Idílio

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Meu olhar cruzou com o seu rapidamente

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Meu olhar cruzou com o seu rapidamente. Você era bonito demais. Pensei que tinha sido uma coincidência qualquer. Eu peguei uma cerveja que, por sua causa, nem terminei de beber. O segundo olhar aconteceu enquanto você estava sentado num banco. No escuro. Eu só te via vagamente e pensei que talvez o escuro te favorecesse. Porque você estava olhando pra mim e eu era tão inseguro. Eu bebi, só o suficiente pra criar coragem pra dançar. A coragem não veio. Você fez um sinal com a cabeça. Eu não lembro de como me senti, mas deve ter sido intenso. Eu sentei do seu lado. Eu te olhei. Perguntei: qual é seu nome? Você disse e eu não entendi. Eu disse meu nome e te beijei. Você foi delicado comigo. Tocou só o meu rosto e isso me marcou, eu lembro de ter dito pra alguém, só não lembro quem: ele encostou só no meu rosto enquanto me beijava, só no meu rosto. Fiz questão de enfatizar isso. Foi tão bonito. Você disse que precisava dar atenção pro seu amigo. Pediu pra eu anotar seu número, mas eu não tinha telefone nem sabia seu nome. Chamei meu amigo, ele anotou pra mim. Descobri que seu nome era [...]. Fui pro andar de baixo da boate, troquei olhares com alguém que não era você porque pensei que nós não nos tocaríamos mais. Poucos minutos depois, no entanto, aconteceu. Você me procurou enquanto eu flertava com outro. Um terceiro. Um loiro hipster de boné. Loiro tingido. Você veio e eu disse que queria ficar contigo a noite toda. Não sei direito como a conversa chegou a esse ponto, eu mal conseguia te ouvir. Te contei: sou meio surdo. Você de primeira nem acreditou muito. Depois viu que era verdade, não é? A gente andou de mão dada. Demos beijos mais quentes. Eu coloquei seus dedos na minha boca, imitando a cena de um filme. Você tinha um gosto salgado. Hoje eu acho graça de ter feito isso. Você tomou liberdades a partir de então. Me intimidou por um momento mas logo eu vi que confiava em você. Você falou que ia ao banheiro e eu fiz que tudo bem. Nem fiz questão de te seguir. Você passou a mão por baixo da minha camisa e disse: nossa, como sua barriga é peluda. Eu tinha depilado minha barriga só uma vez antes de te conhecer. Foi estranho. Teve uma hora que você disse que seu amigo ia pro motel com mais dois e eu falei: se você quiser, pode vir comigo pra minha casa. Você ficou surpreso e empolgado e perguntou: é sério? Eu disse: sério. Eu lembro de quando a gente tava no ônibus e eu com a cabeça no seu ombro ou você com a cabeça no meu, então uma velhinha ficou olhando e você perguntou: a gente vai dormir no mesmo quarto? Eu disse: sim. E complementei que isso não significava que iríamos fazer sexo. (Não com essas palavras.) Eu disse: sou virgem. Você não acreditou de cara. Como era possível? Quantos anos eu devia ter nessa época? 22? 23? Você ficou tão admirado. Tão fascinado. Você me beijou, mesmo com o ônibus cheio de gente. Meu amigo bêbado dormia no meu colo. Você dormiu também. E a velhinha olhava, e eu olhei pra ela, e fiz carinho em vocês. Eu lembro de ter te dito: sou uma pessoa extremamente carinhosa. Mas quando estávamos no meu quarto, nos beijando naquela cama de casal, eu fui muito mais lascivo que carinhoso, tanto que você disse: vamo pro banheiro? (Meu amigo estava dormindo num colchão bem ali embaixo.) Eu não quis. Era cedo demais. Entre a gente seria sempre cedo, mas naquele dia eu te convenci de que seria em breve, não sem uma certa resistência sua, uma certa chateação: você saiu do banheiro de toalha; queria que eu tirasse a camisa, eu disse: não. Você pensou que tinha algo de errado com seu corpo. Você se achava gordo sem fazer ideia de que eu amava sua barriguinha, você não acreditava quando eu passava a mão por cima dela e dizia que gostava de você do jeito que era. Você queria malhar também e repetiu não sei quantas vezes: "você cada dia mais sarado e eu cada dia mais gordo". Mas eu não me importava, eu juro, juro, juro. Eu te levei pra rodoviária, sugeri que a gente parasse numa rua deserta e se beijasse um pouco mais, e nesse instante eu vi a sombra de alguma coisa surgir no seu rosto, um desconforto gritante, algo que eu não conhecia direito ainda e fui entender depois como homofobia internalizada. Culpa dos seus familiares, provavelmente. Culpa de uma religiosidade nem sempre empregada do jeito certo. Eu te beijei antes de você subir no ônibus, te beijei mais de uma vez, ainda sem saber, ainda sem nem suspeitar do significado daquela sua expressão estranha.

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