Capítulo 3

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A tranquilidade que Yuexiu buscava após o seu final desastroso de aniversário veio na manhã seguinte. Era dia de praticar qinna e de mais uma escapada da mansão Zheng. A emoção que ela sentia ao fazer isso iria colocar de lado por um instante os pensamentos confusos sobre a proposta do imperador Wu.
- Não dormi quase nada a noite.
- A história que a senhorita me contou é absurda. Tem certeza de que foi isso mesmo que escutara? - perguntou Daji enquanto apertava a faixa na cintura de Yuexiu.
- Tenho, claro.
- O duque Zheng a estima mais do que qualquer outra pessoa. Ele não aceitaria esse acordo.
- Eu sei que não. Mas a ideia de me casar com alguém que nunca vi antes me assusta.
- A senhorita acabou de completar 16 anos, está em idade de casar. Provavelmente seja esse o motivo do imperador Wu vir à festa.
- Daji. Não importa o que aconteça, com o herdeiro do imperador Wu eu não caso - afirmou com firmeza apesar do seu jeito delicado.

Sorrateiramente caminhando pelos corredores a dama de companhia de Yuexiu se preparava para ajudá-la a escapar da mansão Zheng sem ser vista. Ela não podia simplesmente usar a forma tradicional de entrar e sair pelos portões principais como todo mundo fazia, pois não tinha permissão para isso. Sua vida era estritamente regrada a permanecer dentro dos limites de sua propriedade. Pisar fora das mediações não lhe era permitido mesmo que estivesse acompanhada de Daji.
O futuro do sobrenome Zheng e de tudo o que ele possuía dependiam dela. A única herdeira. Ela entendia, mas queria ter um pouco mais de emoção em sua vida ao invés de ficar presa dentro daqueles muros.
- Pode vir. Não tem mais ninguém.
- Serei rápida dessa vez.
- Não se preocupe com nada aqui. Eu irei manter os outros na mansão ocupados para que não percebam.
- Obrigada.
E assim novamente ela passou pelo enorme portão dourado no jardim que levava até uma trilha na floresta. Estava acostumada, só precisaria cavalgar mais um pouco e estaria no vilarejo e iria até seu mestre.

Mais dois meses se passaram desde o seu aniversário. E como seu pai nunca tocou no assunto, ela decidiu não perguntar também. Uma proposta tão irrelevante não seria aceita ou pensada por ele. Não havia com o que se preocupar.
Com a ajuda de Daji se preparava para mais um dia de fuga para treinar. Suas habilidades em escapar estavam melhorando assim como as desculpas de sua dama.
Quando deixou o vilarejo viu pequenos flocos de gelo caírem. O período frio do ano havia chegado mais cedo.
A neve começava a cair mais intensa naquela cinzenta manhã em que esteve treinando. No seu retorno à mansão Daji a aguardava aflita próxima a entrada.
- Ainda bem que retornou senhorita - falou um pouco ofegante com o frio.
- O que aconteceu? Alguém descobriu que saí? - quis saber preocupada.
- É muito pior.
- O que poderia ser?
- Os campos estão ficando cobertos pela neve.
- Quê!?
- O inverno chegou antes do que esperávamos. As plantações que ainda não foram colhidas podem ser perdidas.
- Não pode ser! - falou quase inaudível.
O duque Zheng estava confiante com a colheita e agora metade de sua produção poderia não ser comercializada. O período de escassez que achava ter superado iria fazê-lo ter que racionar a produção estocada. Seu prejuízo pelo campo congelado seria muito alto.
No salão de reuniões da casa principal, o duque e seu fiel conselheiro - o conde falido - discutiam os meios de saírem dessa crise.
- Acho que conseguiremos diminuir os gastos se reduzirmos o número de criados.
- Essa não é uma opção que eu gostaria de usar.
- Podíamos então aumentar o valor dos grãos estocados que são repassados aos mercadores.
- Isso não daria certo. Eles não aceitariam pagar a mais pelos grãos. Tem que haver uma outra saída.
- Ou talvez... devêssemos aceitar a oferta do imperador Wu - disse sem jeito, já se arrependendo.
Três semanas antes do inverno começar, o duque Zheng Ying esteve no palácio do imperador acompanhado de Song Yi - seu conselheiro - para o encontro combinado no aniversário de Yuexiu, e aproveitou a ocasião para negar o que lhe fora proposto.
- Em hipótese alguma estaria de acordo com o que ele ofereceu. Jamais daria a minha filha em casamento aquele seu herdeiro sem princípios.
- Perdão. Foi uma ideia tola. A senhorita Yuexiu não deve ser envolvida.
- Daremos uma forma de contornar a situação sem muitas perdas - a única perda que não queria ter naquele momento era a de sua amada filha.
O duque aceitava perder suas terras e até seu título, mas ela valia para ele muito mais do que tudo o que tivesse. Não abriria mão de sua única filha por um contrato de ganho.

