Capítulo 7 - Lembranças

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   Ele desliga.

— Não... não... NÃO! Não pode... isto não pode... — Algo parece martelar sua cérebro, como se um troll estivesse desferindo repetidos golpes em sua cabeça com um machado.

   A mente da menina viaja em um turbilhão de pensamentos, o traumatismo craniano da mesma quase estourando sua mente, e logo, o passado, o presente e o futuro se embaralham e se perdem completamente.


Quase 11 anos atrás

   É uma noite praticamente perfeita. Os fogos de artifício colorem o céu com uma chuva vibrante de fagulhas, a música das caixas de som danifica a audição de quem se aproximar devido ao volume exorbitante, a dança com pares estilo country domina a batida da cidade e os copos com ponche, vinho, gim e bebidas alcoólicas não cessarão até pelo menos quatro da manhã.

   Portanto, será um choque para a família Hanson - que logo receberá as "péssimas novas" - perceber que um de seus membros sofreu um grave acidente justo no festival de Pine Glade.

   Ou melhor, dois membros. 

— Se chegarmos lá e o chocolate da fonte tiver acabado, você vai estar me devendo vinte reais da aposta. — Jennifer Hanson troveja para a sua irmã menor, que ganha velocidade com seus passos mais à frente.

— Jennifer, nós estamos literalmente quase quatro horas atrasadas! — S/N Hanson rebate. — Se você não se apressar, os esfomeados de Duskwood vão comer o fondue e o chocolate das fontes. Vamos logo, lesminha!

— Melhor ser uma "lesminha" do que ser uma "porquinha" como você e Miles. Vem cá, a quanto tempos vocês dois não tomavam um banho? Dois dias? — Ela indaga, lembrando-se do pés absurdamente negros que os dois estavam durante a manhã, quando voltaram do quintal.

— Abafa. O que importa é que a gente tomou banho, e agora queremos a comida do festival. Não acredito que ele decidiu ficar lá em casa jogando aquele joguinho dele do que vir com a gente. — S/N comenta, correndo até sua irmã, que estava treze passos atrás.

— Era a melhor coisa a se fazer. É quase meia-noite, S/N. Isto não é horário de duas crianças desobedientes como vocês estarem acordadas. E se a mãe e o pai saberem que eu deixei você sair, vão ficar muito bravos.

   S/N para. Seus olhos estão fixos no chão, a mente viajando a quilômetros de distância.

   Silêncio.

— Por que papai gosta mais de você? — A garotinha inquire para Jennifer.

   Os olhos da adulta ganham um cintilo a mais.

— S/N... não é porque papai é mais agressivo com você que ele me ama mais. Ele é só... meio difícil de lidar.

— Ele chutou as costelas do Miles e quando eu fui defender ele, ele me espancou e quase me deixou sem ar. — Ela diz, os olhos arregalados pela lembrança.

— Ele... tinha bebido demais. Sabe como as coisas são, não sabe? Os negócios no Aurora não vão bem. Mas que fique claro que isto não é desculpa pra o que ele fez.

   A menina continua encarando o chão, absorta em uma memória de gritos de Íris, sua mãe, olhos de puro ódio de Michael, seu pai, e os gemidos de dor de seu irmão.

— E eu já te disse que quando isto acontecer é pra você me ligar na hora que eu vou buscar vocês dois e os levo pra minha casa. — Ela acrescenta. — Vocês são pequenos demais pra se defenderem sozinhos.

— Não somos mais tão crianças assim. Temos onze, eu sei cuidar de nós dois. — Ela afirma em resposta, fazendo Jeniffer arquear a sobrancelha.

— Ah, é? E será que estes dois mini-adultinhos aguentam... o monstro da cosquinha?! — Ela faz cócegas no pescoço e barriga de S/N, fazendo a pequena gargalhar alto.

— Jenni! Para! — Ela ordena. A maior para.

— Vem logo. Vamos atravessar a rua. — A mulher diz, pegando a mão de S/N e olhando para os dois lados.

   Não há absolutamente nenhum movimento, portanto, ela começa a atravessar, em direção às luzes e à música de Pine Glade.

   Um carro em alta velocidade avança em cima das duas, lançando Jennifer ao chão.

   Após bater a cabeça em um tronco de árvore, a visão de S/N simplesmente escurece.

   Quando abre os olhos, revelando as íris acastanhadas para o mundo, a visão de a pequena S/N de olhinhos molhados tem é um tanto peculiar.

   Três pessoas. Uma menina loira, uma morena e um garoto, segurando pás. Cavando um buraco.

   Quando S/N se levanta, ela tem a visão de uma garota deitada no chão.

   Um corpo.

   A pequena criança estreita os olhos, tentando reconhecer sua própria irmã e não se lembrando de quem ela é.

   Não pode permitir isto.
 
   Primeiro a Jennifer.

   Depois seu pai.

   E, por fim, sua mãe a mandou para o orfanato por não ter condições de cuidar das duas crianças.

   Mesmo que S/N não se recorde bem de nenhum deles e que todas as suas memórias sejam curtas, borradas e fracas, não pode tolerar isto.

   Não pode perder mais ninguém.

   Ela limpa as lágrimas e tenta forçar sua crise de pânico a diminuir.

   Ela pega seu copo de café tremendo e caminha para fora, sem dizer nenhuma palavra à Miles ou Darkness, que estavam gritando para que ela acordesse de seu transe.

— Pra onde a gente vai? — Darkness interpela, praticamente puxando Miles para ficarem próximos a garota.

— Nós... nós vamos salvar um hacker.

Só mais um minuto - DuskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora