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-Você só parece um pouco...

-Cansada? Doente?

-Bem- Genya disse de um jeito sensato -Você parece bem para quem fez uma viagem pesada por dois dias.

-Tudo bem...- suspiro -Pode fazer o que você precisa.

-Obrigada!- Genya exclamou, batendo as mãos. Eu olhei para ela com atenção, mas não havia sarcasmo em sua voz. Ela estava aliviada, percebi. O Darkling a tinha enviado com uma tarefa, e me perguntei o que teria acontecido com ela se eu me recusasse.

-Só não se empolgue muito- recomendei.

-Não se preocupe - disse a ruiva -Você continuará parecendo você mesma, mas será como se tivesse dormido mais do que poucas horas. Eu sou muito boa.

-Dá para notar- concordei. E fechei os olhos.

-Tudo bem-disse ela. -Você pode assistir.- Ela me passou o espelho de ouro -Mas chega de falar. E fique reta.

    Ergui o espelho e vi as pontas dos dedos gelados de Genya descerem devagar sobre minha testa. Minha pele se arrepiou e assisti cada vez mais maravilhada enquanto as mãos de Genya passeavam pelo meu rosto. Cada mancha, cada arranhão, cara falha parecia desaparecer sob seus dedos. Ela colocou os polegares debaixo dos meus olhos.

-Uau!- exclamei, surpresa, enquanto desapareciam as olheiras que ultimamente me atormentavam.

-Não fique tão animada- disse a ruiva -É temporário.

     Ela pegou uma das rosas na mesa e arrancou uma pétala rosa-pálido. Ergueu-a contra minha bochecha e a cor sangrou da pétala para minha pele, deixando o que parecia ser um bonito rubor. Ela segurou uma nova pétala em meus lábios e repetiu o processo.

-Dura apenas alguns dias - ela me informou -Agora, o cabelo.

     Genya tirou um pente de seu baú, junto com uma jarra de vidro cheia de algo brilhante.

    Espantada, perguntei:

-Isso é ouro de verdade?

-É claro- disse a ruiva, segurando um chumaço do meu cabelo castanho. Ela sacudiu um pouco da folha de ouro no topo da minha cabeça e, à medida que passava o pente pelo meu cabelo, o ouro pareceu se dissolver em fios brilhantes. Conforme Genya terminava cada seção, ela o enrolava ao redor dos dedos, deixando o cabelo cair em ondas.
    Por fim, deu um passo para trás, com um sorriso presunçoso.

-Melhor, não acha?

   Me examino no espelho. Meu cabelo brilhava. Minhas bochechas tinham um belo rubor rosado. Eu estava me sentindo incrível. Perguntei-me o que Darkling pensaria quando me visse, e então afastei o pensamento.

-Melhor- concordei, ainda me encarando no espelho.

     O sorriso de Genya aumentou, de orelha a orelha.

-Fico feliz que você tenha gostado.

-Obrigada, Genya.

-Sempre será um prazer arruma-la.

   Sua voz saiu leve, mas vi uma sombra passar por seu rosto quando ela atravessou o quarto e abriu a porta para que os servos voltassem correndo. Eles me empurraram para trás de um biombo de ébano incrustado com estrelas de madrepérola, de modo que parecesse um céu noturno. Em poucos minutos, me vestiram com uma túnica e calças limpas, botas de couro macio e um casaco cinza. Desapontada, percebi que era apenas uma versão limpa do meu uniforme do exército. Havia até um pequeno emblema de cartógrafo mostrando uma rosa dos ventos na manga direita. Meus sentimentos devem ter transparecido no meu rosto.

-Não era o que você imagina?- Genya perguntou, com algum divertimento.

-Só pensei que...- Mas o que eu havia pensado? Porque achei que usaria um kefta como os Grishas?

-O Rei espera duas meninas humildes arrancadas das fileiras de seu exército, um tesouro desconhecido. Se vocês aparecerem em um kefta ele pensará que o Darkling estava escondendo vocês duas.

-Por que o Darkling nos enconderia?

     Genya deu de ombros.

-Para se aproveitar. Para lucrar. Quem sabe? Mas o Rei é... Bem, você mesma verá o que ele é.
  
   Meu estômago revirou. Eu estava prestes a ser apresentada ao Rei. Minha respiração começa a pesar e quando tentei puxar o ar para me acalmar, Genya me apressou pela porta e pelo corredor.
  Próximo à base da escada, ela sussurou.

-Se alguém perguntar, só ajudei você a se vestir. Eu não devo trabalhar com Grishas.

-Por que não?

-Porque a ridícula Rainha e sua corte mais ridícula ainda acham que não é justo.

   Rio com o fato dela ter insultado a Rainha, sendo que se alguém ouvisse, poderia considerar isso como uma traição, mas Genya estava totalmente despreocupada.
  Quando entramos no imenso salão abobadado, ele estava repleto de Grishas em túnicas carmesins, roxas e azul-escuras.
  A maioria deles parecia ter perto da minha idade, mas alguns Grishas mais velhos estavam reunidos em um canto. Apesar dos cabelos grisalhos e rostos enrugados, eles eram notavelmente atraente. Na verdade, todo mundo no salão tinha uma desesperadora boa atraente.

-Talvez a rainha até tenha razão- murmurei, olhando os Grishas.

-Ah, isso não é trabalho meu- disse Genya.

   Franzi a testa. Se Genya estava dizendo a verdade, então essa era mais uma evidência de que eu não pertencia àquele lugar.
  Alguém nos viu entrar no salão, e um silêncio caiu com cada olhar da sala vidrado em mim.
  Vejo Alina vindo em minha direção com um semblante preocupado. Ela usava vestes idênticas às minhas. Quando ela se aproxima, nós nos abraçamos fortemente.

-Você está mais bonita que o normal, Ana- Alina diz assim que nos separamos.

-Você está linda, Lina.

  Logo um Grisha alto, de peito largo e vestindo túnica vermelha escura, se adiantou. Ele tinha a pele profundamente bronzeada e parecia exalar boa saúde. Fez uns ligeira mesura e se apresentou:

-Eu sou Sergei Beznikov.

-Somos...

-Eu sei quem vocês são, é claro- Sergei interrompeu, seus dentes brancos brilhando -Venha, deixe-me apresentá-la. Vocês caminharam conosco.- Ele me pegou pelo cotovelo e começou a me levar em direção a um grupo de Corporalki.

-Elas são Conjuradoras, Sergei- disse uma garota usando um kefta azul com cachos castanhos flutuantes -Elas caminharam conosco.- Houve murmúrios de concordância vindo dos outros Eterealki atrás dela.

-Marie- disse Sergei com um sorriso falso -, não é possível que você esteja sugerindo que elas entrem no salão como uma Grisha de ordem inferior.

   A pele de alabastro de Marie ficou subitamente manchada, e vários dos Conjuradores se levantaram.

-Preciso lembrá-lo de que o próprio Darkling é um Conjurador?

-Então você está se comparando com o Darkling, agora?

   Marie gaguejou e, tentando apaziguar os ânimos, eu me intrometi:

-Por que nós não vamos com a Genya, simplesmente?

    Houve algumas risadinhas baixas.

-Com uma Artesã?- Sergei perguntou, parecendo horrorizado.

    Eu olhei para Genya, que simplesmente sorriu e sacudiu a cabeça.

-Elas pertencem ao nosso grupo!- protestou Marie, e a discussão recomeçou ao nosso redor.

-Elas caminharam comigo- disse uma voz baixa, e a sala ficou totalmente em silêncio.

My first and only loveOnde histórias criam vida. Descubra agora