A lenda após o agouro

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Uma horda de gnolls subitamente atacou, vindos de todos os lados. Usavam arcos longos, cimitarras, malhos, armaduras de couro e correntes, mas o clã de Vanaris, mesmo pego de surpresa, reagiu rapidamente à batalha. "Fique atrás de mim, Vanaris", ela falou baixinho, sem tirar os olhos de Amaterasu, a despeito da batalha furiosa logo às suas costas.

"Como se atreve a trazer esses monstros ao meu lar, undeads?" a voz rascante, ameaçadora da Kalavrea chegou ao ouvido de Niao e, antes que tivesse a chance de apaziguá-la, de esquivar-se da acusação, ela pareceu surgir em cima dela, já brandindo suas foices afiadas em direção ao seu pescoço. Niao esquivou o primeiro golpe, ao mesmo tempo que Vanaris gritava por sua mãe e atracava-se contra ela, implorando que parasse, que precisavam ajudar o clã contra a invasão. Pela visão periférica, Niao notou que seu espelho já não mais se encontrava no teto do templo, ao mesmo tempo que um outro ataque veio por suas costas. Não fosse sua reação rápida ao conjurar um Escudo Arcano, Niao poderia ter sido gravemente ferida. Ela percebia como os braços de Amaterasu tremiam, tamanho o ódio que sentia só por vê-la, como golpeava com mais força e ferocidade do que o normal.

Com a Kalavrea de um lado, Amaterasu do outro e tendo de proteger Vanaris da invasão de gnolls, Niao não conseguia ver uma saída para essa situação.

Lembrou-se do pacto com o corvo, tantos anos antes.

"O que eu quero em troca? Bem... que não volte, após a sua próxima morte. Nada mais que isso. Simples, não?"

Não poderia se deixar ser morta agora. Não poderia deixar Vanaris ser morta agora.

Acertou um golpe em seu espelho, que gritava alucinadamente, mandando que morresse, que fosse para o fundo dos nove infernos e nunca mais voltasse. Descarregou toda a sua profana energia divina naquele golpe, mas não foi suficiente para derrubá-la. Ao mesmo tempo, Vanaris continuava fazendo o que podia para bloquear a passagem do celestial. Como uma mãe decepcionada, o celestial a bronqueava, dizia não acreditar que estava traindo-a por uma garota a quem acabara de conhecer, tentava chantageá-la de todas as formas, mas Vanaris permanecia firme.

Com um inspirar mal-humorado, a Kalavrea declarou:

"Chega de brincadeira. Vanaris, me traga a cabeça da sua queridinha undead numa bandeja de prata", ela comandou, junto de gestos suaves e tocando o amuleto de caveira em seu peito. Niao distraiu-se por um momento, sentiu o coração apertar, se deixou recuar um passo tentando ter certeza de que Vanaris estaria dentro da aura protetiva de Yeenoghu.

"Você nunca foi assim, mãe", a garota retrucou, a voz embargada pela mágoa, e Niao relaxou a mente, aliviada. Ela resistira à tentativa de encantamento do celestial.

"Então, é isso?" Niao ouviu Amaterasu sibilar para ela. "Você trocou a glória do grande lorde Yeenoghu, por aquela mortal? É por isso que você nos traiu?"

"Como? Nem a conheço", Niao se fez de idiota, temendo o que seu espelho poderia tentar.

"Não minta pra mim", ela sibilou de volta, venenosa e Niao sentiu então como se sua mente fosse um livro aberto. A conexão não havia sido completamente desfeita, afinal.

Niao viu um sorriso cruel se formar no rosto de seu espelho.

"Mortais morrem, Niao. Esse é o ponto sobre eles. Ela vai morrer a qualquer momento, mas o lorde Yeenoghu... ah, ele é eterno!" – Uma pausa dramática. Niao aproveitou-se da aparente distração de Amaterasu para tentar dois cortes rápidos, os quais foram facilmente bloqueados. Ela tornou a sorrir à sua gêmea. "Deixe-me demonstrar."

E Amaterasu disparou para frente, na direção de Vanaris. Niao reagiu, correndo junto com ela, tentando bloquear seu caminho, mas Amaterasu sempre fora a mais rápida dentre as duas.

"Vanaris! Vanaris!" gritou desesperadamente, tentando alertá-la. Puxou o braço de Amaterasu que segurava a espada, tentando desviá-la, ao mesmo tempo que a Kalavrea viu uma oportunidade e deu o seu bote.

Com um grito horrorizado, Vanaris colocou o braço na frente da foice de sua mãe, onde a arma se fincou e uma enxurrada de sangue começou a escorrer, ao mesmo tempo que Niao se jogava na frente da mulher para ter o peito atravessado pela katana de Amaterasu, desviando por pouco da frágil carne mortal de sua amada.

Lacrimejando de dor, Vanaris caiu de joelhos ao chão, ao mesmo tempo que o celestial recuava, olhos arregalados, dando conta do que acabara de acontecer. A pseudo-undead que tanto queria matar acabara de salvar a filha de seu receptáculo. Com um berro de raiva, Amaterasu chutou Niao, arrancando-a de sua espada. Ela apalpou o próprio peito, sentindo o furo bem entre as suas costelas, uma finíssima camada de sangue escorrendo timidamente. Seus olhos cruzaram com os de Vanaris.

"Você... não... sangra?"

Não pôde dar a ela sua atenção, pois pressentiu um novo ataque de Amaterasu chegando; dessa vez, no entanto, foi a Kalavrea quem o bloqueou.

O impacto foi tanto que sua máscara despedaçou-se, revelando olhos de prata brilhantes por trás de sua sombra. O brilho, no entanto, não era natural como o de Vanaris. Havia algo mágico neles.

"CONCENTREM-SE EM EXPULSAR OS GNOLLS! CLAWS, SHIELDS, EM FORMAÇÃO!", o celestial berrou, acima de todos os sons de batalha, numa voz etérea que misturava o masculino e o feminino

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"CONCENTREM-SE EM EXPULSAR OS GNOLLS! CLAWS, SHIELDS, EM FORMAÇÃO!", o celestial berrou, acima de todos os sons de batalha, numa voz etérea que misturava o masculino e o feminino. Então, tornou-se para Niao. "Agradeça à Lavia. Nós jamais faríamos isso se ela não tivesse pedido, undead."

Havia nojo em sua última palavra. Niao replicou com um leve sorriso irônico e apressou-se para o lado de Vanaris. Colocou suas mãos sobre o ferimento ensanguentado em seu braço e passou a canalizar sua divindade profana ali, regenerando sua pele até que o ferimento se fechou completamente.

Nunca havia perguntado, mas supõe que "Lavia" seja o nome de sua mãe.

"E quanto a você?", indagou Vanaris, colocando a mão perto de onde sua roupa estava furada.

"Não se preocupe, você é melhor para o mundo do que eu."

"Eu te proíbo de dizer isso de novo. Eu vou te chutar se fizer isso."

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