Dádiva de Natal

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Toda noite da mesma data do ano, no mesmo horário, ele sai. E quando sai, nós o acompanhamos. Ele voa pelos céus em seu dragão, junto de sua comitiva de elfos e duendes, lançando objetos mágicos para as crianças. Não sabemos o porquê de ele fazer isso, mas não importa, tudo que precisamos saber é que os objetos lançados são mega valiosos. E por isso o seguimos todo ano nesta mesma noite, para roubar, pois é isso que nós, saqueadores, fazemos.

Ninguém nunca viu seu rosto, não conhecemos sua história e sequer seu nome verdadeiro, o chamamos apenas de Noel. Os pais lá embaixo contam aos filhos que apenas as crianças boas recebem presentes do Noel. Baboseira! As crianças cujos presentes não são entregues são aquelas cujas dádivas foram roubadas por nós.

Treinamos o ano inteiro para esse momento, não é fácil, alguns irão morrer hoje, mas vale a pena. Uma noite de saque e cada saqueador pode passar o resto do ano sem trabalhar.

O dragão de Noel voa a dez mil metros de altitude. Para alcançá-lo, estou num dirigível. Eu e mais umas centenas de saqueadores. Como sempre, eu enxergo alguns rostos desconhecidos. Todo ano há novatos, facilmente identificados pelos gestos trêmulos. O que me intriga, porém, é não encontrar alguns rostos conhecidos. Saqueadores não são próximos uns dos outros, mas há um em especial que eu quase posso chamar de amigo. E ele é um dos que não vejo.

— Você sabe de Caleg? — pergunto a um colega.

— Não veio.

— Não deu notícias?

— Também não. Você é próximo dele, não é, Koen? Ele não te falou nada?

— Não...

Todo ano alguns saqueadores simplesmente somem. Se morreram ou resolveram se aposentar, ninguém sabe. Ah, sim, Koen é meu nome, nem me apresentei. Nossa ordem não é conhecida pela educação.

A luz amarela pisca. O momento do desembarque se aproxima.

Hora de conferir meus equipamentos. A essa altitude, o tempo é do tipo frio congelante e é impossível respirar. Por isso uso uma roupa com isolamento térmico e um capacete com respirador. Se um deles falha, eu morro. Checo e está tudo certo. Para voar temos propulsores às costas, estabilizadores de voo nas botas e braceletes, além de flaps espalhados pela armadura leve que usamos.

Os objetos que vamos roubar, conhecidos como dádivas de Noel, são lançados por magia pelos elfos. Elas são como luzes voadoras. Para capturá-las, temos um laço mágico acoplado a nosso bracelete direito. Checo sua energia no painel do bracelete, 100% carregada.

Os servos de Noel tentam impedir que nós roubemos os presentes destinados às crianças e são ferozes em seus ataques. Para incrementar nossa defesa, contamos com um equipamento que mistura magia e tecnologia, acoplado ao bracelete direito, assim como o laço. É um escudo translúcido de cor laranja, com o movimento certo da mão direita, ele é acionado. Testo, está ok.

O dirigível começa a tremer, Noel se aproxima.

Hoor hoor hoor. — Ouve-se o rugido do seu dragão.

A baforada do monstro alado forma uma grande névoa em torno da comitiva, impedindo que quem esteja longe a veja. Para quem está lá embaixo, não passa de uma nuvem qualquer.

O alarme soa, luzes vermelhas piscam. É hora de desembarcar.

Caminho até minha comporta, os passos da minha bota metálica no piso de aço ressoam no interior do dirigível. Em coro com centenas de saqueadores, formamos uma breve badalada. A comporta se abre e a lufada de ar quase me derruba, a sola imantada no piso de aço é o que me segura. Ligo os propulsores. Meu coração bate forte, por mais que tenha dez anos de experiência, é inevitável o pulso acelerar. É a noite! Ela está prestes a começar, minha noite de Natal!

Contos, Dragões e Luzes de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora