Pietà

42 9 18
                                    

Especial de natal do ''Grupo anônimo de investigação sobrenatural de nome sujeito à mudança''

A mãe de Kaliane terminou de esconder os três presentes segundos antes de a filha bater na porta com os dois amiguinhos. Sentia-se em um filme de ação desativando uma bomba no último segundo. O marido avisou que ela estava levando aquela coisa de natal à sério demais, e que as crianças estavam velhas demais pra esse tipo de bobagem. Como se onze anos fosse velho para o natal. Ela mesma só deixou de acreditar no Papai Noel com quinze anos.

Além do mais, aquele tinha sido um ano difícil, para dizer o mínimo. Aqueles três se envolveram em muitos perigos, o pai de um deles chegou a ser preso por acusações de racismo e posse ilegal de armas. Junto com isso aquele mistério do carro de sorvete arrombando a vidraça de um salão de fliperama, o motorista nunca foi encontrado. Tanta coisa estranha acontecendo naquele bairro, a polícia se fazia de desentendida, mas era óbvio que eles sabiam de alguma coisa. E sua filhinha envolvida em toda a bagunça...não queria nem imaginar!! Só queria que o ano passasse e que deixassem tudo aquilo para trás.

― Mãe, a porta tá trancada!!- Kaliane chutou do lado de fora.

― Ei!! Que maneiras são essas, mocinha?- a mãe correu até a sala e abriu a porta. A filha tinha um sorriso de orelha a orelha de quem sabe que fez algo errado. JP tentava esconder o seu sorriso, mas ele escapava, entortando os lábios. Luis, que dos amigos de Kaliane era o favorito da mãe, encolhia os ombros como um ratinho medroso. Parecia querer pedir desculpas pelo comportamento de Kaliane, mas tinha vergonha até para isso. Tinha dó dele mais do que todos, o garoto tinha sérios problemas na família, mas era muito bonzinho, a mãe acreditava que ele era uma boa influência.

― Que cheiro bom é esse?- JP esfregou as palmas sem a menor vergonha de lamber os beiços. - A senhora já preparou o rango, foi?- o menino não esperou uma resposta, afastou as pernas da mulher e invadiu a casa. Kaliane foi logo atrás gritando alguma coisa sobre ser a primeira a encostar no frango, deixando apenas Luis do lado de fora.

― C...com licença.- ele pediu, ainda cabisbaixo. A mulher não pode resistir e soltou uma pequena risada que saiu como um soluço. Tinha dó do garoto, mas o seu jeito tímido tinha algo de engraçado, não podia resistir.

― Fique à vontade. - a mãe abriu caminho para ele e fechou a porta quando viu que estava começando a chover. - Tem certeza que seus pais não se importam que passem o natal aqui?

― Meu irmão se mudou com a namorada e meus pais vão passar o natal lá. - disse JP.-Eu pedi tantas vezes que eles me deixaram vir.

― E você?- a mãe se virou para Luis.

― Minha mãe trabalha no natal. - o garotinho de família alemã brincou com os fios do cabelo loiro. Kaliane lhe dissera algumas vezes que Luis sofria bullying na escola por causa das polêmicas em volta do pai. A escola em que frequentavam dava conta das crianças de dois bairros diferentes, extremamente estratificados racialmente. Luis morava no bairro quase que totalmente formado por pessoas brancas. Kali conheceu os dois meninos na rua enquanto um grupo de vândalos perseguiu Luis até um beco. Às vezes, a mãe se perguntava se não eram loucos por continuarem em uma área tão perigosa. Não é como se tivessem muitas opções. Voltar para a casa da sua mãe? Casada e com dois filhos? Seria mais loucura ainda.

― E quando é que a gente vai comer, hein?- JP falou em um tom irônico, tirando a mãe dos seus devaneios de adulta.

― Ainda é cedo. Kali, tem bolacha no armário. Pega pros seus amigos, eu ainda tenho muita coisa pra fazer.

― Já peguei, mãe. CONTEMPLEM!!- a menina gritou na sala. - Meu tesouro.

Ahh, claro. O Playstation, o real motivo dos meninos estarem lá. As crianças eram obcecadas por essas coisas. Desde que Jonas comprou aquele aparelhinho pra irmã mais nova ela trata a coisa como se fosse uma divindade debaixo da televisão. Sua mãe não gostava muito daquilo, eram muitas luzes frenéticas, não podia ser saudável para o cérebro. Fora que alguns daqueles jogos eram violentos, se bem que Kali sempre foi fascinada por filmes e gibis de terror e isso nunca pareceu assustá-la. Ainda assim...

Contos, Dragões e Luzes de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora