A Última Poeira Estrelar

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Um conto de Mundo Sem Fim

A véspera de natal é sempre um dia estranho em Curitiba. Não está frio. Não está quente. Não está sol, tampouco está chovendo... Quer dizer, sempre chove, mas lá para às seis, quando o dia já se arrastou quase inteiro em tédio e mormaço. É uma sensação parecida com a de prender a respiração... Mais um pouco... Mais um pouco...

Até que o ar acaba.

Você resfolega puxando uma quantidade absurda de ar que entra dolorida nos pulmões. E a chuva desaba. Assim, do nada. Gotas grossas, raios, relâmpagos e trovões. Parece que o mundo vai acabar. Mas a parte boa, ou ruim, de tudo isso é que não acaba. A tempestade passa. A meia noite chega. Alguém estoura um champagne. Poc! As pessoas estão sorrindo ao seu redor, as luzes estão piscando na árvore, e a sua pele coça. A minha pele coça. Como se quisesse expulsar a alma que a habita.

Eu sabia. Você sabia.

Depois de tanto tempo prometendo, uma hora ou outra o mundo ia acabar de verdade.

Mas quando Curitiba ainda existia o natal era assim. Eu me lembro bem. Passei poucos, pouquíssimos natais felizes ali. Hoje eu faço minha última viagem para a terra onde nasci, para ver uma última vez o que o Inverno fez com minha cidade.

Hoje em dia as pessoas gostam de falar que o Inverno destruiu tudo. Mas não foi bem assim, houve a guerra antes, a epidemia, a fome. O Inverno foi só a cereja do bolo. A última pá de terra que sepultou nossas esperanças de dias melhores.

O dirigível pousou no campo aberto e desolado que um dia foi o Jardim Botânico. Como eu sei que aquele era o Jardim Botânico que tanto me alegrou na infância? A árvore onde eu brincava. Era a única coisa de pé ali, petrificada sobre a neve encardida.

— Vovó, vista mais um casaco e coloque a manta. — Minha bisneta coloca o agasalho diante de meus olhos que já não funcionam tão bem.

— Pare de agitar esse trapo na minha frente, Sidney! Eu ainda não estou totalmente cega!

Só Sidney veio comigo. O Velho não quis vir pois não suporta esse lugar. Meu amado Valente. Aqui estão suas melhores e piores lembranças. Minha filha não quis vir pois detesta voar, mesmo caso de minha neta, mãe de Sidney. Os outros familiares não vieram apenas porque não tem qualquer vínculo com essa pobre e abandonada cidade no Cabo Sul do Mundo. A única que veio comigo, além de Sidney, não pode mais demonstrar sua saudade ou sua alegria. Não pode mais reclamar do frio e não pode mais me pedir perdão como fez até o último dia de sua vida.

Eu voltei para enterrar minha irmã.

Seu rosto ainda tem alguns resquícios da beleza estonteante que ela teve quando jovem. A cobertura de polímero do caixão me deixava ver cada detalhe de seus traços. Das linhas de seu rosto. Ela estava linda. Vestia uma bela túnica verde com o brasão de um falcão branco coroado sobre um escudo dourado, algo que remete ao seu sobrenome de casada. Hawknest.

— Vovó Yasmin parece estar dormindo... — Sidney tocou de leve a tampa do caixão.

— Ela morreu em paz, Sidney. Ela dormiu e agora descansa esperando pelo chamado do Criador. O dia em que todos os que morreram ressuscitarão para morar com Ele...

— Vovô Hawknest dizia que isso tudo era bobagem... Que os mortos nunca voltam. — Os olhos grandes e expressivos de Sidney escureceram um pouco.

— Isso não é coisa com a qual uma menininha de oito anos deva se preocupar, Sidney!

Toquei o nariz dela com o dedo indicador, uma brincadeira que o Velho adorava fazer comigo quando éramos jovens.

Havia sete guardas conosco. Dois com o brasão da família do marido de minha irmã, dois com o brasão da minha família, dois guardas civis e um outro, um capelão, Lorde Eliuh Blaine. Era o suficiente para carregar o caixão e cavar a sepultura no pé da velha árvore.

Contos, Dragões e Luzes de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora