Capítulo 22

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   As batidas insistentes na porta o forçara a levantar da cama. Era uma surpresa para ele não ver Bai de guarda em seu quarto. Mas já imaginava o que poderia estar fazendo, afinal sua coroação como novo imperador seria na manhã seguinte. E nada poderia dar errado, a segurança de Yi e de toda a família imperial tinha que ser redobrada.
   O lorde abriu a porta e um criado o entregou a roupa que usaria na cerimônia. Seu casamento com Daji ocorreria no mesmo dia, logo depois que fosse coroado. Isso também o estava preocupando, Meili ainda não havia dado notícias sobre as terras do conde Song. O peso de ter que assumir a responsabilidade do império Wu, não era maior do que pensar em fracassar perante os nobres. Mas para ficar ao lado de Daji aceitaria qualquer coisa, inclusive ter o mesmo destino que seu tio. O barulho da porta se abrindo trouxe Yi de volta a realidade.
   — Que bom que está acordado. Chegou uma carta da imperatriz Liang – disse Bai com um papel nas mãos.
   — Meili? Me dê – pediu ansioso.
   Ele leu o que estava escrito ali silenciosamente e estacou. Suas mãos tremularam e o papel escorregou por entre os dedos caindo sobre o tapete. Bai não sabia do conteúdo da carta, mas pela reação de Yi supôs o que pudesse ser. Ele pegou o papel do chão e as palavras pareciam dançar sobre sua vista. "Me desculpe Yi, mas ainda não consegui obter a recuperação das terras que me pediu. Sei que não é suficiente, mas saiba que vocês tem o apoio do império Liang e do reino Wang. Não perca a esperança, continuarei tentando o meu melhor."
   — Yi – chamou calmamente. Mas ele estava perdido no seu próprio mundo.
   O dever de um guarda pessoal era proteger seu mestre de todos os perigos, no entanto, não conseguiam protegê-los de seus pensamentos. Bai se aproximou do lorde que encarava fixamente o chão atônito, e estendeu o braço em sua direção.
   — Yingge!! – chamou novamente, dessa vez o sacudindo com cuidado.
   — Eu estou bem – disse. Bai sabia que era mentira, mas concordou com a cabeça. — Apenas fique aqui comigo por um tempo.
   — Nem precisava pedir.
   Yi encostou as costas na parede, mas seu corpo cedeu ao impacto que recebera e ele sentou sobre o piso frio. Seu guarda pessoal foi para perto dele, e fez o mesmo. Quando sua comoção interna passou, o lorde saiu para ver como Daji estava lidando com a pressão de uma vida imperial.
   — Ansiosa para o grande dia? – perguntou, mesmo querendo evitar o assunto.
   — Se você considera não dormir direito por três dias seguidos um sinal de nervosismo, pode se dizer que estou ótima.
   O lorde riu do bom humor dela. Uma risada verdadeira. Era disso que ele estava precisando, uma distração, e não tinha ninguém melhor do que Daji para isso. Sentados debaixo da sombra da árvore em que Yi se declarou para ela, eles seguiram conversando até o entardecer.
   — Não fique tão pensativa sobre amanhã. Dará tudo certo, eu prometo – ele desejava que suas palavras se concretizassem também.
   Beijando o topo de sua testa ele despediu-se deixando o pavilhão Xiangyou. Não importa o que acontecesse, confiaria em Meili. Ele encontrou Bai no meio do caminho e os dois retornaram juntos.

   Yi andava de um lado para o outro procurando onde havia colocado a sua faixa. Ele vasculhou o quarto de ponta a ponta e não achara, e estava ficando sem tempo para procurar. Bai abriu a porta ofegante.
   — O que ainda faz aqui?
   — Eu não acho a droga da faixa! – falou ajoelhado no chão.
   — Não acredito que está tão nervoso que nem conseguiu ver ela sobre a penteadeira.
   — Ah. Até que enfim.
