Jamais pensei que eu fosse ver a luz...
Quer ouvir a história de como o natal de luz chegou a esta terra de trevas?
Meu avô contava histórias de um tempo tão distante no passado, que isso é tudo o que resta: história; ele falava sobre a luz que era abundante em todo lugar, e sobre pessoas felizes e colheitas abundantes; falava de esperança...
Mas há também outra história que ele contava, uma que até pouco tempo eu não acreditava.
— Meu rei, trago em tua presença os cativos à juízo — disse o capitão da guarda.
As tochas e velas tremulando na sala do trono lançavam sombras dos prisioneiros nas paredes. O fogo tem sido nosso aliado desde sempre, afugentando a eterna penumbra que cobre o mundo, nos privando da luz e da vida. Todos sabem que a humanidade está chegando ao fim; a comida é escassa; não há plantações; as pessoas se matam só para poderem comer mais uma refeição, o que não é considerado um crime. Roubo de comida, no entanto, é a mais grave transgressão, punida com a morte, o que não quer dizer nada, não a uma humanidade sem esperança...
Minha esposa, sentada no trono, ao meu lado, cerrava os punhos, fitando os cativos. Fitei sua barriga grande; ali tinha um filho nosso, um filho que jamais deveria nascer... Não em um mundo como o nosso.
— Você, dê um passo à frente — ordenei ao primeiro da fila. — Diga sua transgressão.
— Roubei comida — disse o jovem.
Bastou lançar um olhar para o capitão da guarda, e sua espada cortou o ar, passando pelo pescoço do jovem. Ambas as partes caíram no chão. Estudei o reflexo das chamas das tochas nos olhos sem vida do jovem jazido no piso.
Não havia um resquício sequer de medo nos rostos dos prisioneiros, a morte era a única porta de saída desse mundo sombrio.
— Próximo — ordenei. Uma moça se aproximou, suja, as vestes rasgadas, o rosto agredido. — Diga sua transgressão.
— Me vendi a um homem em troca de comida, mas ele não me deu o que me pertencia, então o roubei. Ele me achou, me bateu e me entregou ao capitão da guarda.
A garota se ajoelhou, uniu as mãos e fechou os olhos. Se fosse há vários anos, na época em que eu ainda era pequeno demais para compreender o mundo, eu pensaria que ela estaria orando a alguma divindade, mas ouvi isso apenas em histórias do meu avô. Ele contava que em algum lugar da existência havia um mundo banhado pela luz e pela esperança, onde havia um homem que era pai de toda a criatura; chamavam esse homem de Pai das Luzes, e esse homem trouxe o natal ao mundo. Mas, nós não tínhamos a ninguém, somente as sombras e algum conforto na morte.
Mais uma vez, bastou apenas meu olhar para o capitão, e a espada ceifou a garota.
Sem dizer palavra alguma, minha esposa grávida se levantou de seu trono e caminhou para fora da sala.
— Por que pergunta pelos crimes se todos acabarão mortos, do mesmo jeito? — questionou um velho homem. Era tão velho, que o rei se surpreendeu de que ainda estivesse vivo. Raros eram os que chegavam à meia-idade.
— Mate todos, apenas o velho vive — dei ordem.
Fitei o velhinho, ele se encontrava no final da fila, o semblante neutro. O capitão matou um a um, até sobrar apenas o velho, que foi arrastado pelo capitão, até estar diante do rei.
— Você me fez uma pergunta, e a responderei — falei. — Pergunto pelos crimes para encontrar alguém que tenha esperança. Se disser que não cometeu transgressão, acreditarei, não em sua palavra, mas na sua esperança de viver. Se confirmar sua transgressão, está apenas pedindo para morrer.
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Contos, Dragões e Luzes de Natal
Short StoryDezembro vem com uma data linda, recheada de histórias. Várias delas deixam nossos corações quentinhos e esperançosos, com toques de fantasia, dramas e romances. Também há histórias sinistras para os mais corajosos. Todas elas te convidam a se aconc...