— Seu cabelo é tão bonito... – Yukio disse, com a voz arrastada. Já é a quarta vez que ele diz isso em menos de trinta minutos. — Eu já disse isso?
— Não, nunca disse. – Respondi. Sei que este comportamento é dado pela bebida, afinal, ele bebeu mais de meia garrafa de vinho em uma rapidez surpreendente. Mas, eu gosto de ser elogiada, mesmo que não seja um elogio sincero.
— Bom, estou dizendo agora.
Não estamos mais no salão do clube. Estávamos andando e, quando prestei atenção ao meu redor, percebi que estávamos parados em uma espécie de estufa velha e empoeirada, com uma pequena lamparina iluminando o cômodo. É uma pena estar desse jeito, se eu tivesse uma estufa em casa – no Brasil – eu limparia ela ocasionalmente. Eu amo flores.
É brega, eu sei. Típico de protagonista de livro, não que eu seja uma. Mas eu gosto, sabe? A forma como cada flor é única, com um cheiro único. Tenho memórias afetivas com o cheiro delas.— Gosta de flores? – Yukio questionou, como se lesse meus pensamentos. Uma dúvida se instalou em minha cabeça, quanto tempo será que eu fiquei parada pensando em flores e estufa? Não que eu me importe, já que ele está bêbado demais para perceber isso.
— Gostar é um adjetivo fraco em relação aos meus sentimentos pelas flores. Mas, sim, eu gosto. – Sibilei. É a primeira vez que entramos em uma conversa agradável, sem brigar. Talvez seja o efeito do álcool.
Yukio apanhou um lírio já se desfazendo:
— Tinha flores no Brasil? Digo, na sua casa?
Bom, considerando que eu morava na periferia, tinha uma rotina corrida, nenhum espaço aberto para plantação e o fato de que os animais dos vizinhos estavam sempre entrando em nosso terreno, eu diria que não, nunca houve flores em minha casa.
— Creio que não. – Respondi. Exceto uma vez, quando fiz quinze anos, ganhei uma flor artificial. — Mas, mesmo não havendo flores em minha casa, eu apreciava as que via no caminho para a escola.
— Deixe-me adivinhar, esta aqui é sua favorita. – Ele entendeu o lírio para mim, aproximando-se. Seu hálito quente e alcoólico deixou-me tonta por alguns segundos.
— Mhm... Não. Mas, quem sabe na próxima. – Desdenhei. Seu sorriso galanteador murchando me fez sorrir com satisfação. É, parece que voltamos a estaca zero.
— Não pode me dizer qual é?
— Definitivamente não. Desse jeito, não tem graça.
...
— Como era lá, no Brasil? – Yukio chutou a água com os pés. Estamos na borda da piscina do clube, que está terrivelmente gelada. Tentei arrastar-lo para dentro e chamar Jean Carlo para levar-lo pra casa, mas ele bateu o pé e não quis ir. Informação importante que estou guardando em minha cabeça para situações futuras: Yukio age como uma criança birrenta quando ingere álcool.
— Não sei explicar. Era bom, e ruim. – Murmurei, ignorando o fato de que meus pés, agora descalços, não estavam dormentes com a água gelada da piscina. — A comida é boa, apesar de muitos não poderem desfrutar disso. As pessoas são fúteis, egoístas, e eu não me orgulho de me enquadrar neste meio. Apesar de nunca ter saído do interior, sei que mais da metade do país está destruído, e eu culpo o capitalismo, em partes. As pessoas de lá fingem não ver tudo que está acontecendo ao redor delas. É triste.
— Nossa. – Percebi que ele me observava, o que não me fez desviar a atenção da água. — Por quê estou vendo três de você?
É claro, a bebida. Por um momento pensei que pudesse ter uma conversa normal com ele, mas provavelmente amanhã ele não irá se lembrar de nada. Devo me lembrar de nunca mais deixar-lo beber quando estiver comigo.
Não revisado.
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Não Posso Amar Ele
RomanceKaira sempre esteve acostumada á uma vida simples e dias repetitivos. Sendo uma adolescente de dezessete anos, ela sempre teve dificuldades em fazer amigos. Com uma mãe controladora e que mais parece uma amiga do que mãe, ela enfrenta os problemas d...