Camaleonte (Livro 1 Pietro Matarazzo)

Capítulo 26 - Anya Morozov - Parte 1

Eu nunca quis ser a vilã. 

Eu nunca quis ser a bruxa má. 

Eu nunca quis machucar pessoas inocentes. 

Eu nunca quis me tornar aquilo que o meu verdadeiro pai era. 

Eu nunca quis ser quem eu sou hoje. 

Mas por ele eu me tornei. 

Pelo meu pai do coração. 

Pelo Mirko eu me tornei a vilã, a bruxa má, machuquei pessoas inocentes para atingir o meu objetivo e por fim me tornei aquilo que o Morozov era. 

Um monstro.

Desde pequena eu sempre soube que algo estava errado, mesmo pequena eu sabia que não era normal aquelas manchas e machucados pelo corpo da minha mãe. Apesar da pouca idade eu sabia que o homem que eu chamava de pai machucava a minha mãe, quase todas as noites eu ouvia seus gritos e gemidos de dor. Ouvia palavras que eu não entendia na época e hoje eu sei muito bem o que elas significavam. 

Ele batia nela e depois abusava do seu corpo. 

O homem que eu chamava de pai acabou com o psicológico, com o corpo e com a alma da minha mãe. 

Apesar de ser pequena eu via a cada dia a minha mãe definhar por causa daquele homem. 

Aos cincos anos de idade eu descobri o que era ódio, raiva e nojo. 

Eu odiava o meu pai. 

Eu sentia tanta raiva daquele homem. 

Eu sentia meu estômago embrulhar quando era obrigada a fazer o papel de boa filha e sorrir para ele. 

Aos cincos anos de idade eu sentia que estava vivendo presa em um pesadelo.

Eu não merecia aquilo e muito menos a minha mãe. 

Eu queria viver como as princesas nos contos de fadas mas tudo o que eu vivia estava longe de ser a vida dos meus sonhos. 

Eu vivia um inferno. 

Como uma criança poderia crescer desse jeito? 

Como uma criança poderia crescer sem sua inocência? Sem sua pureza? 

É incrível como apesar da pouca idade conseguimos gravar com exatidão os momentos de dor e de medo que vivemos. 

Um maldito trauma.

Mesmo depois de anos se eu fechar os olhos eu consigo sentir a queimação no meu rosto e a dor na minha boca quando levei o primeiro tapa daquele homem. 

Fecho os olhos ao relembrar daquele dia.

Mais uma vez eu estava sendo obrigada a fazer o papel de boa filha e a minha mãe estava sendo obrigada a fazer o papel de esposa e dona de casa feliz, aquele homem estava recebendo seus aliados e tudo tinha que ser perfeito, nós tínhamos que ser perfeitas mas eu era apenas uma menina de seis anos porque eu deveria ser perfeita? 

Eu queria apenas brincar e comer doces. 

E esse foi o meu erro. 

Eu fui até a cozinha escondida da minha mãe e peguei um doce e quando comi eu sem querer sujei o meu vestido e quando eu ia procurar a minha mãe para pedir ajuda ele me viu. 

A raiva nos seus olhos me fez estremecer no dia, o medo que senti foi tão grande que eu quis apenas me refugir nos braços da minha mãe mas eu não podia. 

Eu estava encurralada na cozinha e as empregadas não fariam nada. 

Todas tinham medo dele. 

Eu estava sozinha com o monstro.