   — Vamos logo, todos já devem ter chegado.
   — Eu sei – disse o acompanhando para fora do quarto. — Alguma mensagem de Meili?
   — Não. Nada por enquanto.
   — Terei que enrolar eles até que ela consiga.
   O salão principal recebeu uma decoração especial para o dia. Além de ser a coroação e o casamento de Yi, também era seu aniversário. A lady Jiahui foi até o filho com um sorriso nos lábios vermelhos. Bai se afastou para conferir a guarda do local.
   — Mesmo sendo contra essa união, dessa vez não irei interferir. Você parece estar muito feliz. Parabéns meu querido – disse abraçando ele.
   — Obrigado. Significa muito para mim.
   Ele sorriu para ela e se aproximou do imperador reunido com os nobres. Antes de tudo precisava convencê-los de que Daji era digna de se tornar estar ao seu lado. No fundo de seu coração nutria a esperança de Meili contribuir para isso. Eles fizeram uma breve reverência para Yi e foram direto ao que lhes interessava. Shizhen tocou nas costas do lorde para demonstrar que não precisava temer. E a tensão em seus ombros se desfez.
   — O nosso lorde adquiriu as escrituras das terras do conde Song?
   — Leva algumas horas da província Liuxing ao palácio Wu. Tenho certeza de que a imperatriz Liang está a caminho – disse. Apesar de ser verdade falou com a intenção de acalmá-los.
   — Não é bom deixar os outros convidados esperando. Os comerciantes e demais camponeses também vieram para a coroação de Yi – interferiu Shizhen.
   — Tem razão. Devemos dar início as cerimônias – assentiu Fang.
   — Está bem. Mas lembre-se de manter o nosso acordo – disse um dos mais irritantes nobres.
   O imperador fez um esforço para manter a postura, não seria fácil para ele ter que destituir seu primogênito e vê-lo partir do palácio. Isso tornaria Shizhen o único em sua linha de sucessão. Ele encarou Yi e viu os lábios dele se curvarem em um pequeno sorriso.
   — Se puderem aguardar um instante – pediu Yi.
   Com um olhar curioso eles observaram o lorde se distanciar e cumprimentar o casal que acabara de chegar.
   — Xiang, que bom que pôde vir – falou o abraçando, virando para a garota suplicou. — Meili, me diga que conseguiu.
   Havia hesitação na tristeza de seu olhar, e Xiangzuo apertou a mão dela encorajando-a.
   — Me desculpe por ter demorado tanto para aparecer. Depois que lhe enviei a carta, fui atrás da ex-esposa do conde Song com Xiangzuo.
   — Foi difícil no começo negociar, mas Meili a alertou das consequências do que fizera e ela deixou a mansão Song.
   — Isso quer dizer que vocês conseguiram?
   — Sim. O conde Song e sua filha Daji terão a sua propriedade restituída – disse Meili com um sorriso genuíno, feliz por ter ajudado.
   — Obrigado. Vocês serão ótimos governantes.
   — Assim como você e Daji – falou com os olhos marejados.
   — Apresse-se e vá contar a eles – disse Xiang.
   — É o que farei.
   Yi retornou para junto dos nobres com uma confiança recém adquirida, não havia mais motivos para hesitar. Tinha o apoio de seu pai e de Shizhen, a aliança com um império e uma coroa. Sua mãe havia finalmente lhe dado a benção para o seu casamento, e agora faria os nobres reconhecerem Daji como uma lady consorte.
   Em pensamento os anciãos da nobreza exaltavam o feito de Yi. "Talvez ele realmente seja digno de nossa confiança." Pensou um dos mais ricos entre eles. "Ele amadureceu bastante, não é mais aquele jovem irresponsável." As opiniões iam se moldando à medida que Yi discursava. "Devo admitir que ele provou ser filho de Fang e da lady Wen." Pensava outro. "Ele tem a motivação necessária para guiar os dois impérios" Concluía o mais sereno deles.