O que mais temia aconteceu e se via totalmente perdido sem nenhuma solução que pudesse tirá-lo do problema. Teria que deixar alguns criados partirem ou convencer os mercadores a pagar mais caro. Duas opções difíceis de serem escolhidas. Havia uma terceira, mas negociar com o astuto Wu Fang não era considerado. O pior é que estava ficando sem tempo, logo os cobradores de impostos chegariam e não seriam os únicos a cobrarem suas dívidas.
- Não conseguiremos pagar à todos que devemos e cobrir os gastos com o prejuízo da plantação. Mesmo que consigamos ainda precisaremos de dinheiro para tratar o solo antes do cultivo da próxima safra - disse pensativo.
- O que faremos agora senhor Zheng? Desse modo seu nome ficará desacreditado por não honrar suas dívidas perante os credores e à família de suas esposas.
- Não sei bem o que farei no momento. Estou ficando sem saída.
- Pois eu lhe trago uma nova proposta - anunciou o indesejável imperador que viera sem ser convidado.
- Acho que já encerramos essa conversa nobre amigo - respondeu Ying tentando manter a calma.
- Dessa vez algo me diz que aceitará - estava tão cheio de convicção que seus olhos brilhavam.
- Eu o escutarei então. Mas sem garantias.
- Está bem - falou com um sorriso malicioso.

Perto dali, Yuexiu vira quando a escolta imperial chegara em sua mansão. Curiosa sobre o que o trouxera até lá, conseguiu fazer com que a sua dama de companhia a acompanhasse para descobrirem do que se tratava.
- Senhorita não deveríamos estar fazendo isso.
- Não se preocupe ninguém irá nos entregar.
- Se o duque Zheng ou o meu pai nos pegam estaremos encrencadas - falou receosa.
- Olha só quem estava me questionando sobre coragem há uns dois meses atrás e agora está com medo de ser pega escutando conversa. Logo você que me ajuda a escapar da mansão - acusou provocando-a.
- É uma causa diferente - lembrou.
- Fique em silêncio e apenas escute. Por favor. Por mim - pediu.
- Tudo bem.
- Shiiuu - fez pondo o dedo sob os lábios e sua dama de companhia concordou balançando a cabeça.
Com passos lentos e silenciosos foram se aproximando de onde estavam. Encostando o rosto contra a parede se concentraram para escutar o que falavam.
- Não tem como eu concordar com esse absurdo.
- Essa é a minha melhor oferta. Somos amigos há tanto tempo, reconsidere a sua resposta.
- Seu filho está de acordo com isso?
- Ele não está em posição de recusar.
- O seu primeiro herdeiro tem uma fama que não agrada a nenhum nobre. E você quer que eu entregue a minha filha para desposá-lo e assim calar os comentários?
Chocada pelo imperador trazer esse assunto à tona novamente, Yuexiu levou a mão à boca.
- Não é bem assim. Reconheço que o Yi não tem o melhor dos comportamentos, mas acredito que a sua filha possa mudá-lo.
- Já tivemos essa conversa em seu palácio e eu neguei. Minha decisão permanece a mesma.
As duas se entreolharam do outro lado da porta confusas.
- Pense bem. Como você fará para pagar a dívida com os mercadores? Como irá conseguir manter todos os servos na mansão? E como lidará com os produtos para um novo plantio?
- Darei um jeito - disse sem certeza.
- E ainda tem a Zheng Yuexiu. Como conseguirá mantê-la? Ao menos pense nela.
- Senhor acho que... - Song Yi fora interrompido pelo olhar do seu senhor.
- Eu sei, eu sei. Mas não posso permitir esse enlace com uma pessoa tão irresponsável. Se ao menos estivéssemos falando do Wu Sh... - desabafou com a voz oscilante mas parou balançando a cabeça. Não acreditava que estava começando a considerar a ideia.
Daji encarava o chão fixamente, não podia acreditar que seu pai estava concordando com aquilo. Quando levantou o olhar para sua senhorita viu uma expressão petrificada em seu rosto.
- Entendo o que quer dizer, mas ele é o segundo na sucessão. Eu estarei sempre lá para ela. Não deixarei que nada a aconteça.
- Não sei se seria capaz de fazer isso com ela - seus olhos revelava a tristeza que sentia.
- Estou disposto a quitar todas as suas dívidas em troca é claro de suas terras de plantio. O casamento de nossos filhos é a garantia de que as posses permanecerá com a sua família. Apesar de eu possuir direito sobre elas.
- Eu... eu... - gaguejou indeciso Zheng Ying.
- Eu caso! - afirmou Yuexiu abrindo a porta bruscamente revelando as duas.
- O quê!? - gritou Daji quase sem reação.
- Yuexiu!? - seu pai arfou surpreso.
Como ela foi parar ali? O quanto ela escutara da conversa? Não. Não se prenderia à essas perguntas, havia um problema maior se formando e seu coração se apertava.

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