Capítulo 19 - O desaparecimento

46 7 1
                                    

— Completam-se cinco dias desde o incêndio no prédio da rua Starry Cover da cidade de Slepper Town, e a polícia ainda não possui o paradeiro de Miles Appleton Hanson e Morgan William Smith.

   O prédio Black Comet, local onde Miles trabalha, aparece na tela. A Hanson vislumbra as chamas se esvaindo pelas janelas enquanto os bombeiros tentam apagá-lo e as pessoas se afastando do edifício. O fogo é tão alto e tão constante que se alastra também pelo beco ao lado da propriedade. Há imagens de várias ambulâncias saindo com os feridos, crianças chorando por seus pais, adultos enrolados em cobertores.

— Na segunda-feira, às 14:56, uma catástrofe recaiu sobre o prédio mais caro da cidade. O incêndio, vindo do 1° andar, se ampliou rapidamente, queimando o sistema de computação central, o que o fez aumentar ainda mais. O complexo de defesa fora ativado pela fumaça, fazendo assim as portas e elevadores se fecharem em todos os andares, o que atrasou a recuada feita pelos bombeiros em setenta minutos. Testemunhas oculares afirmam ter escutado uma troca de tiros dentro do imóvel, o que levou a morte de vinte e duas pessoas e cinquenta e sete feridos. De acordo com especialistas, a aparição dos bandidos armados e o incêndio não são uma coincidência.

   Uma repórter de supetão se materializa na televisão, com o microfone apontado para um homem.

   Ele parece tentar esconder o olho roxo por trás dos óculos meia-lua amarelos, entretanto, o golpe fora tão grande que lucidamente é possível vê-lo. Seus lábios carnudos estão rachados e machucados, provavelmente os modeu pelo nervosismo. Um acolchoado púrpuro esconde sua camiseta flanelada levemente queimada e esburacada, os ombros baixos devido ao cansaço. Seus olhos castanho champanhe transmitem calmaria e, ao mesmo tempo, inquietude; se é que isto é possível. A pele marrom magenta é marcada pelas veias sobressaltadas e verdes de todas as partes do sistema nervoso, como se seu corpo ainda estivesse alerta, aguardando o próximo ataque.

   A data no canto superior direito deixam claro quando o homem fora intrevistado: 23 de março. A data do incidente. Mas ela não precisa ler o nome dele para saber exatamente de quem se trata.

   S/N não precisa apertar os olhos para reconhecer Daniel, o garoto que brincara com ela pelos campos de Hillary Green Day. É obviamente o colega de trabalho e o único amigo próximo que Miles teve em toda a sua vida antes de Darkness. E, é claro, o primeiro namorado de seu irmão mais velho.

— Trinta e quatro dos fios do agrupamento dos nossos processadores foram cortados, o que permitiu que eles pegassem fogo bem na hora em que os criminosos apareceram, atiraram nos meus colegas de trabalho e vieram para cima de mim por tentar defender as pessoas. Nossos sistema de segurança foi sabotado, eu mesmo vi. Havia ligações entre tomadas que nunca foram colocadas ali. Então, é, o bagulho não foi culpa da empresa e nem nossa. — Ele diz, tentando parecer profissional.

   A voz da repórter ressoa enquanto as imagens vão alternando entre os bombeiros, o fogo, as pessoas e a rua.

— Por sorte dos trabalhadores, havia alguém para lhes ajudar. Morgan William Smith, de vinte e três anos, e Miles Appleton Hanson, de vinte e dois, evacuaram todas as pessoas do primeiro andar antes que o incêndio fizesse grandioso estrago no térreo. Testemunhas afirmam que Morgan os auxiliou na fuga quebrando as portas automáticas somente com os ombros, enquanto Miles servia de isca para distraí-los das demais pessoas. Infelizmente, os dois desapareceram no processo.

   O coração da garota se aperta quando uma foto dos três amigos surge na tela, pedindo informações para qualquer um que saiba o paradeiro deles. Darkness, Miles e S/N estão abraçados e sorrindo para a câmera, e neste momento, eles aparentam rir para os espectadores do noticiário, como um pedido de ajuda silencioso.

   Hannah está na escada da casa, olhando atentamente cada movimento da Hanson, assim como os demais participantes. Dan, Lilly, Jessy, Thomas, Dan e Jake contemplam a menina, como se estivesse a enxergando com outros olhos agora que sabem seu sobrenome.

— O corpo de ambos não foi localizado dentro do prédio, o que motiva a polícia a continuar com as buscas. As gravações das câmeras de segurança captam os dois às 15:13, porém, a partir daí, o vídeo é completamente interrompido pela combustão.

   E, novamente, a reprodução é cortada para uma moça enrolada em dois cobertores, o rosto coberto de resíduo de carvão.

— O menino de tatuagens me puxou antes que eu recebesse um tiro na testa. — Ela enuncia. — Eu não o conheço, mas se não fosse por ele, meus quatro filhos teriam ido para o orfanato por perderem sua única parente. E o garoto com a arma ajudou bastante gente também. Sem ele, acho que a gente nem teria saído de lá vivo. Onde quer que esses dois heróis estejam, e o que quer que tenha acontecido com eles, aqueles dois heróis  não merecem e jamais serão esquecidos. Pelo menos, não por mim.

   Eles não merecem.

   Eles não merecem.

   Eles não merecem.

   A frase retumba pela mente de S/N, como se ela soubesse exatamente do que tudo isto se trata.

   Ela surrupia o controle das palmas suadas de Thomas e em um clique, desliga a televisão, farta do notíciario. Entretanto, todos ainda a miram boquiabertos.

— S/N... — Lilly a clama, a voz morrendo em sua garganta.

   Pela segunda vez, o telefone toca e a Hanson corre para atender.

   Quando a palavra "Desconhecido" se manifesta na tela da ligação, os olhos da menina se enchem de lágrimas. Ela aperta o botão verde néon e morosamente leva o telefone a orelha.

— Michael. — Ela expressa, trêmula.

— S/N. — A voz grave a cumprimenta, doce e delicada feito uma decapitação.

— Por favor, deixe eu falar com eles. — Ela solicita, a voz soando como uma súplica. — Eles não fizeram nada. Sou eu quem você quer.

   Ele gargalhadea com escárnio.

— Ah, eu acho que seu irmão e seu amigo estão ocupados demais agora pra conseguir conversar com você. — Informa o homem.

   No exato momento em que a voz de Michael some, ele aponta o telemóvel em direção a porta de sua sala abandonada para captar o som que está na sala ao lado. Os gritos de agonia tomam seu lugar. Gritos masculinos, pedindo por piedade.

— Eu avisei, S/N. Nunca, nunca, me tenha como um inimigo.

Só mais um minuto - DuskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora