O despertador tocou na madrugada, interrompendo o descanso do professor solitário que vivia naquela pequena casa de esquina. Ele levantou-se, ainda sonolento, e caminhou até a cozinha escura. O interruptor que ligava a lâmpada do cômodo estava ao alcance de um toque, mas ele preferiu acender uma vela. Era um entusiasta dos velhos costumes.
Munido da pequena fonte de luz, o professor pegou uma das vasilhas do armário e despejou uma boa quantidade do jantar que fizera na noite anterior. Aquele era um trabalho rotineiro, pois ele odiava a comida da escola desde o primeiro dia que iniciara seu trabalho na instituição municipal de Voger.
Depois de escovar os dentes e vestir seu característico casaco marrom com vários bolsos, o professor preparou o café. Sentado diante da mesa, ele bebeu o líquido quente em goles ansiosos, fitando a foto estampada na caixa de leite. O nome Egrill Bardsson estava escrito em negrito logo abaixo da fotografia do garoto desaparecido de cabelos escuros, que usava um moletom vermelho e cachecol azul na foto disponibilizada para as buscas pela região.
Voger era uma cidade pequena da Islândia, com menos de 2.000 habitantes, mas tais desaparecimentos eram comuns naquela época do ano. O menino sumido estudava na escola que o professor lecionava, e fora visto mais de uma vez por ele nas salas de detenção, sempre rebelde e contrariado enquanto a supervisora lhe dava um de seus sermões sobre mal-comportamento.
A vasilha foi colocada no banco de carona quando o professor entrou em seu carro e dirigiu por seis quadras até seu local de trabalho. As crianças estavam animadas naquela manhã, mais do que de costume. O natal estava próximo, e aquele seria o último dia de aula antes das festividades.
O professor entrou na sala de aula, cerca de cinco minutos antes do sino soar pelos pátios cobertos de neve, e observou seus trinta e sete alunos entrando e tomando seus lugares nas carteiras velhas. Uma delas permaneceu vazia.
― Bom dia, crianças. - falou o professor, com sua voz esganiçada. - Estão animados para o natal?
Um coro de falatório se seguiu, com vozes animadas e relatos sobre árvores de natal brilhantes e presentes muito esperados. O professor também adorava o natal, sendo essa a época preferida dele desde que se conhecia por gente.
― Sei que todos estão ansiosos, e por isso decidi trazer algo diferente para a aula de hoje. ― revelou, recostando-se na cadeira. ― Vamos falar sobre as lendas de natal, o que acham?
― Mas nós já sabemos de todas, professor. ― respondeu Adda, uma garotinha esperta que sentava nas fileiras da frente.
― É verdade. ― concordou Elindyl, arrumando seus cabelos revoltos que insistiam em cair sobre os olhos.
― Sim, vocês devem estar cansados de escutar sobre o Papai Noel e suas renas voadoras, e também dos gnomos de chapéu pontudo que viajam com ele no trenó voador durante a véspera de natal. Mas nessa aula de história vou trazer uma lenda diferente.
Todas as crianças ficaram em silêncio, animadas com a possibilidade de algo novo. O professor adotou um semblante sério antes de começar.
― Em um passado distante, antes do natal ser sobre um velhinho bondoso que entrega presentes para as crianças bem comportadas, nós comemorávamos outra coisa nessa época do ano. Um festival chamado Yule! Alguém sabe do que se trata?
― Faziam isso para festejar o final do inverno, não é? ― sugeriu Adda depois de erguer a mão, sorrindo com orgulho quando o professor concordou.
― Isso mesmo. Mas a história que vou contar é um pouco mais assustadora... Gostam de histórias de terror?
A maioria da sala abriu um sorriso matreiro, e alguns até pediram silêncio quando os colegas começaram a comentar entre si.
