Sala 15

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Seus coturnos pesados faziam barulho no corredor e contrastavam com o silêncio da faculdade, quase vazia.

O vestido florido de tecido leve que ela usava e a jaqueta jeans amarrada na cintura lembravam o cabelo ruivo amarrado em si mesmo.

Ela corria apressada e contando os 27 minutos de atraso. Era aceitável segundo os padrões cariocas.

E ainda assim o percurso, que parecia infinito, a irritava. Quando finalmente chegou na porta da sala 15, a última daquele bloco, Manoella não se permitiu nem mesmo um segundo pra recuperar o fôlego antes de girar a maçaneta enferrujada.

Os mesmos sete alunos de sempre já ocupavam o espaço, enorme em tamanho e preenchido com diversas carteiras.

Aquela turma era tão pequena justamente pelo horário da aula: 12:40. A maioria dos graduandos prefere não estudar nesse horário, perfeito para almoçar no restaurante da universidade, quando a comida ainda está quentinha e fresca.

Manoella, no entanto, não podia se dar o luxo de uma refeição balanceada. No último período da faculdade e presa por três matérias (eletivas e universais ainda por cima) ela corria contra o relógio pra se formar logo.

Ter interrompido a graduação para viajar pra fora, no intercâmbio, embora tenha sido uma decisão maravilhosa, acarretou um atraso irremediável que a impediu de se graduar com a turma que a acompanhava.

Agora, na sala de aula daquela disciplina chata dada por um professor já exausto e no horário mais inoportuno, Manoella se sentava sem muito jeito numa das carteiras desconfortáveis, a mesma de sempre.

A bolsa de pano com estampa gráfica fez um barulho metálico ao ser depositada sem cuidado no chão. A garrafa d'água, vazia e amassada no fundo, estava acostumada a ser tratada sem muito zelo.

O professor seguia sua explicação inabalado pela entrada da aluna que praguejava baixinho a falta de uma caneta. O estojo provavelmente estava esquecido no apartamento que dividia com duas amigas no bairro vizinho a faculdade.

― aqui. ― a mesma voz rouca de sempre.

Manoella não precisou se virar pra ver quem lhe oferecia a bendita. A mão direita se estendeu pra trás, onde foi recebida por uma stabillo verde. A cor favorita dele.

Por alguns segundos, as mãos se tocaram. A caneta entre elas e a sensação de eletricidade.

Fernando tinha, de alguma forma inexplicável, esse jeito de fazer Manoella sentir frio mesmo no calor do Rio. Ele era como neve no Natal. Coisa de filme.

Sempre que seus olhos se cruzavam, os azuis claros de Manoella com os azuis tempestade de Fernando, era como se um vento gelado passasse.

Ele a deixava inquieta da maneira mais confortável possível; a fazia rir alto em momentos indevidos; arrancava da moça os sorrisos mais sinceros e os insultos mais ridículos. E sempre os arrepios quando por algum acaso os corpos se esbarravam.

Manoella não era tímida, mas lembrava sempre com doses de vergonha da forma como a pele clara ruborizara no dia 19 de outubro, quando numa quarta- feira os dois colidiram feio num corredor lotado.

Ela indo às pressas para sala 15. Ele saindo dela às pressas rumo ao outro lado do corredor.

― pausa pro banheiro - ele disse rindo enquanto ainda mantinha as mãos na cintura dela. A única coisa que a impedira de ir ao chão devido ao encontrão.

Os dois trocaram um olhar e só então Fernando pareceu se dar conta da posição das mãos, soltando Manoella, que seguiu e entrou na sala apressada.

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