   Depois de cederem e jurarem sua lealdade a união dos dois, a cerimônia enfim pôde começar. O lorde Yi respirou aliviado e encarou o tio disfarçado entre os camponeses que sorria para ele. Fang esperou todos os nobres estarem acomodados. Embora seu discurso ensaiado fosse simples e curto, ele interrompeu a fala no meio. O som do tilintar de espadas veio de algum lugar na direção dos portões principais.
   O imperador ficou em silêncio para tentar entender o que estava acontecendo do lado de fora, todos no salão fizeram o mesmo. Apenas alguns passos atrás dele, Yi segurava a mão de Daji com tanta força que ela mal mexer os dedos. O lorde havia percebido com espanto quem eram os invasores, e o que pretendiam. Estava assustado mas sua consciência ainda permanecia intacta quando eles resolveram avançar.
   — Se abaixa!! – gritou Yi.
   Ele a empurrou para um lado enquanto se jogava para o outro. O corpo de Daji encontrou o chão em uma velocidade que ela não conseguiu acompanhar. Seus braços absorveram o impacto da queda, o que fez ela conferir se não tinha quebrado os pulsos. Só então ela notara o objeto pontiagudo cravado no chão, uma flexa.
   A gritaria e a sequência de lançamentos de flexas ecoavam no mesmo ritmo. Os gritos ficavam cada vez mais altos em um misto de dor e desespero que tomaram conta do espaço. Paralisada, Daji presenciou mais mortes naqueles segundos que se passaram do que conseguia imaginar nas histórias de guerra que ouvia seu pai contar.
   Os sons de explosões e pedras arremessadas contra as paredes vinham de todos os lados graças aos objetos de decoração e cadeiras que preenchiam o salão principal. O vento soprou uma onda de calor que bateu no corpo de Daji. Ela percebeu talvez tarde demais e ainda em choque que o palácio estava em chamas.
   — Protejam os seus senhores – gritou Fan, o comandante das tropas, em meio ao caos.
   Yi levantou-se com dificuldade e a ajudou a ficar de pé.
   — Yuexiu… – falou com a voz fraca.
   Ele olhou ao redor e avistou Lihua os escoltando para longe dali.
   — Eles estão bem.
   Era inútil para ela tentar indentificar onde estavam. Daji olhou para cima, mas só enxergava o ar nublado. Com um dos braços envolta de sua cintura, Yi tentava mantê-la firme enquanto procurava pelos seus pais. Mas não importava o quanto se concentrasse não conseguia achá-los. De algum lugar atrás dela, ele ouviu uma voz familiar. O lorde então viu Bai tropeçar pelo salão com seus ouvidos zunindo e os olhos turvos pela fumaça que se espalhava, por sorte ou por instinto ele encontrou Yi.
   — Finalmente os achei – disse tossindo. — Venham precisamos sair daqui.
   — Onde estão meus pais e Lianyi?
   — O comandante Fan levou a senhora Lianyi para um lugar seguro e o senhor Cheng está com seu pai.
   — E a minha mãe?
   O silêncio de Bai foi o bastante para ele entender.
   — Todos os guardas estão procurando por ela – olhando para Daji prosseguiu. — Aliás sua família está segura, assim como a da lady Yuexiu.
   — Que alívio.
   Naquele momento, Yi viu o formato de novas silhuetas emergirem da névoa. Os intrusos estavam avançando rápido. Não podia protegê-la naquela situação, não sem saber do paradeiro de sua mãe. Ele a empurrou para frente o que a fez cair sobre os braços de Bai. O guarda soltou um gemido abafado mas não a largou.
   — Leve-a para o abrigo – ordenou Yi.
   — Não!! Mas e você!? – falou Daji, arfando.
   — Irei assim que encontrá-la.
