A garota da capa branca

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Sem um objetivo, sem saber o que fazer com esses seus novos sentimentos – a "vontade" de fazer algo, a "liberdade" de não ter de pedir permissão – Niao começaria a vagar pelo mundo, pela primeira vez dando atenção às humanidades das pessoas ao seu redor, em vez de buscando seus segredos e suas fraquezas.

Ela se sentia desconexa, como num mundo à parte, e talvez fosse verdade. Simplesmente para não morrer de tédio, começaria a fazer uma das poucas coisas que sabe: lutar, espionar, a princípio só para passar o tempo, até notar que algumas pessoas a pagavam por esses trabalhos. Claro, nunca teve a necessidade de comer, como outros humanos, mas com o dinheiro que pagavam, ela podia alugar quartos com camas quentes e confortáveis para descansar, podia comprar belas roupas que não precisavam passar pela censura dos sacerdotes do Lorde Yeenoghu e, mesmo sem a necessidade de comer, descobriu como alimentar-se é prazeroso, embora fosse impossível explicar a razão.

Um dia, um riquíssimo mercador na Costa da Espada estava oferecendo uma grande recompensa a aventureiros que adentrassem um castelo místico onde as lendas diziam encontrar-se diversas jóias, tesouros e artefatos, assim como um certo anel ao qual ele fortemente desejava.

Niao deu uma breve conferida em outros aventureiros que estavam aceitando a missão. Fracotes, em sua opinião. Observou alguns dos grupos falhando miseravelmente contra monstros que ela mesma já enfrentara e vencera sozinha diversas vezes. Finalmente, cansada de presenciar o fracasso alheio, Niao foi atrás da biblioteca local, onde conseguiu alguns relatos sobre o interior do castelo e onde encontrar o tal anel que o mercador desejava.

Foi naquela biblioteca que ela se deu com uma patrulheira; não esperta e silenciosa, como a maioria dos patrulheiros a quem encontrara antes, e Niao tinha suas dúvidas sobre as habilidades de sobrevivência práticas daquela garota, mas sim uma jovem imatura e espalhafatosa, que ria alto de qualquer coisa e praticamente anunciava à biblioteca inteira que estava atrás do mesmo objetivo que Niao, pedindo informações a qualquer um que passasse em vez de simplesmente checar a porra dos livros.

Só de ouvi-la, Niao já fora capaz de identificar várias coisas a seu respeito: aquela mulher era Vanaris Silvereye, uma caçadora de monstros bastante inexperiente do seu clã e que estava tentando se provar, e dois de seus tutores, nômades mais experientes que ela, seus primos, a estavam acompanhando para garantir que não se machucasse.

Suspirando, ela deixaria aquela biblioteca. Talvez, se conseguisse limpar o tal castelo rápido o suficiente, impediria que aquela garota ingênua se matasse nele ou algo assim.

Não foi difícil encontrá-lo, poucos quilômetros afastado da cidade, no topo de uma colina, por alguma razão surgindo somente durante a hora do pôr-do-sol, conforme informado nos livros. Logo à entrada, Niao seria recebida por um pequeno grupo de esqueletos, atirando contra ela com arcos de madeira apodrecida que, ao que Niao teorizava, só não se desmanchavam em suas mãos por pura magia necromântica.

Foi uma luta bastante fácil, mas haviam três saídas diferentes para aquela sala. Niao se lembrava de ter lido nos livros que aquele castelo pertencera a um mago ilusionista que gostava de fazer as coisas mudarem conforme uma pessoa andava nele, só para rir da cara delas. De alguma forma, um senso de humor que ela conseguia respeitar.

Por uma ou duas horas, Niao vagou pelos labirintos ilusórios daquele mago, encontrando alguns poucos, fáceis "desafios".

Até que ouviu um grito. Uma vozinha doce e irritante, facilmente reconhecível daquela biblioteca.

Niao nunca soube responder a razão de ter seguido a origem daquele som. Apenas... sabe que sentiu aquele impulso, aquela vontade, no fundo do seu âmago, um retorcer no estômago que nunca sentira antes. Então, ela correu. Correu para encontrar aquela jovem garota acuada num dos cantos da sala, arco longo em mãos, atirando contra uma pequena horda de zumbis que a cercava, enquanto um de seus amigos jazia, inconsciente, ali perto, com o terceiro membro do grupo debruçado sobre ele, derramando um líquido rosado em sua boca.

Rapidamente, Niao deu cabo daqueles monstros. Eram fracos demais para impor qualquer dificuldade.

A garota respiraria aliviada. Com um belo sorriso, agradeceria Niao. Ofereceria-lhe uma poção de cura, assistência na sequência de sua missão, até mesmo um lanche bem mais cheiroso que os que ela mesma era capaz de preparar; um pão fresco, com presunto, queijo, tomate e azeitonas, acompanhado de um cantil de algo doce, bem diferente do álcool forte que costumava encontrar em tavernas.

Diferente, mas tinha o seu charme.

Vanaris Silvereye apresentaria-se oficialmente naquele momento, embora Niao já a conhecesse

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Vanaris Silvereye apresentaria-se oficialmente naquele momento, embora Niao já a conhecesse. Seus parceiros, Varis Redhair e Khulad Bluespirit; enquanto Varis recuperava-se de seus ferimentos, Vanaris despejava animadamente toda a natureza de sua missão ali e como estava viajando para ganhar experiência e se tornar mais poderosa, e como ela era a possível escolhida de uma antiga profecia de seu clã.

Eles pareciam humanos, mas havia algo mais. Niao logo aprendeu: não se tratavam de humanos, mas de kalashtars, uma raça que até então somente havia ouvido falar.

Niao não tinha interesse algum. Quer dizer, ela ouvia atentamente, mas não entendia porque deveria se interessar. Havia algo estranho nessa garota animada, algo que a atraía. Talvez fosse o fascínio com quanta felicidade os mortais eram capazes de emanar, ou então simplesmente estava impressionada com o quão despreocupada ela parecia após uma experiência de quase-morte. Afinal, para os mortais, a morte não era como para Niao, certo? Ao menos, era o que fora ensinado a ela e Amaterasu desde sempre; algumas almas são recolhidas por Kelemvor ou algum outro deus da morte ou da passagem, outras reencarnam sem suas memórias anteriores, sem uma continuação da vida. Casos como o de Niao, onde a morte não diferenciava-se de uma leve interrupção do dia-a-dia, como a noite de um sono que nunca dormiu, eram exclusivos dela, de Amaterasu e dos outros como elas.

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