Confissões Ordinárias: Um Autorretrato de Ulysses Persona

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As joias são o maior símbolo do egoísmo humano

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As joias são o maior símbolo do egoísmo humano. Eu não quero explicar. Reflita e tente entender.

O meu nome não é Ulysses Persona, na verdade eu me chamo Pablo e tenho um sobrenome alemão. Não é Vollenweider, não é Wischermann. Não interessa qual é, mas é alemão. A minha mãe é negra, mas só sente atração por homens brancos, especialmente por aqueles que não falam português. Ela um dia decidiu que teria um longo cabelo liso e loiro. Ela faz cirurgias plásticas nas pessoas. Ela tem uma caixa de joias...

Da janela do apartamento eu vejo uma rua limpa, árvores podadas distribuídas de forma planejada pelas calçadas silenciosas. Daqui não dá pra ver a piscina do condomínio, mas dá pra ouvir o farfalhar das folhas dos coqueiros lá da área de lazer. Geralmente os nossos vizinhos têm pele clara e olhos claros. Em comum com eles eu só tenho o nariz, que puxei do meu pai, pois o nariz fino da minha mãe não é um traço de nascença. O meu pai está morto, eu acho, eu não conheço ele. Um dia eu achei a fotografia de um homem loiro de sunga numa caixa de sapatos perdida em cima de um guarda-roupa na nossa casa de praia. Quando eu era adolescente eu costumava tocar punheta praquele polaroide. Bizarro pensar nisso hoje em dia... E se fosse um retrato dele? Eu jamais perguntaria isso pra ela. Jamais. Um dia essa foto simplesmente sumiu. Minha mãe o esqueceu, talvez. Ou pode ser que ela tenha dado um sumiço na foto porque gostaria muito de apagar tal homem da memória. Teria ela queimado a foto? Teria cortado em pedacinhos com uma tesoura? Eu me lembro de cada detalhe. O volume da bunda na sunga vermelha, o olhar contemplativo, da cor do mar banhado de sol brilhando ao fundo, as gaivotas. Eu precisava me masturbar diariamente admirando aquela imagem. No meu íntimo, eu sentia uma sobrenatural conexão afetiva com aquele desconhecido. Aposto que ele tinha um sobrenome alemão, mas eu espero de verdade que esse sobrenome não seja exatamente igual ao meu. E se for? O que eu faria se de fato descobrisse que somos pai e filho? Enquanto digito essas palavras no meu smartphone, a cabeça do meu pau baba na cueca, deixando ela toda melada. Da janela do apartamento eu vejo um avião.

Eu já fui pra Alemanha, eu já fui pra Itália. Eu faço aula de alemão porque eu me orgulho das minhas raízes. Não deveria, não é? Pode soar mal se eu disser uma coisa dessas na internet. Por que não procuro aprender línguas africanas então? Será que eu só me orgulho do meu nariz de Caco Ciocler? Por que não do meu cabelo crespo? (Claro que não. Meu cabelo crespo quase não existe, já que sempre raspo na máquina dois e ainda deixo as laterais e a parte de trás da cabeça completamente desprovidas de pelos.) Por que não da minha pele castanha*? (É bem difícil encontrar um termo para descrever o tom da minha pele, uma vez que a palavra perfeita, "parda", tornou-se um tabu na nossa sociedade.) Acho que tenho a desculpa de não saber exatamente qual é a origem da minha própria mãe. Não que eu alguma vez tenha tido esse interesse. Ela é uma mulher negra e pronto. Nem ela mesma quer saber de onde veio. Ela gosta de usar lentes de contato para fingir que tem olhos verdes ou azuis. Ela tem um mega-hair de 30 polegadas que brilha ao sol feito cabelo de boneca. Ela não se mistura mais com o restante da família, somos ela e eu no apartamento e só. Eu não faço perguntas. Daquele homem eu só tenho um sobrenome e mais nada. Não tive dele atenção e carinho. No meu peito há um vazio imenso. Quando penso nisso, sou tomado por luxúria, abraço o travesseiro, ansiando por toque, carícia, masturbação, um peito musculoso coberto por pelos dourados, a minha boca fina como a dele, como a dos vizinhos, os vizinhos até me tratam como se nós fôssemos cem por cento parecidos. Talvez seja porque eu tenha um cordão de ouro de verdade. Há uma pedra de jade pendendo bem na altura do meu coração. Eu lembro da minha mãe olhando para o conteúdo de sua caixa de joias com certo orgulho depois da aquisição de um anel decorado com um cimófano (olho de gato) por alguns milhões de ienes durante sua última viagem ao Japão.

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