― Dizem que há muito tempo atrás, vagando entre os vilarejos e pequenas cidades da antiga Islândia, havia uma ogra chamada Grýla. Ela era uma criatura enorme, com dois chifres na cabeça e cinco longas caudas pontudas. A fome de Grýla era tão grande quanto ela própria, e ela gostava de se alimentar de crianças.
― Eca! - reclamou Elindyl.
― Mas não era qualquer criança que Grýla gostava de comer. Não mesmo! - continuou o professor, varrendo a sala com um olhar repleto de divertimento. ― Ela adorava se alimentar de filhos desobedientes, por isso caminhava pelas ruas pedindo aos pais que entregassem suas crianças para que ela levasse para sua casa e fizesse sopa com eles. Grýla fez isso por muito tempo, mas nenhuma criança lhe foi entregue. Furiosa e com fome, a ogra parou de pedir permissão aos pais, e começou a raptar crianças que andassem sozinhas. As pessoas logo descobriram, e temendo por seus filhos, expulsaram a ogra para a região remota dos vulcões onde Grýla fez sua morada. As histórias contam que a criatura descia de sua caverna todos os anos no solstício de inverno, e enquanto o Yule era festejado, levava as crianças ruins para os vulcões, e lá as devorava.
As dezenas de rostos infantis olharam para o professor com assombro, certamente imaginando Grýla em suas mentes férteis. Ele se levantou da cadeira e caminhou até o quadro negro, usando giz de cera para escrever o nome da ogra na superfície verde-escuro da parede da sala.
― Agora quero que vocês façam um desenho para mim. - pediu ele, virando-se na direção da turma. - Aquele que desenhar a melhor Grýla ganhará um presente no final da aula. Combinado?
Os alunos não estavam mais tão animados quanto estavam antes de ouvir a história, e o professor tratou de tranquiliza-los sobre a lenda da ogra devoradora de crianças. Uma hora depois, ele tinha trinta e sete desenhos diante de si para avaliar, e enquanto as crianças conversavam escolheu a melhor Grýla.
O sino do almoço tocou tempo depois da escolha dele, e a maioria dos alunos correu para tomar seu lugar na fila da merenda. O professor chamou o vencedor de seu concurso de desenho antes que ele saísse.
― Você foi muito bem, Elindyl! - parabenizou, observando a folha entregue pelo menino.
― Obrigado. - falou Elindyl, cabisbaixo.
― O que foi? - quis saber o professor.
― É que... Egrill é meu amigo, e ele sumiu. - o aluno observava os próprios pés. - Acha que a Grýla o pegou?
― Claro que não! - o professor pousou a mão no ombro da criança de cabelos longos. ― Grýla é só uma história que os adultos de antigamente contavam para seus filhos obedecerem, entende?
― Como o bicho-papão?
― Exatamente! ― O adulto assentiu. ― É uma lenda, e nada mais. Agora vá com seus amigos, e não se preocupe com Egrill. Ele será encontrado.
― Tudo bem. - o garoto sorriu brevemente, convencido por aquelas palavras, e partiu para o pátio com alegria renovada.
Quando já estava sozinho, o professor voltou a se sentar e pegou seu almoço na bolsa. Destampou a vasilha e sentiu o cheiro delicioso que vinha da sopa fria. Sem ter trazido talheres, tomou um gole farto e mastigou os pequenos pedaços de carne. Estava perfeita. Na terceira golada sentiu algo estranho entre os dentes e usou o dedo indicador para tirar o fiapo de lã azul da boca.
― Estou ficando descuidado com o preparo das refeições... - resmungou ele, enquanto olhava para o desenho sobre a mesa e tentava recordar da época que ainda tinha chifres e caudas.
Sobre o autor Alan S. Polanczyk:
Alan S. Polanczyk é natural de Foz do Iguaçu, Paraná. Ele iniciou na escrita no ano de 2016, e escreve principalmente Fantasia Medieval e Terror.
Wattpad: AlanPolanczyk
Instagram: alan_polanczyk
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Contos, Dragões e Luzes de Natal
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