O significado de sentir

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À primeira vista, Vanaris parecera uma dessas mortais boazinhas e ingênuas, mas após presenciar os aterrorizantes poderes de Niao, ela estava gargalhando, achando toda graça do mundo na situação, e questionando a companheira em detalhes sobre como fizera aquela ilusão do demônio-hiena gigante se transformando em uma revoada de corvos, animada como se tivessem de fato conseguido Anel dos Três Desejos.

Os dois rapazes que a acompanhavam não demonstravam tanta animação assim; riam, nervosos, mas olhavam com certo respeito, até medo, para Niao.

Com o passar dos anos, ela começaria a se perguntar se não era aquele olhar que ela e Amaterasu tinham quando olhavam para Yeenoghu...

Estranho. Nunca recebera tanta atenção e admiração por suas habilidades. Era estranho, mas não incômodo. Até um tanto... positivo. Havia algo caloroso que ela não sabia interpretar. Não costumava ter essas coisas antes, esses "sentimentos".

Aquilo atraía a presença de Niao. A princípio, preocupou-se, por lembrar-se de Yeenoghu, mas logo se deu conta de como tudo sobre ele e a garota da capa branca era completamente diferente. Vanaris cheirava a ervas e flores silvestres, emanava calor como um raio de Sol; Yeenoghu por outro lado, exalava sangue, ferro e um bafo de hiena que se orgulhava em mastigar os ossos dos seus inimigos.

"Niao, essa sua máscara, do que se trata?", perguntou Khulad, certa vez.

Niao servira como espiã em templos e cidades humanas por tempo suficiente para saber o quão odiado seu antigo mestre era por aqueles que o conheciam. Nunca havia pensado demais sobre isso, no entanto, embora tenha mentido naturalmente em diversas situações sobre a sua lealdade, pensando no objetivo de suas missões.

Dessa vez, no entanto, a vontade de mentir vinha de uma fonte diferente. "E se me afastarem de Vanaris?", afinal, eles não pareciam o tipo de gente que aprovaria a agenda de seu antigo mestre.

O que poderia dizer? Quão conhecedores seriam dos deuses de outros povos, outras culturas, outras religiões?

"Eu nasci numa distante região oriental", ela começara. Uma quase verdade. As mais antigas memórias de Niao envolviam ela andando por desertos montanhosos, muito ao leste de onde se encontrava, mas não acredita que teve um "nascimento" de fato. Se lembrava de Yaka, um gnoll idoso e particularmente cruel, vindo de uma terra mística ainda mais ao leste, seguidor fiel de Yeenoghu e que sempre lhe contava histórias de sua terra. Normalmente, logo após o extermínio em massa de alguma vila humana ou élfica, à noite, ao redor de uma fogueira, comparando a glória de Yeenoghu aos patéticos espíritos selvagens de sua região natal. "Lá, possuímos festivais dedicados aos espíritos, quatro para cada estação, um para cada fase da Lua".

O lobo, não a hiena, o espírito da caça, que guiava os que embrenhavam-se na mata profunda e traziam a carne de volta aos seus queridos. Árvores de folhas rosas... "será que essa parte é verdade?", perguntava-se Niao, enquanto repetia, da melhor forma que conseguia, as histórias de Yaka. Nunca viu uma dessas árvores de folhas rosas.

O nome do espírito? "Kusoyarö", Niao respondia, sem hesitação. Não lembrava o nome da criatura, ou se Yaka ao menos dissera, mas ela sempre ouvia-o xingar o animal usando essa palavra, seja lá o que ela significa.

"Então, você é uma caçadora, como nós?!", indagava Vanaris, animada. Niao, no entanto, nunca se considerou a melhor rastreadora do mundo e nunca esteve entre suas funções conseguir a carne de animais selvagens para os banquetes de seu mestre. Quer dizer, antigo mestre.

"Mais ou menos. Vim de uma família de caçadores, mas jurei minha vida para me tornar uma guerreira desde muito cedo. Meu antigo mestre já não está mais aqui, no entanto, então me tornei uma guerreira sem mestre."

Aqui, em sua alma que possivelmente sequer existe, ela queria dizer.

Aqui, no mundo dos vivos, ela queria se fazer entender.

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