   Com um meneio de cabeça ele assentiu para Bai a tirar de lá e obedeceu imediatamente. Daji não tinha escolha e se deixou ser conduzida, ela só atrapalharia a sua busca se decidisse ficar com ele. O guarda pessoal mantinha a sua mão firme na cintura dela. O vestido em tons de rosa com pequenos desenhos de flores ao longo do tecido, agora estavam cobertos de poeira e cinzas. Seu cabelo soltara indicando que em algum lugar do salão havia perdido os enfeites que o prendiam.
   Eles deram a volta pela frente do grande salão principal e acharam a entrada, passando por umas das portas abertas. Sumindo na escuridão dos corredores. Pelo caminho Daji viu corpos espalhados pelo chão, eram soldados, nobres e camponeses, pessoas que compartilharam o mesmo fim. Ela sentiu como se tivesse levado um soco no estômago seguido de um enjôo súbito e vomitara todo o seu café da manhã. Bai passou a mão pelas suas costas tentando ajudá-la a se livrar daquele mal-estar.
   — Precisamos continuar – disse quando ela se recuperou.
   Ela concordou com a cabeça, mas seus pés não conseguiam mais dar um passo adiante. Estava fraca demais, tonta demais. Havia inalado muita fumaça e sua cabeça parecia pesar toneladas. Bai a tomou no colo mesmo sentindo sua costela latejar, precisava chegar ao abrigo o quanto antes e retornar para auxiliar Yi. Ele tateou a parede e pressionou um botão, uma passagem se abriu revelando o túnel adiante. Daji o atravessou e viu a porta se fechar.
   Yi estava correndo pelo salão quando a explosão aconteceu. A mesa com o banquete fora atingida lançando a comida por toda parte. Ele rastejou por entre os destroços e viu uma mulher em meio a névoa com uma característica particular. Sua mãe era a figura mais brilhante, e provavelmente a única luz que restara no salão. O lorde se aproximou dela sem pensar, não era o momento certo mas ele sorria. Ele a abraçou com cuidado para não machucá-la, mas a soltou quase no mesmo instante ficando de pé empunhando a sua espada. Das sombras surgiram os inimigos que tanto evitou.
   Tinha a sensação de que estava cercado por quatro, talvez cinco deles. Aos poucos eles saíram da cortina de fumaça, suas espadas e adagas estavam sedentas pelo sangue de Yi. Sem se preocupar com Jiahui eles avançaram até o seu alvo. O lorde deteve dois deles antes de perder a espada. Não dava para continuar assim.
   — Se consegue andar saia daqui!! – gritou Yi.
    Contrariar não seria a melhor opção, Jiahui se levantou e tropeçando nas cadeiras pelo caminho se afastou. O alarido estava diminuindo, a maioria das pessoas já haviam deixado o salão ou na pior das hipóteses estavam mortas.
   Ele se esquivou do primeiro golpe, porém não teve a mesma sorte com os próximos que vieram. Yi fora derrubado no chão outra vez, flexionando o braço esquerdo ferido. Cuspindo um pouco de sangue fez força para ficar de pé. Ele tinha conhecimento de combate corpo a corpo, mas não tinha chance contra os três. Seu corpo não aguentava mais lutar então se preparou para mais socos e chutes. Mas ao invés disso um dos homens apontou a espada de Yi que pegara em algum canto e avançou.
   Seu pai estava seguro. Shizhen e Yuexiu tinham sido levados para o abrigo. Não precisaria mais se preocupar com Daji, e Jiahui havia escapado. Yi não guardava arrependimentos, ele começou a fechar os olhos mas parou. Um objeto lançado ao outro lado atraiu sua atenção e a do inimigo. Isso deu a ela os segundos preciosos de que tanto precisava. Um vestido lilás degradê sobreposto a um tom laranja desbotado surgiu diante de seus olhos. Seu corpo se moveu sozinho. O que mais poderia fazer? Yi era o seu filho, a pessoa que ela mais amava.
   O lorde percebeu então que sua mãe não havia escapado e seu corpo desabava na sua frente.
  

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