe aqui - o velho Yi impassível e de coração frio estava de volta. - Ele que cuide dessa situação - retrucou sem olhar para Shizhen.
- O seu comportamento me faz lembrar a forma como a lady Wen se referia à mim. Você está se tornando exatamente igual a pessoa que mais detesta - não reconhecia o seu irmão naquele momento. Prosseguir com a conversa só iria piorar as coisas. - Apenas esqueça.
Shizhen passou pelo seu irmão pronto para sair, mas foi impedido. O lorde Yi segurava o seu antebraço arrependido. Se sentia culpado por causar isso. Ele repudiava a atitude de sua mãe que maltratava Shizhen desde que nascera. Ela achava que assim como a Xiao Lianyi ocupou o lugar de favorita no coração do imperador, aquele garoto também iria roubar todo o amor de Yi para ele. Mas Wu Yi não compartilhava da mesma opinião. No fundo sentia o amor de seu pai por ele, porém seu orgulho não o deixaria confessar.
- Como ela está? - perguntou demonstrando preocupação por ela pela primeira vez.
- Pensei que não se importasse – respondeu ainda de costas.
- Ela não deveria estar aqui. Mas já que está, eu não permitirei que a minha mãe cause nenhum mal à elas.
- Elas? - enfatizou virando-se para encará-lo. - A dama de companhia dela também está sob sua proteção agora?
Yi sorriu consigo mesmo abaixando a cabeça. Quase nunca brigavam. O lorde Yi tentava substituir as memórias da infância de seu irmão com lembranças boas dos dois juntos. E não costumavam ter segredos entre eles. Havia algo que precisava contar.
- É uma longa história.
- Parece que temos alguns assuntos para por em dia então - brincou com um sorriso no rosto.No pavilhão Xiangyou, Daji ainda estava sonolenta depois de ficar em vigília. Yuexiu contava à ela animada sobre a sua ida ao vilarejo e o reencontro com seu mestre.
- Eu sei que pode ser um pouco complicado. Mas não temos escolha. É o único horário mais fácil de lhe tirar daqui. Eu sinto muito senhorita - desculpava-se por fazê-la sair ao entardecer.
- Não se preocupe com isso. Eu tive a minha primeira dose de emoção. Foi tão empolgante.
- Que bom que está feliz - tentando achar as palavras certas Daji encarava o chão aflita. - Tem algo que preciso dizer à senhorita - desabafou.
- O que seria? - perguntou apreensiva.
- Uma criada do palácio trouxe um comunicado do imperador. A senhorita terá que comparecer a uma cerimônia com outras damas.
- Cerimônia!?
- Sim. Parece se tratar de um chá organizado pela senhora da mansão Lang.
- Entendi. Essa é a tal mansão que produz ervas de alta qualidade?
- Exato. Na posição de primeira esposa do lorde Yi, a senhorita foi convidada.
- Então significa que eu terei... - em seu âmago também não lhe agradava muito a ideia de usar um véu. Apesar de negar, Daji já havia percebido que mentia.
- Não. Ele não estará presente. Será um evento somente com as senhoras de famílias nobres.
- Tudo bem. Acho que consigo sobreviver à isso.
- Serão apenas algumas horas. Eu estarei lá para acompanhá-la.
- Ainda bem - suspirou aliviada.
- Eu irei cuidar dos preparativos para a cerimônia - avisou saindo do quarto.
O primeiro evento oficial de Yuexiu como membro da família Wu começaria em breve. Esse seria o início de sua nova rotina como uma jovem casada. Quanto mais ela se mantinha distante, menos Yi se importava. A única preocupação dele era deixar sua mãe bem longe delas.
Em um dos salões do palácio Yi colocava seu plano em ação com a ajuda de seu guarda pessoal. Sentado ao centro, Yi batucava os dedos no parapeito ansioso para que Daji aparecesse logo. Imaginava como ela iria reagir quando o visse com aquelas garotas. Precisava descobrir o que ela sentia por ele. Momentaneamente surgiu em seus pensamentos a conversa que tivera com o seu irmão. "Você irá fazer ela vai te odiar". Não era isso que ele desejava. Um calafrio percorreu seu corpo. Teria que arriscar, não voltaria atrás agora com o plano em andamento.
Quando se deixou conformar os seus olhos encontraram os de Daji. Não era novidade para ela aquela cena, mas não pôde deixar de ficar surpresa. Lançando um olhar de asco para Yi, foi embora antes que impulsivamente discutisse por algo que não deveria afetá-la.
Enquanto o rosto de Daji queimava de raiva, o lorde Yi se dava por vitorioso. Mesmo tendo conseguido o que queria, ver ela naquele estado o deixava triste. Mas não podia confessar o que sentia pela dama de companhia de sua esposa. Se ao menos ela não fosse uma criada talvez pudesse fazer dela sua segunda esposa. O casamento entre nobres e plebeus não era permitido, era uma união que os nobres nunca aprovariam. No entanto, Daji nunca foi uma plebeia, ela ainda possuía título de nobreza, mas ninguém fora da mansão Zheng sabia.
— O que foi? Achei que estaria mais feliz, não era o que queria?
Eles estavam a sós no quarto de Yi. Bai se aproximou esperando uma resposta.
— Você viu a cara dela? – falou presunçoso com uma risada nervosa.
— É claro, ela gosta de você – disse o que ambos já sabiam.
— E também me despreza. Pior eu colaborei para que continuasse assim.
Dando uma risada de escárnio não pôde conter as lágrimas. Fazia muito tempo desde que chorara na frente dele, Bai dava uns tapinhas em sua costa consolando-o.
— Quando foi que eu me tornei tão desprezível? – disse entre soluços.
— Então você gosta dela de verdade? – indagou Bai um pouco incerto. Não esperava que fosse realmente sério.
— Não importa – Yi não queria pensar no assunto. Não tinha nada além das provocações para se manter perto dela. — Não fale mais sobre isso – concluiu enxugando o pranto.
— Tudo bem.
— Ao menos eu sei que ela sente alguma coisa por mim também.
O sorriso em seu rosto era uma mistura de tristeza e alegria. Provocar Daji dava à ele o que recordar de seus momentos juntos. A reação dela o faria sorrir em seus dias mais solitários.
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Minha Senhora Predestinada
Narrativa StoricaYuexiu costumava sair escondida para praticar qinna em sua província com a ajuda de Daji. Porém, as suas quase tranquilas vidas mudam completamente quando Yuexiu aceita entrar em um casamento por contrato para quitar as dívidas do pai. A única condi...